Ando há vários dias a tentar arranjar paciência para escrever algumas linhas sobre o Anteprojecto de Decreto-Lei relativo ao «Regime de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais», que o Ministério da Justiça divulgou para cumprimento da enfadonha (do seu ponto de vista), frustrante (do ponto de vista daqueles a quem, mais uma vez, é solicitado parecer que, como os anteriores, será certamente ignorado) e inútil (pois, objectivamente, não vai servir para nada) formalidade da audição das organizações representativas dos profissionais da área da Justiça.
Escrever sobre o Anteprojecto é tudo menos aliciante. É que a coisa não tem mesmo ponta por onde se lhe pegue. Após tantas versões, negociações, discursos, promessas e, sobretudo, tanto tempo desperdiçado, sai um Anteprojecto que é uma aberração de bradar aos céus, aliás na linha da lei que se destina a regulamentar, a Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, que o atabalhoado Anteprojecto identifica, logo na 1.ª linha do seu preâmbulo, como «Lei n.º 62/2013 de 26 agosto». É, em síntese, um péssimo regulamento de uma péssima lei.
O erro de base do Anteprojecto é fácil de identificar: Insiste num quadro de juízes baseado em VRP (valores de referência processual) sem qualquer credibilidade, calculados de forma inacreditavelmente leviana e primária, como, entre outros, um parecer do Conselho Superior da Magistratura já demonstrou detalhadamente, parecer esse que quem elaborou o dito Anteprojecto pura e simplesmente ignorou, insistindo nos mesmíssimos erros que se verificam desde o primeiro «ensaio para reorganização da estrutura judiciária», que em devido tempo critiquei aqui, aqui e aqui.
Mas pode ser que, afinal, tudo fique em águas de bacalhau, mais não seja porque, além de não ter pés nem cabeça, a «reforma» (que, na realidade, é a liquidação) do sistema judiciário iria implicar uma significativa despesa pública (chamar-lhe investimento, só se for a título de brincadeira de mau gosto) e, em 2014, o orçamento do Ministério da Justiça sofrerá um corte brutal. É aqui que reside a minha derradeira esperança: a dura realidade que, espero, impeça a concretização de tamanha loucura.