2013-03-26

Ainda sobre a alegada "judicialização da política"


O artigo de opinião de José Mouraz Lopes ontem publicado (LINK) sobre a alegada "judicialização da política" põe o dedo na ferida. As seguintes frases são lapidares (o realce é da minha autoria):

"Os "acusadores" são, sobretudo, os que exercem poderes de facto do alto de uma aparente intocabilidade mediática e que, com a insinuação de que os tribunais estão a ir para caminhos que não são os seus, pretendem apenas inibir a actuação judicial sobre aqueles que sempre se viram como intocáveis."

"Diz-se, por isso, em regra, "à justiça o que é da justiça, à política o que é da política"! O discurso da judicialização da política é, assim, um discurso manipulado e que serve apenas aqueles que deles se queixam, porque por eles são ou podem ser afectados."

Pois, era tão bom, para essa gente, um espaço livre do Direito onde pudessem fazer tudo aquilo que quisessem (entenda-se, ainda mais que aquilo que já fazem) sem limites jurídicos e livres do incómodo que é a actuação do sistema judicial...

Era bom, mas não pode ser, ao menos enquanto houver Estado de Direito.

Porém, como não pode ser, toca a agitar o papão da "judicialização da política", que, como é bom de ver, não passa de mais um chavão sem qualquer sentido e, por isso, facilmente se desmonta, como ontem fez José Mouraz Lopes.

A essa tarefa também se dedicou, há alguns meses, João Lemos Esteves, em artigo de opinião que guardei no meu Casão (LINK). O resultado foi o esperado: a alegada "judicialização da política" não passa de um rematado disparate que se desfaz através de uma abordagem jurídica simples, em meia dúzia de parágrafos. Não passa, no fundo, de um castelo de cartas que se desmorona com um simples sopro. Realço a parte final desse artigo:

"(...) a estruturação do sistema fiscal português não é uma questão apenas política: comporta uma dimensão jurídica bastante relevante.

Posto isto, cumpre assinalar que, de facto, nos parece que o Governo terá muitas dificuldades para nos convencer que as medidas de redução dos escalões do IRS não violam o princípio segundo o qual os impostos sobre o rendimento têm de ser progressivos e atender aos rendimentos auferidos pelos portugueses. Ora, quer o princípio da progressividade, quer o princípio da capacidade contributiva são princípios constitucionais e, logo, jurídicos: o Tribunal Constitucional poderá fiscalizar o seu respeito pelo legislador. O que os Tribunais - nunca! - poderão fazer é formular juízos de mérito: esta medida não deveria ser adoptada porque há outra melhor. Neste último caso, e só neste, estaríamos perante uma violação do princípio da separação de poderes."

Óbvio!

Entretanto, também guardei, num canto esconso do meu Casão, três exemplos da dificuldade que algumas pessoas (respectivamente, um economista, um banqueiro e um jornalista) sentem em perceber uma coisa tão simples:

Deliberação do Tribunal Constitucional sobre os subsídios vai penalizar Portugal aos olhos internacionais - LINK

Veto do Tribunal Constitucional é perigosíssimo para o futuro de Portugal - LINK

É de doidos os juízes terem tanto poder - LINK

Moral da história: Ninguém caia no erro de pensar que o Estado de Direito Democrático é um dado adquirido. A cada passo nos surge gente aparentemente insuspeita que, afinal, convive mal com esse modelo, parecendo preferir outros, de pendor autoritário.