Nos últimos 2
anos e picos, Portugal descobriu, com surpresa, que não há direitos adquiridos, mas apenas, na melhor das hipóteses, direitos cujo conteúdo e extensão podem ser livre e unilateralmente
(subentenda-se, sem necessidade, sequer, de intervenção de um terceiro
imparcial) alterados pelo sujeito passivo da relação jurídica sempre que este
último entenda que tem boas razões para isso.
Creio que este
tipo de narrativa põe a generalidade dos juristas de cabelos em pé, pois
redunda na negação da própria ideia de direito subjectivo. Mas o tempo que
vivemos não é um tempo de juristas e, por isso, para quem manda, é assim e
acabou-se.
Porém, mesmo
para os apóstolos desta doutrina e desta prática, será sempre assim? Apesar de
errados, serão eles, ao menos, coerentes no seu erro?
Claro que não
são. Para eles, há direitos mais adquiridos que outros. Por outras palavras, a
noção de direito adquirido possui geometria variável.
E variável em
função de quê? Da necessidade de salvaguardar mínimos de subsistência para os
mais pobres ou as legítimas expectativas de quem fez descontos uma vida inteira
para ter a sua pensão de reforma ou de quem trabalha e, de um momento para o
outro, vê o seu vencimento diminuir arbitrariamente?
Nada disso. É
precisamente ao contrário. Os direitos que, para a doutrina de que venho
falando, mais que adquiridos, são sagrados, situam-se no polo
oposto, económica e socialmente falando.
E porquê? Cá
tenho a minha convicção sobre qual seja a razão. Parece-me até bastante óbvia.
Mas não vou meter-me por aí. Interessa-me apenas uma abordagem jurídica desta
questão e aquela razão, de jurídica, nada tem, muito pelo contrário.
Juridicamente, a
referida geometria variável dos direitos adquiridos constitui uma insustentável
aberração. Não sou só eu quem o diz. Escreveu sobre o tema, há alguns meses,
CELESTE CARDONA, neste artigo.
Não concordo com
muito daquilo que nele se diz. Nomeadamente, onde a sua autora vê compreensão e
aceitação dos portugueses relativamente à redução dos seus salários ou pensões,
eu tenho visto (e partilhado) exactamente o contrário, ou seja, incompreensão e
revolta. Certamente porque os portugueses com quem eu me relaciono não são os
mesmos com quem a autora do artigo se relaciona.
Todavia,
acompanho a questão que é colocada no final e constitui o tema central do
artigo. Observa CELESTE CARDONA que não compreende que a regra que legitimou a
ruptura – que, de forma optimista, qualifica como temporária – dos contratos
celebrados com os cidadãos não seja também apta a legitimar o mesmo
procedimento no domínio dos contratos das PPP, na medida em que a rentabilidade
financeira assegurada aos mesmos no tempo em que foram celebrados foi fundada
em circunstâncias que, de forma evidente, sofreram alteração superveniente.
Não compreende
ela, nem compreendo eu.