2024-09-11

A execução de penas segundo Carlos Rato

 

Um efeito colateral da fuga de Vale de Judeus tem sido a passagem, pelos canais de televisão, de pessoas que, mal abrem a boca, revelam a sua ignorância sobre aquilo de que falam. Por vezes, uma arrogante ignorância.

Foi o caso de Carlos Rato, Director da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso, em entrevista à SIC.

Transcrevo um curto excerto:

«Nas prisões, um dos grandes problemas que existem são os juízes de execução de penas. Temos aqui um problema gravíssimo. Temos na execução de penas pessoas que estão lá porque ficaram no final da classificação, são os últimos da lista de juízes. Quem não consegue entrar para mais lado nenhum, vai para juiz de execução de penas. Quando as pessoas que são juízes de execução de penas não estão preparadas ou vocacionadas para fazer isso, claro que depois temos as penas maiores da Europa em execução. Temos as cadeias cheias de gente que não tem carta de condução.»

É notável conseguir-se errar tanto com tão poucas palavras.

1.º - É rotundamente falso que os juízes de execução de penas o sejam por se encontrarem no final da «lista de juízes» (Carlos Rato tem certamente em vista a lista de antiguidade dos magistrados judiciais, que pode ser consultada no site do Conselho Superior da Magistratura). Numa rápida consulta à lista mais recente, respeitante ao ano de 2023, contei 4 juízes de execução de penas entre os 100 primeiros juízes de direito, nomeadamente a minha colega que, segundo tem sido noticiado, proferiu a decisão que terá determinado a transferência de um dos fugitivos do Estabelecimento Prisional de Monsanto para o de Vale de Judeus. Já entre os 100 juízes de direito constantes do final daquela lista, não vi qualquer juiz de execução de penas. Resta esclarecer que constam da lista 1398 juízes de direito.

2.º - Não são os juízes de execução de penas que condenam os reclusos nas penas que estes cumprem. Os juízes de execução de penas limitam-se a proferir decisões respeitantes à fase de execução das penas de prisão em que outros juízes, colocados noutros tribunais, condenaram os reclusos. Nada têm a ver com a natureza e a medida das penas em que os reclusos foram condenados, nomeadamente com a duração das penas de prisão.

Portanto, Carlos Rato errou em toda a linha. Nem os juízes de execução de penas são «os últimos da lista», nem, ainda que o fossem, isso poderia ter qualquer influência na duração das penas que os reclusos cumprem. Ou seja, tratou-se de mais um episódio de poluição jurídica.

Sobre a alegação de que «temos as penas maiores da Europa em execução» e de que «temos as cadeias cheias de gente que não tem carta de condução», que também ouvi, por estes dias, a Vítor Ilharco, secretário-geral da APAR, escreverei um dia destes.