No passado dia 29 de Julho, um indivíduo introduziu-se num centro educativo em Southport, Reino Unido, onde matou, à facada, três meninas, com seis, sete e nove anos, que se encontravam numa aula de dança. Esfaqueou oito outras crianças e, ainda, dois adultos.
A
autoridade policial relatou o sucedido, mas, sobre a identidade do agressor, os
dados divulgados eram, evidentemente, incompletos: 17 anos de idade, de
nacionalidade britânica, nascido em Cardiff e residente numa localidade próxima
de Southport. Saltava à vista que ali faltava alguma coisa.
Em
contraponto, a autoridade policial apressou-se a declarar que não se tratava de
um ataque com motivação terrorista, o que é, em si mesmo, surpreendente, pois a
investigação estava apenas no seu início. Dados facilmente averiguáveis não
foram divulgados, mas a exclusão de motivação terrorista, que pressupõe
investigação, veio logo a público.
Perante
um crime tão brutal, o público queria, naturalmente, saber mais acerca do
agressor. Mas não podia ser, disse a autoridade policial, pois, tendo o
agressor menos de 18 anos, a lei proibia a divulgação do seu nome.
Muito
bem, não poderia ser divulgado o nome, mas continuavam em falta outros dados, relativos à identidade do agressor, que a comunidade queria e tem o direito de
conhecer. Qual a sua origem, o que fazia na vida, o que o teria levado a praticar
aqueles actos. E, evidentemente, eventuais motivações religiosas, dada a associação,
justa ou injusta, que geralmente é feita entre ataques à facada e indivíduos muçulmanos.
O público tinha o direito de saber, nomeadamente, se se tratava de um crime de
ódio.
Não
obstante, nem mais um dado sobre o agressor veio a público, até que, dias
depois, o juiz a quem aquele foi apresentado autorizou a divulgação do seu nome.
Só então o público ficou a saber, além do nome do agressor (Axel Rudakubana),
que este é filho de imigrantes ruandeses. Foram, ainda, divulgadas fotos
antigas do indivíduo.
O
fundamento invocado pelo juiz para autorizar a divulgação da identidade do
agressor demonstra a sua sensatez: «Continuar
a impedir a comunicação completa tem a desvantagem de permitir que outros
espalhem desinformação, no vazio».
Com esta
frase lapidar, o meu colega britânico tocou mesmo no centro da ferida. Uma comunicação patentemente incompleta não satisfaz o interesse do público em obter informação
e, ao contrário do que os novos censores gostariam que acontecesse, não reduz a
dimensão daquele interesse por forma a fazê-la coincidir com a da vontade de
informar. Daí que, sempre que deixa de ser transmitida informação que o público
pretende, legitimamente, conhecer, se crie uma espécie de vácuo informativo.
As
consequências desta prática, que insidiosamente se instalou nas democracias
ocidentais, estão à vista: o espaço não coberto pela notícia constitui o
ambiente ideal para a proliferação de boatos, agora redenominados como «fake news».
No caso
de Axel Rudakubana, as «fake news»
foram imediatas. Era migrante, era requerente de asilo, era muçulmano. As suas consequências também o foram: vandalismo em Londres e em Southport, que incluiu
um ataque à mesquita local, e dezenas de polícias feridos.
Dir-se-á:
tendo sido imediatamente divulgado que o agressor tem nacionalidade britânica e nasceu em Cardiff e que a hipótese de ataque terrorista se encontrava
descartada, o público ficou informado de que não se tratava de um migrante, de
um requerente de asilo ou de um terrorista, pelo que não foi um vazio
informativo que abriu o caminho à propagação de «fake news».
Não é
assim. Uma notícia incompleta acaba por ser uma notícia falsa, na medida em que
transmite apenas uma parte da realidade relevante, assim a distorcendo. Por isso, quem fornece
notícias incompletas, seja sob que pretexto for, passa facilmente por mentiroso, o que, na realidade, é. Transmite apenas aquilo que pensa ser vantajoso para os
fins, eventualmente nobres, que sobrepõe ao valor da verdade, na suposição de
que os destinatários não passam de um rebanho de simplórios. Porém, como boa
parte das pessoas já percebeu que a censura está de volta, ainda que com o rótulo
de democrática e humanista (a pejorativamente denominada «censura do bem»), a táctica não pega. O público melhor informado
já aprendeu que o melhor é desconfiar.
Portanto,
perante uma notícia patentemente incompleta, é natural que o público nem sequer
nos dados divulgados acredite. Sendo certa a incompletude da notícia e,
consequentemente, a falta de credibilidade de quem a dá, a prudência aconselha
a duvidar de tudo.
Concluindo,
parece-me haver boas razões para estabelecer a descrita conexão entre notícias
incompletas e «fake news».
Dito de outra forma: Querem realmente combater as «fake news»? Contar toda a verdade poderá ser um bom começo.