O Direito
Contra-Ordenacional português, substantivo e processual, põe à prova a
paciência de qualquer jurista que nele pretenda encontrar alguma coerência
interna, que meta ombros à tarefa de nele procurar algo que possa assemelhar-se
a um sistema, ainda que incipiente.
A relativa
juventude deste ramo do Direito em Portugal não constitui justificação para o
estado, não digo caótico, mas a caminhar para lá em passo acelerado, a que o
mesmo chegou. A fonte do problema não é tanto a escassez de elaboração
doutrinária (embora, indirectamente, também passe por aí), mas a profusão de
legislação com normas pouco pensadas e mal formuladas, com lacunas indesejáveis e,
pior que tudo, sem qualquer preocupação de harmonização sistemática.
Em si mesmo, o
Regime Geral das Contra-Ordenações (Decreto-Lei n.º 433/82, de 27.10) contém um
sem-número de exemplos de tudo aquilo que acabo de referir. Quando cotejamos as
suas normas com as suas homólogas constantes das numerosas leis-quadro
sectoriais que à sua roda têm nascido como cogumelos, nem se fala.
Não é, assim, de
estranhar que, a cada passo, nos deparemos com dificuldades e, consequentemente,
com doutrina (pouca) e jurisprudência para todos os gostos.
Uma questão
fundamental – nomeadamente porque pode ter implicações processuais importantes
– que tem sido pouco abordada entre nós é a do estatuto da autoridade administrativa na fase judicial do processo
contra-ordenacional.
Uma das teorias
propostas é a de que a autoridade administrativa é, naquela fase, uma «amiga do tribunal» (amicus
curiae ou, em versão britânica, friend
of the court).
Não tenho
qualquer preconceito em relação às autoridades administrativas em processo
contra-ordenacional. São aquilo que são, como tudo na vida. Na sua maioria, são
dependentes (em medida variável) do poder executivo estadual, logo acabam por
ser aquilo que este determina que elas sejam em cada momento. Muitas delas são
autarquias locais, logo também actuando segundo critérios que, de jurídico, podem ter pouco.
Tenho é as minhas
dúvidas sobre se os tribunais devem ter amigas destas. Tendo como certo que os
tribunais devem evitar más companhias e, pior ainda, amigas da onça, parece-me que aquela «tese da amizade» tem de ser posta à prova. Considerando, por um lado, o quadro normativo relevante e, por outro, aquilo que é, na
realidade, a actuação das autoridades administrativas em Portugal, fará algum sentido
a «tese da amizade», em qualquer das suas formulações?