A razão do enorme incómodo que o tema da
possibilidade de estabelecimento de uma relação entre a vaga de imigração que
actualmente se verifica em vários países da Europa ocidental e o aumento da criminalidade
provoca a algumas pessoas é, evidentemente, o seu melindre político. Se se
concluísse que aquela relação existe, seria questionada, com argumentos
acrescidos, a política que tem sido seguida em Portugal em matéria de imigração
nos últimos anos. Na hipótese contrária, ruiria parte importante do
argumentário de quem critica tal política, pugnando por uma outra, mais restritiva.
Não há como fugir a isto.
Não obstante, o elefante permanece no meio da sala.
Também não há como continuar a fazer de conta que ele lá não está.
O tema tem, pois, de ser abordado, mas
no plano próprio: o da análise objectiva da realidade criminal actual em
Portugal. Esta emergência convoca todos aqueles que possam dar um contributo
válido para a discussão. Sem preconceitos, seja em que sentido for. Só pode
adquirir conhecimento quem a tanto se dispõe. Para tanto, não pode iniciar o
percurso com preconceitos. O pré-entendimento que cada um tenha terá de ceder
perante factos que não o corroborem. E a disponibilidade para aceitar seja que
conclusão for tem de ser total. Sem isto, não é possível um debate sério sobre
o tema.
Quantos estariam dispostos a fazê-lo? A
entrar no jogo de forma séria, predispondo-se a aceitar o resultado, qualquer
que ele seja? Era isso que eu gostaria de saber.
Na arena política, aquilo que vejo, de
um e outro lado, é gente entrincheirada e de armas apontadas ao inimigo. À mínima
oportunidade, disparam. Afinal, dificilmente poderia ser de outra maneira. A
política é o que é. Não é, seguramente, a sede própria para o debate que se
impõe.
A academia seria, em princípio, o palco privilegiado para se investigar esta temática e debater desapaixonadamente os resultados dessa investigação. É também para isso que existem universidades. Mais, é essencialmente isso que distingue uma verdadeira universidade de uma simples escola.
Interrogo-me, porém, sobre se a academia se encontra, hoje, em
condições de o fazer. Concretamente, se o acolhimento de um estudo que
concluísse que a vaga de imigração que, nos anos mais recentes, se abateu sobre
Portugal, vem determinando um aumento da criminalidade, seria idêntico ao de um
outro que chegasse à conclusão oposta. Duvido muito. Duvido mesmo muito.