2013-10-06

A geometria variável dos direitos adquiridos


Nos últimos 2 anos e picos, Portugal descobriu, com surpresa, que não há direitos adquiridos, mas apenas, na melhor das hipóteses, direitos cujo conteúdo e extensão podem ser livre e unilateralmente (subentenda-se, sem necessidade, sequer, de intervenção de um terceiro imparcial) alterados pelo sujeito passivo da relação jurídica sempre que este último entenda que tem boas razões para isso.

Creio que este tipo de narrativa põe a generalidade dos juristas de cabelos em pé, pois redunda na negação da própria ideia de direito subjectivo. Mas o tempo que vivemos não é um tempo de juristas e, por isso, para quem manda, é assim e acabou-se.

Porém, mesmo para os apóstolos desta doutrina e desta prática, será sempre assim? Apesar de errados, serão eles, ao menos, coerentes no seu erro?

Claro que não são. Para eles, há direitos mais adquiridos que outros. Por outras palavras, a noção de direito adquirido possui geometria variável.

E variável em função de quê? Da necessidade de salvaguardar mínimos de subsistência para os mais pobres ou as legítimas expectativas de quem fez descontos uma vida inteira para ter a sua pensão de reforma ou de quem trabalha e, de um momento para o outro, vê o seu vencimento diminuir arbitrariamente?

Nada disso. É precisamente ao contrário. Os direitos que, para a doutrina de que venho falando, mais que adquiridos, são sagrados, situam-se no polo oposto, económica e socialmente falando.

E porquê? Cá tenho a minha convicção sobre qual seja a razão. Parece-me até bastante óbvia. Mas não vou meter-me por aí. Interessa-me apenas uma abordagem jurídica desta questão e aquela razão, de jurídica, nada tem, muito pelo contrário.

Juridicamente, a referida geometria variável dos direitos adquiridos constitui uma insustentável aberração. Não sou só eu quem o diz. Escreveu sobre o tema, há alguns meses, CELESTE CARDONA, neste artigo.

Não concordo com muito daquilo que nele se diz. Nomeadamente, onde a sua autora vê compreensão e aceitação dos portugueses relativamente à redução dos seus salários ou pensões, eu tenho visto (e partilhado) exactamente o contrário, ou seja, incompreensão e revolta. Certamente porque os portugueses com quem eu me relaciono não são os mesmos com quem a autora do artigo se relaciona.

Todavia, acompanho a questão que é colocada no final e constitui o tema central do artigo. Observa CELESTE CARDONA que não compreende que a regra que legitimou a ruptura – que, de forma optimista, qualifica como temporária – dos contratos celebrados com os cidadãos não seja também apta a legitimar o mesmo procedimento no domínio dos contratos das PPP, na medida em que a rentabilidade financeira assegurada aos mesmos no tempo em que foram celebrados foi fundada em circunstâncias que, de forma evidente, sofreram alteração superveniente.

Não compreende ela, nem compreendo eu.