2011-06-26

O Direito através dos jornais

 
Afirmei na mensagem anterior que, hoje, também o cidadão comum se interessa pelo Direito e as decisões que, em nome deste, são tomadas. Por isso, o Direito passou a ser notícia frequente em meios de comunicação generalistas, saindo assim do seu habitat natural – livros, revistas jurídicas e, mais recentemente, sites jurídicos. Arrancado aos salões de acesso reservado a iniciados, o Direito foi lançado para o meio da arena mediática, aí ficando à mercê de gente pouco escrupulosa ou, simplesmente, inábil, que tantas vezes o maltrata.
Os inconvenientes desta deslocação do debate sobre o Direito para um meio que não é o seu são diversos.
Um deles é o de aquele debate passar a fazer-se com a mediação do jornalista, normalmente sem formação jurídica suficiente para compreender as questões em discussão e, por outro lado, sujeito às exigências próprias da sua própria profissão, como a limitação do número de caracteres do artigo ou a preocupação em seleccionar, não propriamente aquilo que interessa, mas a frase que fique no ouvido do público.
O resultado é aquele que se conhece: transcrição incorrecta de opiniões expressas, transcrição de frases retiradas do contexto, uso de terminologia incorrecta que adultera a mensagem, etc., etc..
Assim fica o debate inquinado. Passa a fazer-se, não em função daquilo que na realidade foi dito, mas daquilo que o jornalista percebeu e escreveu.
É este o risco de se debater o Direito com base em notícias de jornais. Àqueles cuja opinião é assim adulterada, só posso reiterar esta sugestão: Escrevam! Digam o que pensam no discurso directo. Não o fazendo, sujeitam-se a serem mal entendidos e injustamente criticados.

2011-06-19

Poluição jurídica


Longe vai o tempo em que o Direito quase só interessava a quem dele fazia profissão. Hoje, também o cidadão comum se interroga sobre o Direito e as decisões que em nome do Direito são tomadas.

Em si mesma positiva, esta evolução comporta riscos, como evidencia a realidade portuguesa dos últimos anos.

Um desses riscos é o de o debate sobre o Direito, que devia fazer-se dentro do Direito, passar a fazer-se à margem dele. Uma vez transposta essa fronteira, na realidade já não se debate o Direito, quando muito fala-se a propósito do Direito, muitas vezes grita-se a pretexto do Direito e com objectivos que passam completamente ao lado do Direito.

Esta degenerescência não tem consequências de maior quando ocorre ao nível daquilo a que dantes se chamava “conversa de taberna” e agora, com as tabernas em vias de extinção, injustamente se transpôs para a classe dos taxistas.

As coisas pioram quando subimos (subimos?) ao nível dos tudólogos que pululam nas televisões e nos jornais. Apesar de serem mais letrados que os antigos taberneiros e a maior parte dos taxistas, de Direito sabem normalmente o mesmo que qualquer destes últimos. Mas como, pelo menos os mais populares, têm lugar cativo nas televisões e falam com aquele ar de quem sabe de tudo e mais alguma coisa muito mais que todos os outros juntos, do Direito ao futebol e da Literatura a uma qualquer teoria da conspiração, acabam por convencer os mais desprevenidos. E as asneiras que dizem, nomeadamente sobre o Direito, acabam por ir fazendo o seu caminho.

Pior que tudo o resto é, porém, quando a conversa e, tantas vezes, a gritaria a propósito do Direito mas que passa à margem deste provém de gente “de dentro”, por vezes com cargos proeminentes no mundo da Justiça e a quem, por isso, é exigível contenção, honestidade intelectual, um especial respeito pelos outros e, genericamente, uma postura digna e responsável. E também, já agora, conhecimento do Direito, coisa que, mesmo neste universo mais restrito, vai faltando muito.

Este tipo de “poluição jurídica” vem alastrando, acompanhando aliás a tendência de queda da sociedade portuguesa a todos os níveis na última meia dúzia de anos. Para alguns, há que fazer barulho e lançar permanentemente a confusão, pois é no meio do barulho e da confusão que se sentem como peixe na água e vão alimentando as suas ambições pessoais.

Não são essas as águas que navego. Apesar de a tentação de reagir no mesmo tom a algumas enormidades que por aí se vão dizendo e escrevendo a propósito da Justiça e do Direito ser, por vezes, dificilmente reprimível, procuro abordar este último com respeito pelas regras a que deve obedecer um discurso que ainda pretende ser jurídico. Sem perder de vista a realidade a que o Direito se aplica, mas procurando manter-me dentro dos limites daquilo que é uma abordagem jurídica dos problemas. Só a este nível vale a pena intervir. A poluição não se combate com mais poluição.


2011-06-05

Escrevam!


Assisti na passada 6.ª Feira, em Évora, a uma acção de formação de juízes e magistrados do ministério público sobre crimes sexuais.

Foram abordados problemas com grande relevância prática, que interessam a todos aqueles que trabalham com o Direito Penal e o Direito Processual Penal.

Alguns desses problemas suscitaram, inclusivamente, debate entre a assistência e os oradores, tendo sido emitidas opiniões interessantes, mais não seja como base de reflexão.

Porém, terminada a acção de formação, foi cada um para seu lado e as palavras, essas, levou-as o vento. Aquilo que de bom ali surgiu, ali morreu pouco depois. Na melhor das hipóteses, as dezenas – larguíssimas, mas apesar de tudo dezenas – de participantes levámos algumas ideias connosco, que recordaremos quando os problemas nos aparecerem novamente pela frente nos tribunais.

É uma pena e uma perda. Apesar de o tempo de quem trabalha ser sempre pouco, seria bom que quem tem ideias com interesse as partilhasse com toda a comunidade jurídica, o que só é possível, obviamente, se as escrever. Seja em revistas jurídicas, seja no site do CEJ, seja lá onde for. Criem um site, um blog, o que seja, que os motores de busca orientarão quem estiver interessado em pesquisar os temas abordados até lá.

Mas escrevam!