2024-11-19

O regresso da censura (2)


O que aqui referi é particularmente negativo quando ataca jornalistas. Fazer jornalismo é, entre o mais, prestar toda a informação sobre determinado evento que deva ser considerada relevante à luz do interesse da generalidade do público, sem omissões.

Por exemplo, quando se noticia a ocorrência de um crime, o público não quererá, certamente, conhecer a cor das calças do seu suposto autor, ou se ele tem mau hálito. São factos obviamente irrelevantes.

Todavia, o mesmo não acontece com a identidade, as características pessoais (sexo, idade, nacionalidade, origem) e o enquadramento social do autor do crime (se trabalha, qual a sua profissão, se tem antecedentes criminais e/ou é conhecido pela prática habitual de factos semelhantes, se se encontra em liberdade condicional, se é toxicodependente), bem como o que o terá motivado a actuar daquela maneira e o contexto em que os factos ocorreram. No fundo, os elementos que respondem às perguntas básicas: quem, onde, como e porquê. Trata-se de elementos essenciais de uma notícia, que o público tem o direito de saber e o jornalista o dever de investigar e comunicar, sob pena de não estar a fazer jornalismo, mas outra coisa qualquer.

Em alguns crimes, poderá ser essencial, para a apreensão de todos os traços relevantes da situação, saber, por exemplo, se o autor do crime ocupa determinado cargo público ou privado, se pertence a determinado grupo social ou religioso, se integra determinada associação ou movimento político. Tivemos, recentemente, um exemplo disso.

Desde que Portugal vive em democracia, era com toda a naturalidade que os jornais, ao noticiarem a prática de crimes, forneciam, em toda a medida do que conseguissem apurar, os elementos acima referidos. O mesmo faziam os canais de televisão a partir do momento em que também passaram a noticiar, com frequência cada vez maior, a prática de crimes. Pelo seu lado, o público recebia essas notícias com igual naturalidade, sem que, tanto quanto me recordo, alguma vez tenha havido qualquer problema decorrente de lhe ser proporcionada informação completa.

Até que, um belo dia, o Estado resolveu intrometer-se. Havia demasiada liberdade de informar, não podia ser. Estávamos em 2007, tempo de muito má memória para a democracia em Portugal. Escreverei sobre isso em próxima mensagem.


2024-11-11

As intermitências do «anti-racismo»


Ainda se encontram sob investigação as circunstâncias que levaram um agente da PSP a disparar sobre Odair Moniz. Não obstante, o veredito da associação «SOS Racismo» foi imediato: o agente da PSP é racista e actuou motivado por esse sentimento. O comunicado que emitiu é claro: tratou-se de um «assassinato» (link).

Ou seja, para a «SOS Racismo», as dúvidas que ela própria enuncia naquele comunicado não passam de mera retórica, tudo parecendo já estar mais que esclarecido: o agente da PSP disparou com a intenção de matar Odair Moniz, sem outra justificação que o ódio que ele supostamente tem às pessoas «negras». O que implica que, logo à partida, se considere afastada a hipótese de legítima defesa, ou outra que implique descer do patamar superior, correspondente ao «assassinato».

Salta à vista que isto não faz qualquer sentido. Antes do apuramento das exactas circunstâncias em que Odair Moniz foi baleado, qualquer conclusão sobre a intenção do agente da PSP e a existência, ou não, de uma situação de legítima defesa por parte deste, é precipitada. Ainda mais precipitado é concluir que o agente da PSP é racista e que foi isso que o levou a actuar como actuou. As acusações feitas pela «SOS Racismo» são precipitadas, infundadas, ridículas e ofensivas. Também são oportunistas, pois nada mais visaram que encontrar um pretexto para a sua autora tentar justificar a sua existência e fazer prova de vida, ainda que isso implicasse lançar achas para a fogueira já ateada pela morte de Odair Moniz.

Não obstante, foram muitos aqueles que prontamente surfaram a onda do «anti-racismo» militante. Até se fez uma manifestação, escassos dias depois da morte de Odair Moniz, contra o alegado racismo, não só do agente que sobre aquele disparou, mas de toda a PSP. À qual não faltaram os habituais cartazes vexatórios da PSP e dos seus agentes e os não menos habituais políticos que não perdem oportunidades desta natureza para «aparecerem».

A pressa com que os militantes do «anti-racismo» condenaram o agente da PSP que disparou sobre Odair Moniz e enxovalharam a instituição que ele serve contrasta, porém, com o seu ensurdecedor silêncio noutras ocasiões em que, aí sim, a motivação racista de, pelo menos, alguns dos intervenientes, foi por demais evidente.

Em Julho de 2008, esta situação alarmou Portugal. Confrontos violentos entre «ciganos» e «negros» residentes no Bairro da Quinta da Fonte, na via pública, com uso de armas de fogo. Uma parte desses confrontos foi filmada e as imagens, que podem ser vistas no YouTube, são impressionantes.

Dediquei, então, algumas mensagens a este acontecimento. Nesta, salientei o silêncio daqueles que, então, denominei como «anti-racistas de serviço». Da parte deles, nem uma palavra sobre o assunto. Nem comunicados, nem manifestações, nada! Estrategicamente, calaram-se muito bem caladinhos. Até hoje.

Enfim, são um modelo de credibilidade, estes «anti-racistas» intermitentes.


2024-11-02

As prioridades da República


Há apenas 295 armas de electrochoque, vulgo tasers, para 14.000 agentes da PSP. O custo de cada taser ronda os € 2.000. Equipar todos os agentes da PSP com um taser custaria, pois, menos de € 28.000.000. Provavelmente, com € 10.000.000, ou nem tanto, já se conseguiria acudir satisfatoriamente às necessidades existentes. Uma quantia irrisória, considerando o total das despesas do Estado. Não obstante, a situação actual é a descrita. O número de tasers existentes corresponde a cerca de 2% do de agentes da PSP. Pior, é difícil.

Por aqui se vê, mais uma vez, que as prioridades da República andam, há muito, invertidas. Tem havido dinheiro para tudo o que é inútil: estádios de futebol, subsídios a quem se recusa a trabalhar, apoio financeiro a eventos que não interessam a ninguém e a associações, fundações e outras agremiações sem qualquer finalidade útil, criadas exclusivamente para sacar, através do Estado, dinheiro dos contribuintes, e por aí fora. Para aquilo que constitui o núcleo das funções soberanas do Estado, como é o caso da manutenção da segurança pública, ou não há dinheiro, ou, quando há, todos os cêntimos são contados. Consequência óbvia de se governar para a imagem e para satisfazer clientelas políticas e não em função do interesse nacional.

Que terão os responsáveis políticos que não dotaram a PSP de um número suficiente de tasers em devido tempo a dizer sobre isto? Parece-me que devem explicações à população. Num país decente, haveria jornalistas independentes e com coluna vertebral que lhas pediriam. E esses responsáveis políticos teriam de as dar, em vez de andarem, agora, a fingir que não é nada com eles e a chorar lágrimas de crocodilo pela morte de Odair Moniz, que muito provavelmente estaria vivo se o agente que sobre ele disparou estivesse munido de um taser.


2024-10-28

Armas não letais


A infeliz situação que levou à morte de Odair Moniz já serviu para tudo aquilo que não devia ter servido: motins e muito aproveitamento político. Em vez disso, deveria suscitar uma reflexão séria sobre as formas de minorar o risco de repetição de eventos dessa natureza.

Indo ao essencial e indiscutido: um agente da PSP efectuou um disparo, com a sua arma de serviço, na direcção de um homem que enfrentava, atingindo-o mortalmente. As circunstâncias exactas em que tal ocorreu serão oportunamente apuradas em sede própria.

Facto fundamental: uso de uma arma de fogo por um agente da PSP contra uma pessoa, com o propósito de a neutralizar. Terá de ser assim?

Não.

Existindo uma panóplia de armas não letais, é inexplicável que a única arma de que a generalidade dos agentes de autoridade é portadora seja de fogo. O porte de armas não letais permitiria uma maior eficácia da sua actuação com menos danos, para si próprios e para terceiros.

A arma de fogo é, obviamente, indispensável, para ser usada em situações extremas. Contudo, se também estivessem munidos de uma ou mais armas não letais, os agentes de autoridade estariam mais aptos para enfrentarem situações em que se imponha o uso da força mas o recurso a uma arma de fogo possa ser excessivo. Por exemplo, para enfrentarem indivíduos desarmados que pretendam agredi-los fisicamente, situação que, infelizmente, ocorre amiúde.

No fundo, para que os agentes de autoridade não se vejam perante o dilema do «tudo ou nada», acabando, na generalidade dos casos, por se ficar pelo «nada», deixando de cumprir as suas funções e pondo a sua vida e a sua integridade física em risco. Quando, excepcionalmente, optam pelo «tudo», é a desgraça que se vê.


2024-10-26

Dúvida


Interrogo-me sobre se, após uma semana como aquela que se viveu na zona da Grande Lisboa, os políticos, os comentadores e os meios de comunicação social «mainstream» terão a lata de continuar a tentar convencer-nos de que Portugal é um dos países mais seguros do mundo.

Aguardemos.


2024-10-25

Prisões: o preço a pagar


É claro que isto terá enormes custos, materiais e políticos.

Contará, seguramente, com a oposição daqueles que, por cegueira ideológica ou interesses mais prosaicos, rejeitam sistematicamente qualquer solução que aumente a eficácia do sistema de justiça penal, de que o sistema prisional constitui um elemento fundamental.

Lá virá a habitual «poesia jurídico-penal», linda de recitar mas absolutamente desfasada da realidade, cujo mote preferido é o mais que estafado argumento de que se deve apostar na «ressocialização» e não na prisão, como se a colocação destes dois termos em alternativa fizesse algum sentido.

Lá virá a queixa de que os tribunais portugueses aplicam demasiada prisão, seja a título de pena ou de medida de coacção, com a inerente proposta de alterações legislativas que limitem mais e mais tal possibilidade.

E lá virá, como proposta de «solução» para os problemas do nosso sistema prisional, a continuação destas práticasassim deixando tudo na mesma.

Em suma, a reforma do sistema prisional que se impõe implicará sobrepor decididamente o interesse nacional ao interesse partidário. O que, como se sabe, não é para todos os estômagos políticos.


2024-10-24

2024-10-22

Motins na Amadora e em Oeiras

 

O que foi noticiado:

Na madrugada de 21.10.2024, Odair Moniz conduzia um veículo automóvel na Avenida da República, Amadora. Ao ver um veículo da PSP, pôs-se em fuga, entrando no Bairro da Cova da Moura. Foi perseguido pelo veículo da PSP. Na fuga, embateu em diversos veículos que se encontravam estacionados. Após imobilizar o veículo que conduzia, prosseguiu a fuga a pé, pelas ruas do bairro, tendo sido perseguido pelos agentes da PSP. Estes dispararam para o ar, mas o fugitivo não parou. Os agentes da PSP tentaram detê-lo, mas o fugitivo opôs-se e tentou agredi-los com uma arma branca, após o que foi baleado numa axila e acabou por morrer no hospital para onde foi transportado. O agente da PSP que atingiu Odair Moniz foi constituído arguido.

Quem parece já saber tudo o que se passou:

A associação «SOS Racismo» já emitiu o seu julgamento. A culpa é, obviamente, do agente da PSP que efectuou o disparo. A motivação apontada pela «SOS Racismo» é a previsível: racismo. Está em causa «uma cultura de impunidade» nas polícias, afirma aquela associação. Para se atrever a proferir tão peremptória sentença, certamente a «SOS Racismo» já conseguiu apurar factos que o público e as próprias autoridades, que irão proceder a um inquérito, ainda desconhecem. Bem podia partilhar esse conhecimento.

O que está a acontecer:

Na noite de 21, foram incendiados vários contentores de lixo no Bairro do Zambujal, onde Odair Moniz residia. Várias paragens de autocarro foram destruídas. Quando os bombeiros tentaram entrar no bairro, foram corridos à pedrada.

Na noite de 22, um autocarro que fazia o seu percurso habitual pelo interior do Bairro do Zambujal foi interceptado por um grupo de indivíduos. Estes, após fazerem o condutor e os passageiros saírem, incendiaram o autocarro, que ardeu por completo. Posteriormente, foi incendiado um segundo autocarro, na Portela de Carnaxide. Um veículo da PSP foi atingido por um «cocktail molotov».

Os canais de televisão estão há horas a fazer «directos» dos locais onde os motins ocorrem.

Neste momento, interessa-me apenas registar os factos. A seu tempo, escreverei sobre tudo isto.


2024-10-21

Prisões: por que ponta pegar?


O sistema prisional de um país não passa de um elemento, fundamental é certo, do sistema de justiça penal. Deve, por isso, ser configurado de forma a adequar-se ao cumprimento dos fins que a lei penal aponta à pena de prisão.

Por aquilo que aqui afirmei, o Direito Penal português precisa de ser repensado, se se quiser que ele volte a ser levado a sério. O que, a acontecer, teria de se repercutir sobre a configuração do sistema prisional.

Porém, não podemos estar à espera disso, desde logo porque é altamente improvável que haja lucidez, saber, vontade e coragem para empreender tal tarefa. O estado deplorável a que o poder político deixou o sistema prisional chegar impõe urgência na tomada de medidas «mínimas» que evitem que este entre em ruptura.

Por onde pegar, então, neste imenso problema?

Por aquilo que se mostre necessário em qualquer quadro jurídico-penal. A saber, aumentar a capacidade do sistema prisional, reforçar a segurança das prisões e melhorar substancialmente as condições em que os reclusos cumprem as suas penas. Ou seja, construir novas prisões, adequadas às actuais exigências, e reabilitar as existentes. E com urgência. Para mais quando o encerramento do Estabelecimento Prisional de Lisboa, que é o que alberga o maior número de reclusos em Portugal, está para breve.

Já não existe margem para mascarar o problema com os truques habituais. A evolução da criminalidade no nosso país não se compadece com a reiteração da concessão de medidas de clemência, ou com sucessivas alterações legislativas de pendor laxista, entenda-se, cada uma mais laxista que a anterior. Laxismo sobre laxismo só poderá conduzir à falência do Estado enquanto garante da segurança pública e protector dos mais fracos contra a violência dos mais fortes. Quando o Estado recua no combate ao crime, é este que avança, ocupando o território por aquele deixado livre. Em vez disso, impõe-se reafirmar a autoridade do Estado, com a maior firmeza possível.