2024-07-30

Aumentar o policiamento: o penso rápido.


A criminalidade aumenta? O cidadão pacato e cumpridor sente-se inseguro quando sai à rua, quando está numa superfície comercial, até mesmo quando está em casa? A reivindicação dos autarcas é sempre a mesma: mais policiamento. À qual o/a ministro/a da administração interna que estiver em funções poderá reagir de várias formas:

1 – Reconhecer que o problema existe e aumentar o policiamento nos locais onde a crise se verifica;

2 – Reconhecer que o problema existe, prometer aquele aumento, mas nunca o concretizar, com a esperança de que o problema desapareça espontaneamente ou de que o cidadão pacato e cumpridor se habitue à sua nova forma de vida (não sair de casa sem antes ir à janela ver como está o ambiente na rua, sair sem ostentar objectos que possam despertar a cobiça alheia, olhar permanentemente em redor e voltar para casa o mais depressa possível, preferencialmente antes de escurecer) e deixe de reclamar;

3 – Negar a existência do problema, sendo optativo aproveitar a ocasião para dissertar – ou mandar alguém fazê-lo – acerca da distinção entre insegurança e sentimento de insegurança (escrevi sobre isto em 2008 – link);

4 – Ignorar olimpicamente o pedido de mais policiamento.

Na melhor das hipóteses, a opção será, obviamente, a primeira. Contudo, importa ter em mente que o reforço do policiamento em determinado local não passa de uma medida pontual e necessariamente transitória, que não resolve verdadeiramente o problema da insegurança. Trata-se de uma espécie de penso rápido: protege a ferida, mas, nem dispensa o tratamento desta, nem pode lá ficar para sempre.

Perante o aumento do policiamento em determinado local, aquilo que acontecerá, na melhor das hipóteses, será a deslocação dos elementos causadores de insegurança para outro. Aí, reinicia-se o ciclo descrito, com outra localização. Como, ao contrário dos pensos rápidos, as forças de segurança são escassas, o reforço do policiamento na nova localização implicará, inevitavelmente, a diminuição deste na anterior, ou numa das anteriores. Daí a apontada similitude com o penso rápido também no que toca à provisoriedade, embora por razões diferentes.

E nada mais poderá fazer o/a ministro/a da administração interna. Ou seja, na realidade, pouco pode fazer.

O problema da insegurança em Portugal é muito mais profundo e, no que à lei diz respeito, tem as suas raízes na década de 80 do século XX, quando se fez um Código Penal que se quis em linha com o que de mais vanguardista existia à época («à la pointe même du progrès», como se ufanava o legislador no respectivo prefácio), mas que se mostrou absolutamente inadequado às especificidades e às necessidades do nosso país. A isso, acresce a desactualização do ideário jurídico-penal em que assenta, face a um país (e a uma Europa, e a um mundo) em vertiginosa mudança, seguramente para pior em matéria de insegurança. As sucessivas e, por vezes, erráticas alterações a que tem sido sujeito, não resolveram os problemas referidos. Em algumas matérias, agravaram-nos.

É claro que o problema da insegurança tem múltiplos factores na sua origem. Não se resolve com mudanças legislativas, longe disso. Não obstante, a lei tem de cumprir a sua parte. A lei penal (na sua globalidade) de um país tem de se adequar às especificidades e corresponder às necessidades deste em cada momento. É isto que o Código Penal de 1982 nunca conseguiu (escrevi sobre isto em 2011 – link).

O essencial do problema da insegurança não pode, pois, ser resolvido pelo Ministério da Administração Interna. No que à legislação respeita, é assunto para a Assembleia da República. Agora, que tanto se fala novamente na necessidade de uma reforma da justiça, aproveitem para fazer uma reforma penal a sério, em vez de se limitarem a fazer a habitual meia dúzia de remendos legislativos, que hão-de resolver tanto quanto os anteriores, ou seja, nada.