2025-07-03

A lei ao serviço da esquerda


«Compreendendo e aplicando a mensagem de Gramsci, as esquerdas abandonaram os assaltos violentos ao poder, o terror das revoluções francesa, russa ou chinesa, e concentraram-se na amálgama e na desqualificação do adversário, ou mais propriamente do inimigo, esconjurando-o com apelo a velhas imagens.

É a construção de uma narrativa que tem vindo a colonizar e contaminar o centro e que pinta o adversário – “a extrema-direita” – como um mal absoluto, um perigo para a Democracia (…). Não por ser violento, mas pelas ideias que tem. (…)

Como outrora a direita reacionária, a Esquerda, agindo dentro de modelos de democracia constitucional, concentra-se em avançar legislação que induza as “boas práticas morais” e em policiar as ideias que as ponham em causa, proibindo determinadas ideologias e princípios, apresentados como “perigosos para o regime democrático”; regime do qual, com o apoio dos grandes media e da “imprensa de referência”, passou a arrogar-se exclusivo representante e porta-voz.»


JAIME NOGUEIRA PINTO, De que falamos quando falamos de Direita?, Bertrand Editora, Lisboa – 2024, páginas 130-131.


2025-06-25

O uso do discurso do ódio como arma ideológica (a liberdade de expressão termina onde começam as sensações do outro).


«O tema do “discurso de ódio” tornou-se, para quem consome os média dominantes e acompanha os seus representantes, uma presença quase diária no espaço público português e, de forma mais ampla, ocidental. Fala-se constantemente da ascensão da extrema-direita, do perigo dos movimentos fascistas, do ressurgimento da intolerância. No entanto, há um paradoxo pouco discutido: numa sociedade supostamente tão polarizada, só um dos polos parece ser acusado sistematicamente de propagar ódio, enquanto o outro é retratado como vítima permanente.

Verifica-se uma assimetria flagrante. A mesma expressão, se proferida por alguém de esquerda, é muitas vezes relativizada ou até normalizada. Mas, se for dita por alguém que não se revê nesse campo ideológico, mesmo que se trate de um democrata liberal ou conservador, é imediatamente catalogada como perigosa, intolerável ou odiosa. O ódio deixou de ser uma questão de conteúdo ou intenção. Tornou-se uma arma política, aplicada de forma seletiva conforme a orientação ideológica do emissor. Esta prática tem história. Talvez o seu exemplo mais claro esteja na obra de Herbert Marcuse, como veremos mais adiante.

Um exemplo acabado de como o progressismo e o socialismo ditos democráticos operam hoje com uma verdadeira polícia ideológica institucional percebe-se na forma como o conceito de “discurso de ódio” é mobilizado para calar e criminalizar o adversário, baseando-se, em muitos casos, em categorias altamente subjetivas. Invocar o “discurso de ódio” tornou-se a chave para censurar, silenciar e desqualificar o outro. Mas o que é, afinal, esse discurso? Numa das suas definições mais comuns, depende da perceção de alguém (designado como “vítima”) e incide sobretudo sobre categorias como “cor, sexo, género, política e orientação sexual”.

A Inglaterra foi pioneira na tipificação legal deste fenómeno. Vejamos a versão aparentemente menos grave, ou seja, sem consequências criminais diretas, mas devastadora por ficar associada a registos policiais aos quais empregadores podem ter acesso, especialmente em áreas sensíveis como educação, segurança ou funções públicas.

A designação desta versão menor de crime é: “crimes de ódio e incidentes de ódio não criminais”. Uma piada, um meme, uma opinião, qualquer um destes gestos pode transformar um cidadão num “cadastrado” por ódio.

Segundo a definição do sistema jurídico britânico, um incidente de ódio não criminal (NCHI) é: “Qualquer ato que seja percecionado pela vítima ou por qualquer outra pessoa como motivado por hostilidade ou preconceito com base em: raça ou raça percecionada, religião ou religião percecionada, orientação sexual ou orientação sexual percecionada, deficiência ou deficiência percecionada, identidade transgénero (real ou percecionada).”

E quem decide o que constitui esse tipo de crime de ódio?

“As características pessoais acima são aquelas monitorizadas pelo governo central e estão previstas no sistema de justiça criminal. A polícia deve também registar e sinalizar características não monitorizadas como crimes de ódio, sempre que houver perceção de hostilidade.”

Já não é necessária qualquer condenação judicial. Basta uma queixa e a perceção subjetiva de ofensa. É legítimo afirmar que estamos perante um ambiente próximo da mentalidade política totalitária, onde o pensamento divergente é punido não pelos seus atos, mas pelo que ideologicamente representa.

O caso de Harry Miller é emblemático. Um ex-agente da polícia britânica que publicou tuites satíricos sobre ideologia de género foi alvo de investigação por parte da polícia de Humberside, que classificou os seus comentários como “incidente de ódio não criminal”. Miller foi contactado por um agente que lhe disse: “Precisamos de verificar o seu pensamento.” O caso chegou ao Supremo Tribunal, que considerou a ação policial uma violação da liberdade de expressão. No entanto, a prática institucional mantém-se, com regras reformuladas.

Em 2023, a legislação foi revista por se ter tornado arbitrária. No entanto, o essencial permanece, apesar de o Supremo Tribunal britânico ter reconhecido que os registos de NCHI violavam o direito à liberdade de expressão (artigo 10 da Convenção Europeia dos Direitos Humanos), recomendando a sua abolição ou restrição severa.

A definição de “discurso de ódio” no contexto da ideologia progressista não é apenas jurídica. É, acima de tudo, política, moral e identitária. O conceito generalizado é assim apresentando: “Discurso de ódio é qualquer expressão verbal, escrita ou simbólica que ataque, insulte, degrade ou ameace uma pessoa ou grupo com base em características como raça, género, orientação sexual, religião, deficiência ou identidade de género”, o que é intencionalmente vago e subjetivo. Esta imprecisão permite que quem detém o poder o aplique de forma arbitrária. O que conta como “ataque” ou “insulto” depende da perceção da alegada vítima, não de qualquer análise objetiva. A intenção do autor é irrelevante: basta que alguém se sinta ofendido para que se configure um “discurso de ódio”.

Na prática, o progressismo contemporâneo tende a expandir esse conceito de forma subjetiva, ideologicamente orientada e culturalmente repressiva. O plano jurídico serve como instrumento de criminalização do dissenso. Para esta visão, o discurso de ódio é tudo aquilo que contraria a narrativa emocional dominante sobre identidade, desigualdade ou inclusão. Tornou-se um conceito politicamente útil para desqualificar o adversário, dispensando o debate. Trata-se, sobretudo, de uma ferramenta de engenharia cultural, e não apenas de uma categoria legal.

Hoje, piadas podem ser consideradas discurso racista. Dizer que “o sexo biológico é imutável” pode ser rotulado de transfobia. Criticar o ativismo antirracista como forma de divisão social, de racismo. Defender modelos familiares tradicionais, de homofobia. Citar estatísticas sobre criminalidade associada a certos grupos, de racismo estrutural.

A censura, assim, é justificada como empatia. A dissidência é confundida com ódio. E aceita-se a legalização da punição simbólica: cancelamento, bloqueio de contas, remoção de conteúdos, registos policiais por “incidentes de ódio”.

O conceito de “ódio” expande-se progressivamente até englobar grande parte da oposição às ideias dominantes. Passa a incluir: Discordância sobre ideias identitárias (como críticas à ideologia de género ou à teoria racial crítica); Humor ou ironia considerados “insensíveis”; Afirmações políticas, científicas ou filosóficas que contradigam narrativas dominantes; Opiniões conservadoras ou religiosas, se consideradas “excludentes”.

A crítica e a oposição que não se enquadrem no sistema progressista são rotuladas como formas de opressão.

Uma das artimanhas mais eficazes é a equivalência entre expressão e ação. Dizer “dou-te um murro” passa a equivaler, legal e simbolicamente, a efetivamente dar o murro. A linguagem, nesta perspetiva, não é apenas expressão, mas ação social direta. Logo, palavras tornam-se formas de violência estrutural. Por isso, limitar certas palavras ou ideias é apresentado como proteção das vítimas, e não como censura.

Na tradição liberal clássica (e não no liberalismo económico-progressista atual), a liberdade de expressão era um direito negativo. O indivíduo era livre para pensar, dizer e discutir ideias, inclusive controversas, sem interferência do Estado, desde que não incitasse à violência ou ao crime.

Na visão progressista contemporânea, a liberdade de expressão é subordinada à proteção emocional de grupos considerados vulneráveis. A linguagem deixa de ser instrumento de debate racional e passa a ser um ato de poder, ou mesmo de violência. Assim, críticas, ironias ou discordâncias em relação a certas ideologias identitárias são rapidamente classificadas como discurso de ódio, não por causarem dano real, mas por ofenderem a sensibilidade subjetiva da vítima.

O discurso já não serve para compreender a realidade, mas para preservar um clima afetivo confortável, mesmo que isso implique censura e repressão intelectual. Esta operação permite impor um pensamento único e uma única forma aceitável de estar e pensar, sob a justificação moral de se estar a proteger os mais fracos e a impor níveis civilizacionais mínimos.

No seu célebre ensaio A Tolerância Repressiva (1965), o filósofo alemão Herbert Marcuse, figura central da Escola de Frankfurt, defende uma conceção assimétrica da liberdade de expressão. Segundo Marcuse, essa liberdade não deve ser universal, mas diferenciada conforme a posição ideológica de quem fala. O que se diz importa menos do que quem o diz e de onde fala. Assim, discursos oriundos da direita devem ser reprimidos, mesmo que pacíficos, enquanto discursos agressivos vindos da esquerda devem ser tolerados ou incentivados.

A lógica é clara: numa sociedade estruturalmente opressora, ou seja, capitalista, patriarcal, racista, qualquer tolerância para com as ideias da direita apenas reforça a dominação vigente. Em contrapartida, permitir (ou até promover) discursos da esquerda, mesmo hostis, contribui para a emancipação dos oprimidos. Declarações como “ódio à burguesia”, “ódio à polícia” ou “ódio ao homem branco” não só são toleradas, como vistas como expressões legítimas de resistência política.

Um caso elucidativo foi o da plataforma Twitter (antes da aquisição por Elon Musk), onde utilizadores conservadores, religiosos ou críticos das políticas identitárias viam as suas contas suspensas por “violações de discurso de ódio”, enquanto frases como “morte ao homem branco” ou “comer os ricos” circulavam livremente, justificadas como formas legítimas de crítica social. Esta disparidade foi denunciada por vários investigadores e jornalistas como um sintoma de enviesamento ideológico nas políticas de moderação.

Outro exemplo recente pode ser encontrado nas universidades britânicas, onde oradores convidados com posições céticas face à teoria de género ou ao multiculturalismo têm sido frequentemente desconvocados sob acusações de incitamento ao ódio. Entretanto, intervenções hostis à tradição ocidental, a Israel ou ao cristianismo são muitas vezes não só permitidas, mas promovidas em nome da diversidade e da justiça social. A liberdade de expressão tornou-se condicional, não em função do conteúdo do discurso, mas da identidade ideológica de quem o profere.

Pelo contrário, discursos que defendam o liberalismo clássico, o conservadorismo, o nacionalismo ou o anticomunismo são automaticamente entendidos como expressões de opressão, e não como posições legítimas num debate plural. Para Marcuse, a defesa da liberdade de expressão igual para todos, pilar da tradição liberal, não passa de uma ilusão criada para preservar o status quo.

Como ele próprio escreveu: “A tolerância para com a direita tende a reforçar a dominação existente; a tolerância para com a esquerda tende a enfraquecê-la.”

Este pensamento, que nos anos 60 parecia marginal, foi lentamente absorvido pelas instituições culturais, académicas e mediáticas do Ocidente. Hoje, nas chamadas sociedades liberais, Marcuse venceu. O discurso de ódio já não se define por critérios objetivos de forma ou conteúdo, mas sim pela orientação política e pelo lugar simbólico de quem fala.

O resultado é um sistema discursivo profundamente iníquo. A linguagem já não é avaliada pela sua racionalidade, pelo seu conteúdo factual ou pelo seu potencial ofensivo. É medida antes pela sua utilidade estratégica na luta ideológica e identitária. Aceitar esta assimetria na definição de discurso de ódio implica, na prática, aceitar que só a esquerda é democrática, justa e moralmente autorizada a falar em nome da liberdade e dos direitos humanos.»


JOÃO MAURÍCIO BRÁS, jornal Nascer do Sol, 25.06.2025.


2025-06-15

Anátema


«Mais complexo, porque mais subtil, é o problema a que somos conduzidos pela anatematização do interlocutor.

O fenómeno tem início no quadro político e inscreve-se no quadro do crescimento dos movimentos radicais de esquerda. Conforme explica Alexandre Franco de Sá, se o inimigo político de que falava Schmitt era um hostis e não um inimicus, não precisando de ser “moralmente mau, nem esteticamente feio” (…), para o populismo de esquerda conceptualizado por Mouffe, a única posição moralmente aceitável é uma posição de esquerda, podendo a direita existir na medida em que seja uma “direita de esquerda, no sentido de uma direita legitimada, tolerada e reconhecida pela esquerda nos termos da própria esquerda” (…). Pressupõe-se uma superioridade moral e intelectual da esquerda que, no fundo, dita os requisitos de legitimação para se participar no debate público, condenando todos os outros, que não aceitem aqueles termos, à indigência, pela demonização e a anatematização. Ora, o jornalismo, fruto da hegemonia cultural a que se assiste, na senda da proposta gramsciana, acaba por ser veículo privilegiado desta estratégia, caricaturando os oponentes e silenciando-os, pelo não cumprimento das regras do contraditório.

Este fenómeno, que começou nos media mainstream, acabou por extravasá-lo, contaminando o mundo digital e determinando uma política de cancelamento, em nome de um politicamente correto que hegemonicamente se cultiva.

A anatematização a que se alude pode, na verdade, configurar-se como um comportamento ilícito. Dependendo dos termos da diabolização, poderemos deparar-nos com a violação do direito à honra; noutras situações, pelo esvaziamento conceptual dos termos utilizados, tal lesão não se verificará, restando uma eventual lesão do direito à liberdade de expressão e de participação cívica. Em casos mais extremos, que, ultrapassando o domínio jornalístico ou das redes sociais, fazem com que o sujeito se confronte com comportamentos discriminatórios ou seja vítima da chamada cultura do cancelamento (v.g., as hipóteses em que um sujeito é afastado do exercício da sua atividade profissional porque, com base em dados fundados, profere uma opinião legítima, embora contrária ao pensamento hegemónico), podemos aventar a eventual violação de outros direitos, como o direito à igualdade ou inclusivamente o direito à liberdade académica ou o direito à liberdade de exercício de uma atividade profissional.

Consoante as especificidades do caso, esta ilicitude pode alicerçar uma pretensão indemnizatória (para o que será necessário verificar-se culpa, provarem-se os danos e resolver-se o problema da imputação objetiva), do mesmo modo que pode justificar que se lance mão de determinadas providências tendentes a atenuar ou a evitar a lesão.

Do ponto de vista coletivo, gera, como consequência, a radicalização do discurso e a impossibilidade de um verdadeiro diálogo, constituindo um perigo para a própria sociedade democrática, sem que, contudo, tal seja suficiente para agir no plano do direito privado.

Refira-se, in fine, que a estratégia de demonização, de antagonismo silenciador e anatematizante extrapola o contexto político, contaminando-se a outros domínios da vida societária, de tal sorte que se pode já diagnosticar uma grave patologia no mundo hodierno.»


MAFALDA MIRANDA BARBOSA, A Ilicitude do Anátema, Revista de Direito da Responsabilidade, Ano 4 – 2022, páginas 47-48.


2025-05-26

Prisão perpétua: será desta?


Terramoto político na sequência das eleições legislativas antecipadas no passado dia 18 de Maio, como nunca se tinha visto em quase de 50 anos de democracia (não conto o PREC como tempo de democracia, por razões óbvias, ao menos para mim). Festa no Chega, toque de sinos a rebate no PS e AD (PSD + CDS) aparentemente sem saber o que fazer com a sua vitória, concretamente se será melhor cair para o lado esquerdo ou para o lado direito.

Foi tão violento o abanão, que a soma dos deputados da direita (AD + Chega + IL) excede a maioria qualificada requerida para rever a Constituição. Apressou-se a IL a colocar o tema da revisão constitucional na agenda política, visando expurgar a Constituição dos vestígios do PREC que subsistem. O Chega aderiu imediatamente à ideia, pois sonha com essa revisão desde a sua fundação. A AD, a quem a ideia de rever a Constituição parece entusiasmar tanto quanto a de fazer uma colonoscopia sem sedação, vai fazendo de morta.

Neste contexto, reentrou na agenda política, com vigor redobrado, o tema da prisão perpétua. Propõe o Chega a eliminação da proibição da pena de prisão perpétua, constante do n.º 1 do artigo 30.º da Constituição. Eliminação essa que abriria caminho à alteração do Código Penal no sentido de estabelecer a possibilidade de aplicar a pena de prisão perpétua a crimes especialmente graves. Alteração essa que, por seu turno, imporia que todo o sistema de sanções penais fosse repensado.

Pelas razões que aqui referi, a pena de prisão perpétua constitui uma ferramenta indispensável para a credibilidade de um sistema de justiça penal. Sem ela, é impossível proteger a sociedade da criminalidade mais grave, punindo adequadamente quem a ela se dedica e, por essa via, dissuadindo quem a ela pretenda dedicar-se. Sintomaticamente, a pena de prisão perpétua está consagrada em quase todos os sistemas penais europeus.

Mais, num mundo globalizado como aquele em que vivemos actualmente, o facto de Portugal ser um dos raros países europeus onde não é admissível a pena de prisão perpétua (o limite máximo da pena de prisão é de apenas 25 anos) tem um evidente efeito de chamada do que há de pior, em todo o mundo, em matéria de criminalidade. Um país, como Portugal, onde exista a garantia de não aplicabilidade de prisão perpétua ou, sequer, de penas de prisão superiores a 25 anos, constitui um verdadeiro santuário para a grande criminalidade.

2025-04-30

Substituição


Em Lisboa, Setúbal e Algarve, quase metade dos recém-nascidos tem mãe estrangeira.

Não fosse o facilitismo com que se tem atribuído a nacionalidade portuguesa a imigrantes nos anos mais recentes, certamente já seria a maioria.

Está, assim, em curso uma catástrofe para os portugueses, a serem rapidamente substituídos neste território que, muito em breve, deixará de ser seu.

Porém, para muitos, isto não interessa nada. Aquilo que interessa são os 100 dias de Trump, as 10 frases que marcaram esses 100 dias, ou se Trump disse que quer ser papa. Sem esquecer a tarefa patriótica de partilhar diariamente um meme anti-Trump no Facebook, claro está. 

Se calhar, os portugueses têm precisamente aquilo que merecem.

2025-04-14

Imigração e criminalidade – Afinar critérios


Desenvolvendo uma das ideias que aqui deixei, é possível distinguir três tipos de abordagem da questão de saber se é possível estabelecer uma relação entre imigração e criminalidade.

Os mais radicais consideram que a questão nem sequer pode ser suscitada, porquanto esse simples facto constitui uma manifestação de racismo e/ou xenofobia, que mais não visa que apelar ao ódio contra minorias. Para os partidários desta postura, a referida questão passa a ser mais um «tema proibido». Ai de quem se atreva, sequer, a suscitá-la!

Um segundo grupo admite a colocação da questão em abstracto. Porém, dá-a imediatamente por resolvida mediante a invocação de estudos que demonstrariam que a imigração, não só não provoca um aumento da criminalidade, como, paradoxalmente, até a diminui, atenta a primazia que a generalidade dos imigrantes daria ao seu desejo de integração na sociedade de acolhimento. No fundo, parece que, para quem assim se posiciona, a descrita relação entre imigração e criminalidade ficou, graças aos referidos estudos, definitiva e irrefutavelmente demonstrada para todo o sempre, sendo, assim, descabido monitorizar os actuais fluxos migratórios na perspectiva da sua relação com a criminalidade. O facto de se tratar de estudos antigos, que tiveram por objecto fenómenos migratórios completamente diferentes daquele que se abateu sobre a Europa nos anos mais recentes, não os impressiona. Encontraram uma «verdade» que lhes agrada e recusam-se terminantemente a questioná-la com base em factos novos, que abalem as suas confortáveis certezas e proporcionem argumentos que possam contrariar as suas inabaláveis convicções.

Finalmente, há quem, mais moderadamente, admita a colocação da questão em concreto, perante a vaga de imigração que actualmente atinge a generalidade dos países da Europa ocidental. Reconhecendo a singularidade desta vaga migratória, concedem que a mesma mereça uma análise diferenciada. Porém, procuram resolver a questão com apelo a argumentação enganosa. É o caso de quem procura demonstrar a impossibilidade de estabelecimento de uma relação entre a imigração e o aumento da criminalidade apelando à actual composição da população prisional.

Há que fugir deste espartilho e procurar a verdade. O que impõe, logo à partida, afinar os critérios de recolha e tratamento de dados. Aqueles que pretendem continuar a impedir uma discussão séria sobre a relação entre imigração e criminalidade têm feito tudo aquilo que podem no sentido de ocultar os dados que realmente interessam, de baralhar o mais possível os escassos dados que são disponibilizados e de semear a confusão através da divulgação, como relevantes, de dados que, na realidade, o não são. Importa analisar e desmontar toda essa narrativa.   

2025-04-07

Imigração e criminalidade – A neutralidade informativa da inexistência de dados


Os canais de televisão e os jornais «mainstream» propagandeiam, de forma repetitiva, que não existe conexão entre, por um lado, a vaga migratória que vem assolando a Europa nos anos mais recentes, e, por outro, o aumento da criminalidade mais grave que se vem verificando e o consequente aumento da insegurança.

Neste registo, ouvi, há tempos, o jornalista Ricardo Costa proclamar, na SIC, que, «neste momento, em Portugal, não há uma relação entre imigração e insegurança».

Admito que não haja, na mesmíssima medida em que admito que haja. Contudo, seria bom que ele fundamentasse. Onde se baseou Ricardo Costa para fazer uma afirmação tão peremptória?

Se Ricardo Costa possuir dados concretos que demonstrem que não existe a conexão que acima referi, deve divulgá-los, tanto mais que, sendo jornalista, a sua missão é informar o público.

Se, ao invés, Ricardo Costa apenas se baseou na ausência de dados que revelem a existência da mesma conexão, estaremos perante uma afirmação sem fundamento e, mais que isso, enganosa. A inexistência de dados sobre determinada realidade nada demonstra: nem que essa realidade existe, nem que ela não existe. Do ponto de vista informativo, é neutra.

2025-03-27

Imigração e criminalidade – A importância da recolha e tratamento de dados


Conhecer a criminalidade impõe a recolha e o tratamento sistemático de dados. Entenda-se, de todos os dados relevantes para esse conhecimento. Desde logo, os dados relativos aos autores de crimes, nomeadamente a nacionalidade, a origem e a pertença a determinado grupo social. Sem isso, não será possível conhecer factos essenciais para compreender a criminalidade a actuar sobre ela. Recolher e tratar dados dessa natureza não é racismo, xenofobia ou algo parecido. É apenas querer saber, para melhor actuar. Tratando-se do Estado, é um dever. O Estado não pode ficar refém da «agenda woke» ou da sua antecessora «correcção política». O Estado tem de fazer o que for necessário para cumprir as suas funções essenciais, entre as quais avulta a de combater a criminalidade e manter a segurança nas ruas.

Existe, naturalmente, o perigo de utilização dos dados recolhidos e das conclusões que o seu tratamento proporciona para fins políticos. Desconheço se é possível estabelecer uma relação entre imigração e criminalidade, mas antevejo que, em qualquer hipótese, nenhum dos lados desperdiçaria a oportunidade para utilizar, contra o outro, tudo o que pudesse reforçar o seu argumentário. O que, aliás, é normal em democracia. Garantido que esteja o contraditório, não vejo que daí resultasse mal relevante.

Aquilo que não pode fazer-se, porque atenta contra o interesse público e constitui uma violação, pelo Estado, das suas obrigações para com os cidadãos, é deixar de recolher e de tratar dados relevantes sobre a criminalidade com a finalidade de evitar a sua utilização no debate político.

2025-03-25

Sentimentos


Foi hoje publicada, no Diário da República, a Resolução da Assembleia da República n.º 95/2025, que «Recomenda ao Governo a realização de um estudo sobre o sentimento de insegurança e vitimação».

Entretanto, foi ontem notícia que o Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) relativo ao ano de 2024, ainda não publicado, revela um aumento significativo da criminalidade violenta (nomeadamente de violações e assaltos a bancos e a habitações) e da delinquência juvenil.

Talvez a leitura do RASI de 2024 constituísse um bom ponto de partida para o agora recomendado estudo sobre o «sentimento de insegurança». Às tantas, a população sente-se insegura porque (imagine-se!) tem razões objectivas para assim se sentir. Por muito que isso seja difícil de admitir pelos que nos trouxeram até ao ponto em que nos encontramos.

2025-02-15

No room for firewalls


Ontem, na Conferência de Segurança de Munique, o Vice-Presidente dos EUA, J. D. Vance, proferiu um discurso memorável. Foi o discurso certo, no local certo, dirigido aos alvos certos.

Começou por salientar que a maior ameaça à segurança da Europa não vem da Rússia, da China, ou de outro actor externo, mas de dentro de si própria, e traduz-se no retrocesso dos valores democráticos que nela se verifica.

Desenvolvendo esta ideia, J. D. Vance recordou, às elites políticas europeias, coisas elementares sobre o que é a democracia.

A saber:

Sem liberdade de expressão, não há democracia.  

Sem liberdade de imprensa, não há democracia.

Democracia não é compatível com a perseguição de cidadãos por delitos de opinião.

Democracia não é compatível com o cancelamento de eleições quando o resultado destas não agrada ao poder político instalado, como aconteceu recentemente na Roménia e um antigo comissário europeu ameaçou que poderá acontecer na Alemanha dentro de uma semana.

As elites políticas europeias não podem divorciar-se dos povos europeus, nem ter medo deles.

Não tem legitimidade democrática quem censura a opinião política divergente e põe os seus opositores na prisão, sejam estes o líder de outro partido, um cidadão que expressa a sua opinião ou um jornalista que pretende fazer o seu trabalho.

Democracia não é compatível com o cancelamento de partidos políticos, ou com «cordões sanitários» em torno de partidos políticos que recebem votos tão legítimos quanto os dos restantes.

A imigração em massa de pessoas não europeias, fomentada pelas elites políticas europeias sem legitimação popular, constitui uma ameaça aos povos da Europa.

Enfim, uma enorme pedrada no charco, a que deu gosto assistir.

A comunicação social sistémica diz que J. D. Vance veio à Europa para a atacar. Nada disso. Aquilo que senti foi um abraço de J. D. Vance aos povos europeus. O que deixou as elites políticas europeias furiosas.


2025-02-01

Imigração e criminalidade – Quem tem medo da verdade?


A razão do enorme incómodo que o tema da possibilidade de estabelecimento de uma relação entre a vaga de imigração que actualmente se verifica em vários países da Europa ocidental e o aumento da criminalidade provoca a algumas pessoas é, evidentemente, o seu melindre político. Se se concluísse que aquela relação existe, seria questionada, com argumentos acrescidos, a política que tem sido seguida em Portugal em matéria de imigração nos últimos anos. Na hipótese contrária, ruiria parte importante do argumentário de quem critica tal política, pugnando por uma outra, mais restritiva. Não há como fugir a isto.

Não obstante, o elefante permanece no meio da sala. Também não há como continuar a fazer de conta que ele lá não está.

O tema tem, pois, de ser abordado, mas no plano próprio: o da análise objectiva da realidade criminal actual em Portugal. Esta emergência convoca todos aqueles que possam dar um contributo válido para a discussão. Sem preconceitos, seja em que sentido for. Só pode adquirir conhecimento quem a tanto se dispõe. Para tanto, não pode iniciar o percurso com preconceitos. O pré-entendimento que cada um tenha terá de ceder perante factos que não o corroborem. E a disponibilidade para aceitar seja que conclusão for tem de ser total. Sem isto, não é possível um debate sério sobre o tema.

Quantos estariam dispostos a fazê-lo? A entrar no jogo de forma séria, predispondo-se a aceitar o resultado, qualquer que ele seja? Era isso que eu gostaria de saber.

Na arena política, aquilo que vejo, de um e outro lado, é gente entrincheirada e de armas apontadas ao inimigo. À mínima oportunidade, disparam. Afinal, dificilmente poderia ser de outra maneira. A política é o que é. Não é, seguramente, a sede própria para o debate que se impõe.

A academia seria, em princípio, o palco privilegiado para se investigar esta temática e debater desapaixonadamente os resultados dessa investigação. É também para isso que existem universidades. Mais, é essencialmente isso que distingue uma verdadeira universidade de uma simples escola. 

Interrogo-me, porém, sobre se a academia se encontra, hoje, em condições de o fazer. Concretamente, se o acolhimento de um estudo que concluísse que a vaga de imigração que, nos anos mais recentes, se abateu sobre Portugal, vem determinando um aumento da criminalidade, seria idêntico ao de um outro que chegasse à conclusão oposta. Duvido muito. Duvido mesmo muito.


2025-01-26

Valores de Portugal? Cultura de Portugal? Não sei o que é, nunca ouvi falar…


Ana Catarina Mendes, deputada do Partido Socialista no Parlamento Europeu, em entrevista à SIC-Notícias no dia 24.01.2025:

«Eu não sei o que é isto dos valores nacionais, dos valores de Portugal, da cultura de Portugal.

Eu sei o que é o artigo 15.º da Constituição da República Portuguesa, que diz que os cidadãos estrangeiros têm os mesmos direitos e os mesmos deveres.

Eu sei o que é o respeito pelos direitos humanos, em que todos nós devemos ter.

Eu sei o que é o respeito por um Estado de Direito, onde a lei se aplica e é igual para todos, sejam nacionais, sejam estrangeiros.

Portanto, essa ideia de aculturação é uma ideia perigosa da direita.»

Não podia deixar de guardar esta pérola no Meu Monte, para memória futura.


2025-01-20

A «Reforma Penal Casa Pia» segundo o Director Nacional da Polícia Judiciária


Uma parte interessante desta intervenção do Director Nacional da Polícia Judiciária foi omitida pelos jornais. Transcrevo-a:

«Eu apanhei, como director, no início da minha carreira como dirigente, o «Código de Processo Penal Pós Casa Pia», 15 de Setembro de 2007, em que se levou à libertação de muita gente, e que, a partir daí, 2008, 2009, foram anos de grande actividade criminosa violenta.

Eu vou apenas dizer aqui os números, desde 2005:

2005: 15.000 crimes. 2006: 13.000-14.000. 2010: 24.500 crimes violentos. 2011: 24.000. Depois, começou a baixar, até que andamos agora na ordem dos 12, 13, 14.000.»

Como director de uma polícia, Luís Neves sabe bem do que fala. Escrevi, em devido tempo, acerca dos mais que previsíveis efeitos negativos da malfadada «Reforma Penal de 2007», também conhecida, por razões óbvias, por «Reforma Penal Casa Pia», (link 1, link 2, link 3, link 4, link 5). Não me enganei nessas previsões.


2025-01-18

A intervenção do Director Nacional da Polícia Judiciária


A intervenção do Director Nacional da Polícia Judiciária, Luís Neves, numa conferência ontem realizada, vem merecendo enorme destaque em todos os canais de televisão e jornais nacionais.

Transcrevo a notícia da LUSA:

O diretor nacional da Polícia Judiciária (PJ), Luís Neves, afirmou esta sexta-feira que o sentimento de insegurança é gerado pelo aumento da desinformação e ameaças híbridas, salientando que os números de criminalidade violenta desmentem essa ideia.

Falando em Lisboa na conferência sobre os 160 anos do Diário de Notícias, subordinado ao tema "O Portugal que temos e o que queremos ter", Luís Neves criticou a imagem de que o país está numa situação "sem rei e sem roque" no que à segurança diz respeito, contestando a "polarização da discussão" em torno do tema, arrancando aplausos da plateia.

"Estamos a assistir a um momento de desinformação, 'fake news' e ameaças híbridas e é isso tudo que leva a fundamentar a perceção de insegurança", afirmou o dirigente, colocando também a responsabilidade nos media por esse sentimento.

"Temos hoje vários canais de televisão que passam uma e outra vez aquilo que é notícia de um crime", explicou, reconhecendo que isso vem "criar uma ideia de insegurança que não tem a ver com a insegurança plena do crime" existente do ponto de vista estatístico.

Luís Neves lembrou os "ataques aos ATM com explosivos" ou o "programa posto de abastecimento seguro", criado por causa dos assaltos existentes.

"Alguém se recorda dos anos 80 e 90 do consumo de heroína em que não havia família que não tivesse um familiar que tivesse sofrido?" Ou "Arroios e Intendente em que não se poderia lá entrar?" -- questionou o diretor da PJ, acrescentando ainda: "Querem comparar esses períodos com o período que hoje em que vivemos e dizer que hoje é que é mau?"

Luís Neves recordou números de 2009, quando se verificaram 888 ataques a carinhas de segurança e transportes de valores, bancos ou postos de combustíveis.

"Hoje não temos 4% desses ataques", disse.

Hoje, o motivo para a detenção - cumprimento de pena ou prisão preventiva - tem como crime mais comum o furto simples e qualificado, seguido da violência doméstica, explicou o dirigente da PJ, que também recusou a ideia de que os estrangeiros sejam responsáveis por níveis relevantes de criminalidade.

"Em 2009 tínhamos 631 estrangeiros" num universo de 400 mil imigrantes e no ano passado, perante mais de um milhão de estrangeiros residentes em Portugal, o "rácio de detidos é o segundo mais baixo" desde que há este tipo de contabilidade, explicou.

Sobre os estrangeiros e a criminalidade, Luís Neves distinguiu os casos que estão relacionados com "organizações criminosas transnacionais, cibercrime ou estupefacientes", bem como "criminalidade contra o património" que tem conexões internacionais.

"Não são imigrantes" os envolvidos nesses casos, explicou, salientando ainda que Portugal é porta de entrada da UE para quem vem da América Latina e África e as prisões portugueses refletem a presença de "mulas" de transporte de droga que, normalmente, "são pessoas pobres".

"Prendemos por ano [este tipo de casos] às dezenas e às vezes às centenas", explicou.

Olhando para os detidos em Portugal, Luís Neves salientou que, excluindo os oriundos de países europeus, africanos e latino-americanos – que estão relacionados com crimes que nada têm a ver com imigrantes –, os valores são muito baixos.

Nas prisões portuguesas há 120 pessoas de países asiáticos num universo de mais de 10 mil reclusos, explicou.

"Qualquer número de crime é um número preocupante e é um número que nos faz a todos pensar quais são os melhores modelos para mitigarmos" a criminalidade, em particular a criminalidade violenta, salientou ainda.

Confrontado por jornalistas, o diretor da PJ admitiu que é necessário controlar quem está cá: "os Estados de receção dos imigrantes têm o direito e, mais do que o direito, têm a obrigação de saber quem cá está, porque sabendo-se quem cá está, as políticas públicas de integração e todas as outras que são instrumentais ou adjacentes a essa integração ficam beneficiadas", bem como o "próprio imigrante".

Este tipo de pessoas "muitas vezes é vítima das garras dos traficantes de pessoas, dos tráficos de seres humanos, das organizações criminosas e da imigração ilegal", afirmou.

E com informação atualizada, essas redes "deixam de ter área para explorar estas pessoas", acrescentou.

O Director Nacional da Polícia Judiciária não é uma pessoa qualquer. Pela natureza da sua função, é uma das pessoas com acesso a mais e melhor informação acerca da criminalidade em Portugal. Certamente por isso, as suas declarações estão a ser divulgadas, não como mera opinião, mas como fonte da verdade sobre aquele tema e prova de que, quem afirma que Portugal enfrenta sérios problemas em matéria de criminalidade, ou tenta estabelecer alguma conexão entre esta e a actual vaga de imigração, está errado. Parece que nem sequer vale a pena voltar a falar de qualquer destes assuntos: a verdade foi dita e nada mais há a fazer que aceitá-la.

Não é assim. Algumas das afirmações atribuídas pela comunicação social ao Director Nacional da Polícia Judiciária são, no mínimo, discutíveis. Servirão de mote para algumas notas que aqui irei inserindo, à medida que, para tanto, tenha oportunidade. Hoje, fica apenas o registo do acontecimento.


Imigração e criminalidade


Para combater a criminalidade, nas suas múltiplas vertentes, todos os dados a ela referentes são preciosos, sem excepção. Não se pode combater aquilo que não se conhece. Quanto maior for esse conhecimento, mais eficaz poderá ser a acção. É assim com a criminalidade, como o é com a restante realidade. A ignorância nunca trouxe benefícios.

A este propósito, aqui lamentei, em 2007, 2008, 2011 e 2012 (link 1, link 2, link 3, link 4, link 5), a escassez de estudos sobre criminalidade em Portugal. Tal escassez persiste. E, o pouco que há, não tem a divulgação que merece, atenta a importância do tema.

Porém, não nos limitámos a não melhorar naquilo em que já estávamos mal. Num aspecto, piorámos deliberadamente ao longo dos últimos anos. Passámos do «não sei» para o «não sei, nem quero saber». Alguns, vão mesmo mais longe: não sabem, não querem saber, terão eventualmente raiva a quem sabe e, seguramente, têm muita raiva a quem quer saber.

Tenho, obviamente, em vista um dos «temas proibidos» pelos novos «polícias da palavra», herdeiros não assumidos dos cavalheiros do lápis azul do tempo do Estado Novo: se é possível estabelecer uma relação entre as vagas de imigração que têm assolado vários países da Europa ocidental nos anos mais recentes, nomeadamente Portugal, e a criminalidade.

Trata-se de uma temática importantíssima, que não pode ser varrida para debaixo do tapete, seja procurando silenciar quem a pretenda conhecer desatando imediatamente a chamar-lhe «xenófobo», «racista», «fascista», «extremista» e outros «projécteis verbais» que essa gente tem sempre na ponta da língua, pronta para disparar sobre quem com ela não faça coro, seja tentando «arrumar» sumariamente a questão com fundamentação tão «ao lado» que devia envergonhar quem a ela recorre. A questão coloca-se inexoravelmente. Não é possível continuar a ignorar o elefante no meio da sala.


2025-01-15

Azares


Há cerca de 15 dias, durante um debate que decorria na CNN Portugal, no preciso momento em que garantia, de forma enfática e repetitiva, que Portugal é um país sem problemas de segurança, Fabian Figueiredo, líder parlamentar do Bloco de Esquerda, foi interrompido pela moderadora, para um «CNN Alerta». Tinha acabado de ocorrer este tiroteio.

Azar dos Távoras, pensei eu. Do ponto de vista de Fabian Figueiredo, foi a notícia mais inconveniente possível no momento mais inoportuno possível. Pior, não podia ser. Deve ter sido doloroso para quem acompanha a narrativa de que Portugal é um país sem problemas de criminalidade e foi, seguramente, cómico para quem, como eu, considera tal narrativa ridícula.

No domingo passado, novo azar.

Na véspera, realizara-se, em Lisboa, uma manifestação rotulada como sendo «contra o racismo e a xenofobia», mas que, na realidade, foi contra a «operação especial de prevenção criminal» realizada pela PSP na Rua do Benformoso no dia 19.12.2024 (link). Muito se gritou contra esta operação, contra a ideia de que existam particulares problemas de criminalidade nessa zona que a justifiquem, contra os métodos utilizados pela PSP, considerados como desproporcionais. E lá veio a recorrente acusação de que a actuação da PSP foi racista e xenófoba, por ter visado, especificamente e sem qualquer justificação, uma comunidade imigrante.

Menos de 24 horas depois dessa manifestação, na mesmíssima Rua do Benformoso, ocorreu um confronto entre dois grupos de imigrantes de origem asiática, no decurso do qual foram usadas armas brancas e barras de ferro. Sete feridos. Um desses imigrantes foi esfaqueado nas costas, outro nas pernas. Houve ainda dentes partidos e cortes na cabeça. Por aquilo que se vê em imagens divulgadas na internet, foi um pandemónio.

A alegadamente racista e xenófoba PSP interveio na sequência de pedido de socorro de alguns dos agredidos, tendo-se deslocado, em peso, para aquela rua, com vista a manter a segurança de pessoas e bens.

Mais uma dolorosa coincidência, aparentemente. Azar dos azares, nem 24 horas tinham decorrido sobre uma manifestação tão bonita, tão progressista, tão paz e amor, tão cravos vermelhos, as supostas vítimas da racista e xenófoba repressão policial engalfinharam-se em agressões mútuas, ao ponto de haver feridos graves, assim corroborando a necessidade e a proporcionalidade desta operação. Foi obra do diabo, só pode!

Só que não. Na realidade, estamos perante um aumento exponencial, nos últimos tempos, da probabilidade de cenas como as de Viseu ou da Rua do Benformoso ocorrerem. Aquilo que, há 20 ou 30 anos atrás, ocorria esporadicamente, ocorre hoje constantemente. Difícil é haver um dia sem uma ou mais ocorrências dessa natureza. Na zona do Martim Moniz, têm sido às dezenas nos últimos meses.

Pelo que coincidências como as duas que apontei não são mero fruto do azar. Tornaram-se, sim, muito mais prováveis. Demasiadamente prováveis. Portugal enfrenta, efectivamente, seríssimos problemas em matéria de criminalidade. A persistência da narrativa negacionista apenas adiará o início da resolução do problema e torná-la-á mais dolorosa. Tal narrativa será, com cada vez maior frequência, atropelada pela realidade. Foi o que aconteceu a Fabian Figueiredo e aos manifestantes do passado domingo.


2025-01-09

Espécies protegidas e espécies a abater


Um dos aspectos em que a auto-censura jornalística foi «incentivada» pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 63-A/2007 é, como aqui vimos, a nacionalidade dos suspeitos da prática de crimes.

Não se percebe porquê, sabido, como é, que, pelo que vou ouvindo a quem considera que o caos migratório que se vem verificando em Portugal nos anos mais recentes é benéfico para os portugueses, está demonstrado, por todos os estudos feitos sobre migrações por esse mundo fora, que a imigração, mais que não provocar um aumento da criminalidade nas áreas receptoras, até a diminui, devido ao desejo dos imigrantes de se integrarem o melhor e mais rapidamente possível. Se isto for realmente assim, qual é a razão do medo de ver divulgada a nacionalidade daqueles suspeitos?

Seja como for, certo é que canais de televisão e jornais acataram o «incentivo» à auto-censura feito pela referida Resolução do Conselho de Ministros n.º 63-A/2007 e reforçado por actos mais discretamente praticados pelo poder político desde então. Paulatinamente, as notícias foram deixando de mencionar a nacionalidade dos suspeitos da prática de crimes.

Porém, com excepções.

Quando o suspeito tem nacionalidade portuguesa e a natureza ou as circunstâncias do crime possam, ainda que remotamente, sugerir que essa nacionalidade seja estrangeira, muitos jornalistas apressam-se a mencionar que o suspeito é português, sem mais. O que leva boa parte do público a deduzir que, quando isso não acontece, o suspeito é estrangeiro.

Por outro lado, a nova censura parece não abranger algumas nacionalidades estrangeiras. Quando o estrangeiro não pertence a uma das «espécies protegidas», é seguro que a sua nacionalidade será mencionada e, mesmo, realçada nas notícias.

Tivemos um exemplo disto no Verão passado:

- «Ex-militar espanhol tenta violar jovens em Portalegre. Vítimas foram atingidas a tiro durante fuga» (Correio da Manhã de 07.08.2024);

- «Os contornos (macabros) do crime em Castelo de Vide: jovens amarradas e baleadas por espanhol» (SIC Notícias, 07.08.2024);

- «Espanhol que tentou violar e matar duas jovens em Castelo de Vide fica em prisão preventiva» (CNN, 08.08.2024);

- «Espanhol preso por ataque em Castelo de Vide tem cadastro por duplo homicídio e violação» (Jornal de Notícias de 09.08.2024);

«Ex-militar espanhol que sequestrou duas jovens em Castelo de Vide fica em prisão preventiva» (Diário de Notícias de 09.08.2024).

Mais comedido, o Observador de 07.08.2024 não realçava a nacionalidade do suspeito no título da notícia, limitando-se a mencioná-la no corpo desta:

- «Castelo de Vide: suspeito de tentar matar e violar jovens fica em prisão preventiva.

O homem de nacionalidade espanhola suspeito da autoria dos disparos de caçadeira contra duas jovens, junto a uma barragem em Castelo de Vide, vai ficar a aguardar julgamento em prisão preventiva.»

Perante isto, não há dúvida de que, para muito do jornalismo que actualmente se faz em Portugal, há, em matéria de nacionalidade dos suspeitos da prática de crimes, «espécies protegidas» e «espécies a abater». Os pobres dos espanhóis fazem parte das segundas. Se as notícias a que correspondem os títulos acima transcritos induzirem comportamentos xenófobos, azar o deles.


2025-01-06

Separar as águas


Eu sabia que a conversa mole da «ressocialização em vez de prisão», que aqui referi, havia de voltar um dia destes. Desta vez, foi pela boca do bispo de Setúbal, Américo Aguiar. Propõe este clérigo que a Assembleia da República aprove uma amnistia e/ou um perdão de penas durante o ano de 2025, para assinalar o jubileu da Igreja Católica. Com esse propósito, tem-se desdobrado em entrevistas a órgãos de comunicação social.

Em sede de argumentação, lá veio a invocação dos «percursos de reinserção na comunidade, aos quais corresponda um compromisso concreto de cumprir as leis», por contraposição à pura e simples execução das penas de prisão em que os reclusos foram condenados pela prática dos crimes que cometeram, certamente graves, pois, os que o não são, muito dificilmente levam os seus autores à prisão.

Perante os seríssimos problemas que Portugal enfrenta em matéria de criminalidade e a justíssima exigência de maior segurança por parte da generalidade da população, a última coisa de que precisamos é de mais uma amnistia e/ou perdão de penas. Para mais, quando nem um ano e meio passou desde a mais recente amnistia e perdão de penas, decretada por ocasião das Jornadas Mundiais da Juventude (Lei n.º 38-A/2023, de 02.08).

Em vez desta recorrente compaixão pelos autores de crimes graves que cumprem as suas penas, um pouco de empatia em relação às suas vítimas e de preocupação em relação às suas potenciais vítimas futuras ficariam muito bem a Américo Aguiar e a quem o acompanha nesta iniciativa. Comemorem o que tiverem de comemorar no plano eclesiástico, mas deixem a segurança pública e a justiça em paz.


2025-01-02

Negacionismos (2)


A polémica gerada pela recente «operação especial de prevenção criminal» realizada na zona do Largo de Martim Moniz vai de vento em popa.

De um lado, estão aqueles que consideram que Portugal está com problemas muito sérios em matéria de criminalidade e, coerentemente, afirmam que a operação realizada no Martim Moniz tem inteira justificação e que operações dessa natureza devem realizar-se com regularidade.

Do lado oposto, estão aqueles que consideram que Portugal é um país seguro, sem problemas em matéria de criminalidade, e que, também coerentemente, afirmam que operações como aquela que foi realizada no Martim Moniz carecem de justificação. Afirmam também que a operação realizada no Martim Moniz visou causar danos a determinada comunidade de imigrantes, mas trata-se de uma acusação tão ridícula, que a deixarei fora da equação.

No meio, estão aqueles que, considerando embora que Portugal é um país seguro em matéria de criminalidade, sustentam a necessidade da realização regular de operações policiais daquela natureza. A coerência deste posicionamento não é tão patente quanto a daqueles que acima foram descritos, mas não é difícil de fundamentar: estamos bem em matéria de criminalidade, mas, para assim continuarmos, devemos tomar medidas preventivas, sendo uma delas a realização de operações semelhantes àquela que teve lugar no Martim Moniz.

Para mim, é evidente que a razão está do lado dos primeiros. Portugal enfrenta problemas muito sérios em matéria de criminalidade, com tendência para piorarem muito rapidamente, nomeadamente com o surgimento, cada vez mais frequente, de situações de pontual descontrolo. Os motins ocorridos no passado mês de Outubro constituíram o mais recente alerta de que Portugal e, em particular, a sua capital, vivem sobre um verdadeiro barril de pólvora, pronto para explodir assim que surja uma fonte de ignição, como foi o caso da morte de Odair Moniz. Fazer de conta que está tudo bem em matéria de criminalidade constitui, por isso, um fenómeno de negacionismo, como aqui afirmei.

Curiosa é, no meio desta polémica, a acesa confrontação entre negacionistas. Todos jurando, a pés juntos, que Portugal é um dos países mais seguros do mundo em matéria de criminalidade, mas preconizando políticas diametralmente opostas. Como pano de fundo, uma realidade que diariamente desmente todos eles, como foi o caso do tiroteio há dias ocorrido em Viseu.


Relatório sobre o sistema prisional e tutelar


Artigo 299.º da Lei n.º 45-A/2024, de 31.12 (Orçamento do Estado para 2025):

(Actualização do relatório sobre o sistema prisional e tutelar)

1 - Até ao final do primeiro trimestre de 2025, o Governo actualiza o relatório sobre o sistema prisional e tutelar «Olhar para o futuro para guiar a acção presente — Uma estratégia plurianual de requalificação e modernização do sistema de execução de penas e medidas tutelares educativas», e faz um balanço da sua execução.

2 — O relatório referido no número anterior deve ser apresentado publicamente até ao final de Abril de 2025.