2012-09-19

Reincidência, essa desconhecida (2)


Li, há tempos, um artigo da jornalista Valentina Marcelino, publicado no Diário de Notícias de 20.06.2012, sobre um problema grave que aqui tenho abordado recorrentemente desde há vários anos: a inexistência de estudos credíveis sobre a criminalidade em Portugal - LINK.

O título é sugestivo: «Estado desconhece número de criminosos reincidentes».

O artigo mistura repetidamente dois problemas distintos: o da ausência de estudos sobre criminalidade, indispensáveis para uma definição racional da política criminal e da actividade legislativa, por um lado, e o do conhecimento, em cada processo, dos antecedentes criminais do(s) arguido(s), por outro. Uma coisa nada tem a ver com a outra. São problemas diferentes, a sua resolução depende de instrumentos diferentes, as finalidades da informação obtida são diferentes, tal como são diferentes os destinatários dessa mesma informação.

Quase no final do artigo, Laborinho Lúcio, respondendo à pergunta sobre a importância de conhecer a reincidência criminal, distingue claramente os dois problemas, assim: «É indispensável em dois planos. O primeiro, no que toca à definição das políticas criminais. Por um lado, é o conhecimento daquela taxa que permite avaliar o resultado das medidas de política entretanto adotadas para combater o crime e a sua repetição pelo mesmo agente; por outro lado, é a partir desse conhecimento que é possível definir estratégias e objetivos concretos em sede de intervenção, seja no plano legislativo seja no das práticas ligadas à execução das penas. O segundo plano é aquele que toca já a intervenção judicial, nomeadamente em matéria de condenação criminal.»

Neste momento, interessa-me apenas o primeiro problema: a falta de estudos sobre criminalidade. Destaco as partes que, nesta perspectiva, considero mais interessantes:

«Numa altura em que o Governo quer mudar as leis penais, peritos alertam para o desconhecimento por parte do Estado das taxas de reincidência criminal, que medem a eficácia das medidas.»

«O Estado português não sabe quantos criminosos voltaram a reincidir, nem porquê, nem o seu perfil. (…) Não há estudos nem contas sobre os custos da reincidência. Especialistas alertam para esta falha, quando o Governo quer alterar as leis penais. Conhecer a reincidência é fundamental para saber se as penas aplicadas produziram o objetivo principal: evitar que condenados voltem a cometer crimes.»

«Numa altura em que estão em cima da mesa novas propostas de alteração ao Código Penal e ao Código de Processo Penal, por parte do Governo, estas decisões são tomadas sem base científica e no meio da total ignorância quanto à eficácia das medidas tomadas.»

“Que criminosos mais reincidem e que tipo de penas são mais eficazes? A pulseira eletrónica evita mais ou menos a reincidência que a prisão? Que resultados em concreto têm os programas de prevenção e reinserção social? De que prisões são os reclusos com maior taxa de reincidência e porquê? E quanto custa ao Estado a reincidência? Não há resposta a estas perguntas. Foi gasto dinheiro público na prisão (cada recluso custa, em média, 14 600 euros por ano), mas quando volta a reincidir, não só o dinheiro foi desbaratado, como a segurança não melhorou.»

«O Ministério da Justiça admitiu ao DN que "a informação sobre reincidência criminal resulta de um trabalho específico e pontual de estudo e de avaliação é datada e parcial, destinando-se a avaliações internas, uma vez que não se procede ao registo, em base de dados, desta variável". E, acrescenta, "as taxas de reincidência apresentam, por norma, valores estáveis e de longa duração". O último destes estudos, genérico, já tem cinco anos e fixou a taxa em 29%. Mas não é conhecido o perfil das reincidências. Em 2003, a Provedoria de Justiça fez uma avaliação profunda das prisões e apresentou uma taxa de reincidência de 51%.»

Acrescento eu: Apesar de estar tudo, ou quase tudo, por fazer a este nível, a reforma do Código Penal e do Código de Processo Penal segue dentro de momentos. Mais uma e de novo às cegas, à semelhança da de 2007, de muito má memória.