Um grupo de 50 cidadãos subscreveu um manifesto com a sua visão sobre o estado do nosso sistema de justiça, finalizando-o com algumas ideias, demasiadamente genéricas para poderem ser consideradas propostas, apelando à «resolução dos estrangulamentos e das disfunções que desde há muito minam a sua eficácia e a sua legitimação pública».
Os temas que o manifesto
considera que merecem preocupação e justificam o «sobressalto cívico» que o mesmo encerra são os seguintes:
- Morosidade processual;
- Quebra do segredo de justiça;
- Mediatização de intervenções do
Ministério Público contra agentes políticos;
- Colocação cirúrgica de notícias sobre
investigações em curso;
- Graves abusos, em sede de investigação criminal,
na utilização de medidas fortemente restritivas dos direitos, liberdades e
garantias dos cidadãos, nomeadamente:
- Proliferação de escutas telefónicas
prolongadas;
- Buscas domiciliárias injustificadas;
- «Detenções
preventivas» precipitadas e de duvidosa legalidade.
Salta à vista que, com
excepção da genérica questão da morosidade processual, esta distinta lista de
temas pouco tem a ver com as preocupações do cidadão comum em relação à
criminalidade e ao sistema de justiça, mormente da justiça penal. Tem, sim,
tudo a ver com factos ocorridos com alguns dos subscritores do manifesto e/ou
pessoas que lhes são próximas.
O que, diga-se, nada tem de
mal. É natural que cada um se queixe daquilo que o incomoda, ou que incomoda os seus. Porém,
quem se queixa de dores próprias, ou de outrem porque lhe é próximo, deve
assumi-lo, em vez de se arvorar em representante ou porta-voz do «Povo» (mencionado, em letra maiúscula,
logo no 2.º parágrafo) ou da «sociedade
portuguesa» (invocada no ponto 7). O manifesto pouco ou nada tem a ver com
o povo, seguramente mais preocupado com temáticas criminais menos sofisticadas,
como a de saber se, quando sai de casa, será assaltado ou, quando a ela
regressar, a verá assaltada. Ou se os seus filhos serão agredidos ou assaltados
na escola ou no caminho entre esta e a sua casa. Ou se o automóvel que anda a
pagar em dolorosas prestações é furtado ou vandalizado.
Não surpreende, assim, a omissão de referência, no manifesto, à insegurança nas ruas e nos transportes públicos, ou à necessidade de um mais intenso e eficaz combate à criminalidade, cada vez mais violenta e organizada. Enfim, aos problemas relacionados com a criminalidade que, estou certo, são os que preocupam a generalidade da população residente no nosso país, em particular aquela que habita e/ou trabalha em zonas menos selectas.