Longe vai o tempo em que o Direito quase só interessava a quem dele fazia profissão. Hoje, também o cidadão comum se interroga sobre o Direito e as decisões que em nome do Direito são tomadas.
Em si mesma positiva, esta evolução comporta riscos, como evidencia a realidade portuguesa dos últimos anos.
Um desses riscos é o de o debate sobre o Direito, que devia fazer-se dentro do Direito, passar a fazer-se à margem dele. Uma vez transposta essa fronteira, na realidade já não se debate o Direito, quando muito fala-se a propósito do Direito, muitas vezes grita-se a pretexto do Direito e com objectivos que passam completamente ao lado do Direito.
Esta degenerescência não tem consequências de maior quando ocorre ao nível daquilo a que dantes se chamava «conversa de taberna» e agora, com as tabernas em vias de extinção, injustamente se transpôs para a classe dos taxistas.
As coisas pioram quando subimos (subimos?) ao nível dos «tudólogos» que pululam nas televisões e nos jornais. Apesar de serem mais letrados que os antigos taberneiros e a maior parte dos taxistas, de Direito sabem normalmente o mesmo que qualquer destes últimos. Mas como, pelo menos os mais populares, têm lugar cativo nas televisões e falam com aquele ar de quem sabe de tudo e mais alguma coisa muito mais que todos os outros juntos, do Direito ao futebol e da Literatura a uma qualquer teoria da conspiração, acabam por convencer os mais desprevenidos. E as asneiras que dizem, nomeadamente sobre o Direito, acabam por ir fazendo o seu caminho.
Pior que tudo o resto é, porém, quando a conversa e, tantas vezes, a gritaria a propósito do Direito mas que passa à margem deste provém de gente «de dentro», por vezes com cargos proeminentes no mundo da Justiça e a quem, por isso, é exigível contenção, honestidade intelectual, um especial respeito pelos outros e, genericamente, uma postura digna e responsável. E também, já agora, conhecimento do Direito, coisa que, mesmo neste universo mais restrito, vai faltando muito.
Este tipo de «poluição jurídica» vem alastrando, acompanhando aliás a tendência de queda da sociedade portuguesa a todos os níveis na última meia dúzia de anos. Para alguns, há que fazer barulho e lançar permanentemente a confusão, pois é no meio do barulho e da confusão que se sentem como peixe na água e vão alimentando as suas ambições pessoais.
Não são essas as águas que navego. Apesar de a tentação de reagir no mesmo tom a algumas enormidades que por aí se vão dizendo e escrevendo a propósito da Justiça e do Direito ser, por vezes, dificilmente reprimível, procuro abordar este último com respeito pelas regras a que deve obedecer um discurso que ainda pretende ser jurídico. Sem perder de vista a realidade a que o Direito se aplica, mas procurando manter-me dentro dos limites daquilo que é uma abordagem jurídica dos problemas. Só a este nível vale a pena intervir. A poluição não se combate com mais poluição.