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São tantos os aspectos negativos do auto-denominado «Ensaio para reorganização da estrutura judiciária», que é difícil arranjar uma ponta por onde se lhe pegue. Bem podia ter-se-lhe chamado «Ensaio para a liquidação da estrutura judiciária», pois, a ser implementado na prática, será esse o seu efeito.
Vou referir-me a uma das suas conclusões mais absurdas, que, não obstante, foi imediata e lamentavelmente aproveitada para fins de propaganda política: a de que – milagre dos milagres! –, o dito «Ensaio» tinha feito a prodigiosa descoberta de que afinal, considerando apenas aquilo que é o movimento normal dos tribunais portugueses, há 300 juízes a mais. Trezentos!
Isto daria para rir se o assunto não fosse tão sério.
Perante um resultado tão inesperado, tão absurdo, não terá passado pela cabeça de alguém que as contas deviam estar mal feitas? Que, em vez de correrem para televisões e jornais exultando com a grande descoberta que tinham acabado de fazer, seria mais prudente reverem os pressupostos do «Ensaio» e, se continuassem a obter o mesmo resultado, falarem com quem lhes poderia dar uma ajuda a refazer as contas e assim evitarem o triste espectáculo de propaganda sem sentido a que se assistiu?
Este episódio faz-me lembrar a historieta do relojoeiro que era tão bom, tão bom, tão bom, que desmontava um relógio avariado, reparava-o e ainda lhe sobravam peças. Quem fez o «Ensaio» deve ter achado que possui artes semelhantes às do dito relojoeiro.
A reforma da organização judiciária começa, pois, muito mal. Por este andar, arrisca-se a ir engrossar esta lista.