2023-11-19

De volta ao Meu Monte

Tinha de acontecer. Era apenas uma questão de tempo. Mais de nove anos depois de aqui ter escrito pela última vez, regresso à blogosfera. A sobriedade deste formato faz dele o meu preferido. É bom estar de volta.

O registo será diferente. Quatro blogues dedicados ao Direito, onde publico acórdãos por mim relatados, devidamente anonimizados, como mandam as regras. Os que relatei até agora e os que relatarei no futuro. Seleccionados e etiquetados por quem os escreveu e, para isso, estudou as questões que se suscitavam nos respectivos processos. Não por terceiros. Faz toda a diferença.

Também procurarei ir publicando alguns despretensiosos apontamentos sobre questões jurídicas, sempre na perspectiva da aplicação do Direito ao caso concreto.

Esses blogs são os seguintes:

Direito Civil - link

Direito Processual Civil - link

Direito da Insolvência - link

Direito Comercial - link

Iniciei-os há cerca de um mês. Há mensagens com datas desde 2017. Manipulei o calendário dos blogs para facilitar a sua organização.

Pelo Meu Monte, passarei de vez em quando, como dantes fazia.


2014-04-02

Direito Contra-Ordenacional: Repensar e reformar, ou ir remendando à medida das broncas mediáticas que vão acontecendo?


ESTE ARTIGO põe o dedo na ferida, entenda-se, no problema central do estado a que chegou o Direito Contra-Ordenacional (DCO) português. É isto, sem tirar nem pôr.

Mas será que alguém se atreve a repensar e reformar o DCO de alto a baixo, eventualmente autonomizando uma nova categoria de infrações a meio caminho entre ele e o Direito Penal? No fundo, “purificando” o próprio DCO, reservando-o para as infrações mais simples, a que a sua vertente processual se mostra mais adequada? Ou, em alternativa, criando, no interior do regime geral e dos diversos regimes setoriais do DCO, formas processuais efetivamente diferenciadas e adequadas em função da natureza e gravidade das infrações?

Quando li ESTE PROGRAMA, ainda tive alguma esperança de que seria desta. Parece que me enganei. Por aquilo que se vai lendo e ouvindo, é mais provável que se siga o caminho habitual: remendar à medida de cada bronca que mereça cobertura mediática.     

2014-02-06

Por fim, um objectivo!


Ao fim de séculos a funcionarem aparentemente sem objectivo...

"Os Tribunais vão passar a ter objectivos para cumprir", afirmou hoje a Ministra da Justiça a propósito da malfadada reforma do sistema judiciário urdida pelo seu ministério.


2013-11-09

Reforma da Organização Judiciária: A caminho do abismo, rapidamente e em força!


Ando há vários dias a tentar arranjar paciência para escrever algumas linhas sobre o Anteprojecto de Decreto-Lei relativo ao “Regime de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais”, que o Ministério da Justiça divulgou para cumprimento da enfadonha (do seu ponto de vista), frustrante (do ponto de vista daqueles a quem, mais uma vez, é solicitado parecer que, como os anteriores, será certamente ignorado) e inútil (pois, objectivamente, não vai servir para nada) formalidade da audição das organizações representativas dos profissionais da área da Justiça.

Escrever sobre o Anteprojecto é tudo menos aliciante. É que a coisa não tem mesmo ponta por onde se lhe pegue. Após tantas versões, negociações, discursos, promessas e, sobretudo, tanto tempo desperdiçado, sai um Anteprojecto que é uma aberração de bradar aos céus, aliás na linha da lei que se destina a regulamentar, a Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, que o atabalhoado Anteprojecto identifica, logo na 1.ª linha do seu preâmbulo, como “Lei n.º 62/2013 de 26 agosto”. É, em síntese, um péssimo regulamento de uma péssima lei.

O erro de base do Anteprojecto é fácil de identificar: Insiste num quadro de juízes baseado em VRP (valores de referência processual) sem qualquer credibilidade, calculados de forma inacreditavelmente leviana e primária, como, entre outros, um parecer do Conselho Superior da Magistratura já demonstrou detalhadamente, parecer esse que quem elaborou o dito Anteprojecto pura e simplesmente ignorou, insistindo nos mesmíssimos erros que se verificam desde o primeiro “ensaio para reorganização da estrutura judiciária”, que em devido tempo critiquei AQUI, AQUI e AQUI.

Mas pode ser que, afinal, tudo fique em águas de bacalhau, mais não seja porque, além de não ter pés nem cabeça, a “reforma” (que, na realidade, é a liquidação) do sistema judiciário iria implicar uma significativa despesa pública (chamar-lhe investimento, só se for a título de brincadeira de mau gosto) e, em 2014, o orçamento do Ministério da Justiça sofrerá um corte brutal. É aqui que reside a minha derradeira esperança: a dura realidade que, espero, impeça a concretização de tamanha loucura.

2013-10-06

A geometria variável dos direitos adquiridos


Nos últimos 2 anos e picos, Portugal descobriu, com surpresa, que não há direitos adquiridos, mas apenas, na melhor das hipóteses, direitos cujo conteúdo e extensão podem ser livre e unilateralmente (subentenda-se, sem necessidade, sequer, de intervenção de um terceiro imparcial) alterados pelo sujeito passivo da relação jurídica sempre que este último entenda que tem boas razões para isso.

Creio que este tipo de “narrativa” põe a generalidade dos juristas de cabelos em pé, pois redunda na negação da própria ideia de direito subjectivo. Mas o tempo que vivemos não é um tempo de juristas e, por isso, para quem manda, é assim e acabou-se.

Porém, mesmo para os apóstolos desta doutrina e desta prática, será sempre assim? Apesar de errados, serão eles, ao menos, coerentes no seu erro?

Claro que não são. Para eles, há direitos mais adquiridos que outros. Por outras palavras, a noção de direito adquirido possui geometria variável.

E variável em função de quê? Da necessidade de salvaguardar mínimos de subsistência para os mais pobres ou as legítimas expectativas de quem fez descontos uma vida inteira para ter a sua pensão de reforma ou de quem trabalha e, de um momento para o outro, vê o seu vencimento diminuir arbitrariamente?

Nada disso. É precisamente ao contrário. Os direitos que, para a doutrina de que venho falando, mais que adquiridos, são sagrados, situam-se no polo oposto, económica e socialmente falando.

E porquê? Cá tenho a minha convicção sobre qual seja a razão. Parece-me até bastante óbvia. Mas não vou meter-me por aí. Interessa-me apenas uma abordagem jurídica desta questão e aquela razão, de jurídica, nada tem, muito pelo contrário.

Juridicamente, a referida geometria variável dos direitos adquiridos constitui uma insustentável aberração. Não sou só eu quem o diz. Escreveu sobre o tema, há alguns meses, CELESTE CARDONA, neste artigo.

Não concordo com muito daquilo que nele se diz. Nomeadamente, onde a sua autora vê compreensão e aceitação dos portugueses relativamente à redução dos seus salários ou pensões, eu tenho visto (e partilhado) exactamente o contrário, ou seja, incompreensão e revolta. Certamente porque os portugueses com quem eu me relaciono não são os mesmos com quem a autora do artigo se relaciona.

Todavia, acompanho a questão que é colocada no final e constitui o tema central do artigo. Observa CELESTE CARDONA que não compreende que a regra que legitimou a ruptura – que, de forma optimista, qualifica como temporária – dos contratos celebrados com os cidadãos não seja também apta a legitimar o mesmo procedimento no domínio dos contratos das PPP, na medida em que a rentabilidade financeira assegurada aos mesmos no tempo em que foram celebrados foi fundada em circunstâncias que, de forma evidente, sofreram alteração superveniente.

Não compreende ela, nem compreendo eu.


2013-09-22

Prestação de contas (2)


Dando sequência a esta mensagem, aqui fica mais alguma jurisprudência que me parece útil para uma primeira abordagem ao processo especial de prestação de contas.

Fundamento da obrigação de prestação de contas:

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03.02.2005 (processo n.º 04B4671):

A obrigação de prestação de contas é estruturalmente uma obrigação de informação de quem administra bens alheios, designadamente o cônjuge, cujo fim é o de estabelecer o montante das receitas cobradas e das despesas efectuadas, de modo a obter-se a definição de um saldo e a determinar a situação de crédito ou de débito.
Embora a legitimidade para exigir a prestação de contas apenas surja com a extinção do vínculo conjugal, uma vez que ela ocorra, o cônjuge não administrador dos bens do casal pode exigir prestação de contas ao cônjuge administrador daqueles bens desde a data da propositura da acção, designadamente daquela em foi decretado o divórcio.

Âmbito da prestação de contas:

Acórdão da Relação do Porto de 16.05.2013 (processo n.º 2877/09.5TBPRD.P3):

Na acção de prestação de contas, as contas a apresentar compreendem apenas as receitas e despesas relativas à relação jurídica que motivou o pedido de prestação de contas, não sendo possível relacionar despesas oriundas de outra relação jurídica nem operar a sua compensação com as verbas da receita.

Fases do processo:

Acórdão da Relação do Porto de 11.05.2004 (processo n.º 0020590):

I - No processo especial de prestação de contas, numa primeira fase apenas e só se decide da obrigação ou não de prestá-las.
II - Passando à 2ª fase e prestadas as contas pelo réu, a falta de impugnação das mesmas pelo autor não tem o efeito cominatório da confissão.
III - Não se aplica aqui o disposto no artigo 490.º do Código de Processo Civil.

Forma de prestação das contas:

Acórdão da Relação do Porto de 28.05.2007 (processo n.º 0752489):

I - Pelo mero facto de o autor não ter apresentado as contas sob a forma de escrituração aconselhada pela lei, ou seja, a conta-corrente, tendo-as apresentado sob uma forma de escrituração contabilística, não é motivo para a rejeição das mesmas.
II - Deve o juiz, em tal caso, verificar se é possível avaliar o saldo final da gestão, colhendo as informações que tiver por conveniente, ou mesmo encarregar pessoa idónea para dar parecer sobre as contas como foram apresentadas.

Acórdão da Relação do Porto de 31.01.2008 (processo n.º 0735715):

I – Nos termos do disposto no art. 1016.º, n.º2, do Código de Processo Civil, a não apresentação das contas sob a forma de conta-corrente pode determinar a sua rejeição, mas não determina obrigatoriamente essa rejeição, uma vez que esta não é imposta pela lei como consequência inevitável e inexorável.
II – Ainda que não apresentadas sob a forma de conta-corrente, as contas deverão ser apreciadas segundo o prudente arbítrio do julgador, apreciação jurisdicional necessariamente “não arbitrária”, efectuada segundo critérios de ponderação e razoabilidade, que oriente os critérios de conveniência e de oportunidade que estão na sua base sempre em função da realização dos fins do processo (a justa composição do litígio com respeito pelos direitos e garantias processuais das partes).

Acórdão da Relação do Porto de 12.04.2010 (processo n.º 1057/09.4TBVFR-A.P1):

I- Na acção de prestação de contas, a inobservância da forma contabilística prevista no art. 1016.º do Código de Processo Civil (conta-corrente) não determina directa e necessariamente a rejeição das contas.
II- O juiz, dentro do seu prudente arbítrio, deve avaliar da correcta apresentação das contas, ponderando os fins do processo e a justa composição do litígio, sem prejuízo do direito de defesa das partes.
III- A falta de documentação em relação a algumas das despesas indicadas na conta corrente e a indicação do mesmo valor das despesas ao longo de 20 anos, não constituem fundamentos para rejeitar as contas apresentadas na forma de conta corrente.

2013-08-24

Tribunais e Democracia


Era bom que aqueles que por aí andam a clamar contra aquilo que designam por "judicialização da política" lessem atentamente este interessantíssimo artigo de Boaventura Sousa Santos - LINK.

2013-08-23

Remunerações, suplementos e outras componentes remuneratórias


Foi hoje publicado no Diário da República um diploma legal que tem de ficar registado aqui no Monte, para memória futura.
É a Lei n.º 59/2013, de 23 de Agosto.
Segue a transcrição das normas mais significativas, por ordem lógica. A parte mais importante vai devidamente realçada.

Lei n.º 59/2013
de 23 de Agosto

Estabelece um regime de prestação de informação sobre remunerações, suplementos e outras componentes remuneratórias dos trabalhadores de entidades públicas, com vista à sua análise, caracterização e determinação de medidas adequadas de política remuneratória.

A Assembleia da República decreta, nos termos da alínea c) do artigo 161.º da Constituição, o seguinte:

Artigo 1.º
Objeto

A presente lei determina a prestação de informação sobre remunerações, suplementos e outras componentes remuneratórias dos trabalhadores de entidades públicas, com vista à sua análise, caracterização e determinação de medidas adequadas de política remuneratória (…).

Artigo 3.º
Prestação da informação

1 — No prazo máximo de 30 dias a contar da data da entrada em vigor da presente lei, as entidades públicas referidas no artigo anterior, doravante designadas por entidades, devem preencher um formulário eletrónico, disponibilizado no sítio na Internet da Direção -Geral da Administração e do Emprego Público (DGAEP), facultando toda a informação e documentação que permita efetuar uma caracterização detalhada das remunerações, suplementos e outras componentes remuneratórias dos seus trabalhadores, nos termos definidos naquele formulário.

Artigo 4.º
Análise da informação

1 — Concluída a fase de prestação da informação a que se refere o artigo anterior, o membro do Governo responsável pelas áreas das finanças e da Administração Pública promove a análise, o tratamento e a compilação da informação constante dos formulários, bem como a apresentação de relatórios, com a caracterização geral dos sistemas remuneratórios identificados, e de propostas de revisão de suplementos remuneratórios, tendo em consideração, nomeadamente, o disposto no artigo 112.º da LVCR.
2 — O relatório a que se refere o número anterior, relativo às entidades a que se referem os n.os 1 e 2 do artigo 2.º, é disponibilizado no sítio na Internet da DGAEP, no prazo máximo de 45 dias após o termo do prazo previsto no n.º 1 do artigo anterior.
3 — O relatório a que se refere o n.º 1, relativo às entidades a que se refere o n.º 3 do artigo 2.º, é disponibilizado no sítio na Internet da Direção-Geral do Tesouro e Finanças (DGTF), no prazo máximo de 45 dias após o termo do prazo previsto no n.º 1 do artigo anterior.

Artigo 8.º
Disposições finais

1 — No prazo de 90 dias a contar da data do termo do prazo a que se refere o n.º 2 do artigo 4.º, o Governo apresenta uma proposta de lei que proceda à revisão dos suplementos remuneratórios aplicáveis nas entidades a que se referem os n.os 1 e 2 do artigo 2.º, designadamente nos termos do artigo 112.º da LVCR.
2 — No prazo previsto no número anterior, o Governo promove a adoção das medidas adequadas de política retributiva relativa às entidades a que se refere o n.º 3 do artigo 2.º, tendo em conta, designadamente, o imperativo de cumprimento dos compromissos internacionais do Estado Português em termos de equilíbrio das contas públicas.
3 — Até à entrada em vigor da lei e das medidas a que se referem os n.os 1 e 2, as entidades ficam impedidas de criar ou alterar remunerações, suplementos remuneratórios ou outras componentes remuneratórias, sem prejuízo da possibilidade de continuação dos processos de revisão já iniciados em articulação com o Ministério das Finanças.

Artigo 2.º
Âmbito de aplicação objetivo

1 — O disposto na presente lei aplica-se aos órgãos e serviços abrangidos pelo âmbito de aplicação objetivo estabelecido no artigo 3.º da LVCR, COM EXCEÇÃO DOS ÓRGÃOS DE SOBERANIA DE CARÁTER ELETIVO, bem como aos gabinetes de apoio, quer dos membros do Governo, quer dos titulares dos órgãos referidos nos n.os 2 e 3 daquela disposição que não sejam órgãos de soberania de caráter eletivo.

2013-08-19

As incompatibilidades eleitorais e a judicialização da política


A propósito dos problemas gerados pela deficiente formulação da lei das incompatibilidades eleitorais, aqui fica o registo de mais um artigo de José Mouraz Lopes, Presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, sobre o tema da judicialização da política – LINK.

Sobre o mesmo tema:

2013-08-15

A ignorância é atrevida (e previsível)


Foi notícia de jornal, por estes dias, que juízes jubilados e diplomatas não seriam abrangidos pelos cortes de 10% nas pensões do Estado. Logo veio a conversa estafada dos privilégios dos juízes, vinda dos do costume.

Bem sei que o tempo dos jornalistas, no activo ou noutros voos, não convida à ponderação daquilo que se diz ou escreve. Em terminologia futebolística, é rematar para onde se está virado.

Acerca do não corte das pensões dos juízes jubilados, foi uma pena que os ditos jornalistas não tenham feito o trabalho de casa. Nem sequer era complicado, como se vê através da leitura deste esclarecimento do Ministério das Finanças

A razão do não corte das pensões dos juízes jubilados resume-se assim: Não foram cortadas agora porque, ao contrário das pensões agora cortadas, já o tinham sido anteriormente. O que não constitui privilégio algum, muito pelo contrário.