Um efeito colateral da fuga
de Vale de Judeus tem sido a passagem, pelos canais de televisão, de pessoas
que, mal abrem a boca, revelam a sua ignorância sobre aquilo de que falam. Por
vezes, uma arrogante ignorância.
Foi o caso de Carlos Rato,
Director da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso, em entrevista à
SIC.
Transcrevo um curto excerto:
«Nas
prisões, um dos grandes problemas que existem são os juízes de execução de
penas. Temos aqui um problema gravíssimo. Temos na execução de penas pessoas
que estão lá porque ficaram no final da classificação, são os últimos da lista
de juízes. Quem não consegue entrar para mais lado nenhum, vai para juiz de
execução de penas. Quando as pessoas que são juízes de execução de penas não
estão preparadas ou vocacionadas para fazer isso, claro que depois temos as
penas maiores da Europa em execução. Temos as cadeias cheias de gente que não
tem carta de condução.»
É notável conseguir-se errar
tanto com tão poucas palavras.
1.º - É rotundamente falso
que os juízes de execução de penas o sejam por se encontrarem no final da «lista de juízes» (Carlos Rato tem
certamente em vista a lista de antiguidade dos magistrados judiciais, que pode
ser consultada no site do Conselho Superior da Magistratura). Numa rápida
consulta à lista mais recente, respeitante ao ano de 2023, contei 4 juízes de
execução de penas entre os 100 primeiros juízes de direito, nomeadamente a
minha colega que, segundo tem sido noticiado, proferiu a decisão que terá determinado
a transferência de um dos fugitivos do Estabelecimento Prisional de Monsanto
para o de Vale de Judeus. Já entre os 100 juízes de direito constantes do final
daquela lista, não vi qualquer juiz de execução de penas. Resta esclarecer que
constam da lista 1398 juízes de direito.
2.º - Não são os juízes de
execução de penas que condenam os reclusos nas penas que estes cumprem. Os
juízes de execução de penas limitam-se a proferir decisões respeitantes à fase
de execução das penas de prisão em que outros juízes, colocados noutros
tribunais, condenaram os reclusos. Nada têm a ver com a natureza e a medida das
penas em que os reclusos foram condenados, nomeadamente com a duração das penas
de prisão.
Portanto, Carlos Rato errou em
toda a linha. Nem os juízes de execução de penas são «os últimos da lista», nem, ainda que o fossem, isso poderia ter
qualquer influência na duração das penas que os reclusos cumprem. Ou seja,
tratou-se de mais um episódio de poluição jurídica.
Sobre a alegação de que «temos as penas maiores da Europa em
execução» e de que «temos as cadeias
cheias de gente que não tem carta de condução», que também ouvi, por estes
dias, a Vítor Ilharco, secretário-geral
da APAR, escreverei um dia destes.