O programa de «troca» de seringas nas prisões suscita-me, entre outras, a questão da sua compatibilidade com a finalidade de reinserção social do cidadão autor de um crime que qualquer pena deve prosseguir.
Sendo certo que o Estado, desde logo por força do disposto no art. 40.º, n.º 1, do Código Penal, que o «projecto de reforma» apresentado pela UMRP não altera, não pode abdicar desse objectivo relativamente a toda e qualquer pena que aplique.
Suponhamos que um toxicodependente comete um ou mais crimes contra o património com o intuito de obter meios para comprar estupefacientes e é condenado numa pena de prisão efectiva – é esta a história pessoal de grande parte dos reclusos em Portugal.
Parece-me evidente que a reinserção social deste cidadão terá de começar pelo tratamento da sua toxicodependência, o qual pressupõe o seu afastamento do consumo dos produtos estupefacientes em que está viciado, mais não seja através de um programa de substituição.
Porém, em vez disso, o Estado, já que não consegue – segundo afirma – garantir a não entrada de produtos estupefacientes no meio prisional, vai passar a fornecer seringas (o termo «troca» não passa de um eufemismo) a esse cidadão, para que ele, já que continua a consumir drogas, o faça de forma «segura».
Esse cidadão lá se vai injectando (ainda que, porventura, antes de ser preso, a forma de consumo do estupefaciente fosse outra, menos nociva) com o produto estupefaciente que compra no interior da prisão ou que as pessoas que o visitam lhe levam e – aspecto fundamental na perspectiva em que coloco o problema – a colaboração do Estado, que lhe fornece as seringas.
Pergunto:
Findo o cumprimento da pena, que cidadão sai para o exterior?
Em que é que o cidadão que é libertado difere, no tocante às razões que o levaram a cometer o ou os crimes por que foi condenado, daquele que foi preso?
Que irá este cidadão, que, com a colaboração do Estado, é tão toxicodependente à saída como o era à entrada no sistema prisional (ou ainda mais), fazer em liberdade?
Onde ficou a reinserção social desse cidadão?
O que é que o Estado fez com vista a essa reinserção quando, durante o período de cumprimento da pena, se limitou a fornecer-lhe seringas e um local para se injectar tranquilamente?
Pergunto, com a humildade que deve assumir perante questões desta natureza quem, como eu, é um mero prático do Direito e não tem todo o tempo que gostaria de ter para aprofundar os seus conhecimentos teóricos: não irá a implementação do programa de «troca» de seringas nas prisões pôr em causa a primazia do objectivo de reinserção social do delinquente, sacrificando-o ao de, simplesmente, reduzir danos (o qual, em si mesmo, me parece inidóneo para constituir o fim de qualquer pena)?
Se assim for, talvez seja necessário rever alguns conceitos fundamentais em matéria de fins das penas, de forma a reconhecer que, em muitos casos, o Estado assume que a finalidade destas últimas deixou de ser a reinserção social do delinquente, sob pena de esta última se tornar – ou continuar a tornar-se – uma mera figura de estilo.
Nesses casos, qual passa a ser o fim da pena?