Parece-me que, em Portugal, estamos
muito perto disto.
O nosso sistema
jurídico-penal não é para levar a sério e, efectivamente, não o é.
Não tanto por causa de
questões como as escutas, a violação do segredo de justiça ou outros que, quem
pode, coloca na agenda político-mediática de tempos a tempos, em função das
peripécias que vão ocorrendo numa dúzia de processos judiciais mais mediatizados.
Fora dessa bolha, o cidadão
comum, que não reside nem trabalha em «zonas
protegidas» e tem de se deslocar diariamente em transportes públicos, tem
um justificado sentimento de descrença na justiça penal e a não menos
justificada convicção de que a severidade da punição fica geralmente muito
aquém da gravidade do crime e de que, mesmo quem comete crimes graves, não
passará muito tempo na prisão.
Sentimento e convicção estes que, como é sabido, levam a que as vítimas não denunciem a prática de inúmeros crimes. Quanto maior for a descrença na justiça penal, maior será a percentagem de crimes não denunciados, falseando as estatísticas sobre a criminalidade. Isto para gáudio de quem tem governado Portugal ao longo das últimas três/quatro décadas, que, à indisfarçável realidade, sempre opôs números que com esta pouco tinham a ver, assim negando a existência de problemas ao nível da criminalidade, por mais óbvios que estes fossem. É um círculo vicioso: descrença no sistema penal – aumento das cifras negras – maior desfasamento das estatísticas sobre criminalidade em relação à realidade – ausência de medidas de combate à criminalidade – aumento da criminalidade… e voltamos ao princípio.
Do lado dos criminosos, existe um generalizado sentimento de impunidade, de que aqui falei repetidamente ao longo dos anos e que só tem aumentado. Cada vez há mais criminosos, que fazem o que lhes apetece. Isso vê-se nas ruas, nos bairros, nos transportes públicos. Com frequência, entra-nos casa adentro, literalmente. Já nem o Governo escapa.