2006-03-31

Escutas e publicidade da audiência de julgamento

Uma questão que ainda não vi tratada (defeito meu, provavelmente) acerca da prova obtida por meio de escutas telefónicas é a da manutenção ou exclusão da publicidade da audiência de julgamento durante a audição, nesta última, das conversas registadas através daquelas.
É meu entendimento, face, nomeadamente, ao disposto nos artigos 32.º, n.º 1, da Constituição e 355.º do Código de Processo Penal, que a prova obtida por meio de escutas deve ser reproduzida na audiência de julgamento. É certo que se trata de prova constante dos autos e da qual a defesa, na fase de julgamento, tem, necessariamente, conhecimento, mas parece-me que a garantia de um efectivo direito de defesa por parte dos arguidos implica que estes sejam pessoalmente confrontados, na audiência de julgamento, com o teor das conversas escutadas, dando-se-lhes assim a efectiva possibilidade de se pronunciarem sobre elas, se necessário uma a uma.
A questão que coloco é a de saber se a publicidade da audiência de julgamento deverá ser excluída durante a produção da referida prova.
As escutas telefónicas constituem, por natureza, um meio de obtenção de prova particularmente invasivo da intimidade das pessoas. Quer queiramos, quer não, traduzem-se numa devassa de uma conversa que é privada.
Da consideração desta circunstância decorre a necessidade de estabelecer restrições ao recurso a este meio de obtenção de prova, nomeadamente no que respeita ao elenco de crimes em cuja investigação ele é admissível, bem como a de assegurar um efectivo controle jurisdicional do mesmo, o que, como se sabe, requer, não só um regime jurídico bem construído, mas também meios materiais e humanos adequados.
Contudo, a apontada natureza fortemente invasiva da intimidade das pessoas que as escutas telefónicas possuem deve determinar a adopção de especiais cuidados, no que toca ao seu conhecimento por terceiros, para além das fases preliminares do processo penal – na fase de julgamento na 1.º instância, na fase de recurso e, mesmo, após a extinção da instância penal, ou seja, após o arquivamento dos autos.
Objectar-se-á: Tais cautelas não serão necessárias se, nas fases preliminares do processo, tiver havido, como deve haver, uma selecção escrupulosa das conversas relevantes para a decisão a proferir.
Não é bem assim.
É claro que aquela selecção se impõe, a todos os títulos. Contudo, não resolve a totalidade do problema.
Quem já «ouviu escutas» sabe perfeitamente que muitas conversas telefónicas com interesse para os fins do processo não se resumem ao objecto deste. Numa frase fala-se, por exemplo, numa entrega de produtos estupefacientes e, na frase seguinte, já se está a falar em matéria que contende com a intimidade dos interlocutores ou de terceiros.
Em alguns casos, os dois domínios – matéria criminal e matéria que contende com a intimidade das pessoas – são, mesmo, indissociáveis. Isso não acontece apenas nos crimes sexuais: por exemplo, uma conversa em que se combine, ou proponha, uma «troca» de produtos estupefacientes por «serviços» de natureza sexual.
Em meios pequenos, onde todos se conhecem, ou quando estejam em causa figuras públicas, a publicidade de conversas desta natureza é susceptível de ter efeitos (injustamente) devastadores para os intervenientes nas conversas «escutadas» e para terceiros que aqueles mencionem, ainda que sem fundamento.
O problema é complexo e não pretendo ir além da questão concreta que coloquei no início deste post – o da compaginação da regra da publicidade da audiência de julgamento com a necessidade de proteger a intimidade das pessoas intervenientes ou mencionadas em conversas captadas por meio de escutas telefónicas.
Tenho resolvido o problema excluindo – quando o teor das conversas telefónicas o aconselha, naturalmente – a publicidade da audiência com fundamento no perigo de aquela causar grave dano à dignidade das pessoas – art. 87.º, n.ºs, 1 e 2, do Código de Processo Penal.
Contudo, talvez fosse oportuno a lei regular expressamente toda esta problemática, por forma a restringir, ao máximo, o âmbito, não da admissibilidade das escutas, mas dos danos susceptíveis de resultar destas últimas.
Ou seja, a garantir, na maior medida possível, que as escutas sirvam exclusivamente para aquilo que a lei as prevê: a boa administração da Justiça Penal.

2006-03-28

2006-03-26

ELEIÇÃO PARA OS CORPOS GERENTES
DA
ASSOCIAÇÃO SINDICAL DOS
JUÍZES PORTUGUESES
-
RESULTADOS


Lista A (Juiz Desembargador António Francisco Martins) - 541 votos
Lista B (Juiz Desembargador Alexandre Baptista Coelho) - 515 votos
-
Votação para a Direcção Regional Norte:
Lista A – 147 votos
Lista B – 149 Votos
-
Votação para a Direcção Regional Centro:
Lista A – 91 votos
Lista B – 83 Votos
-
Votação para a Direcção Regional Sul:
Lista A – 290 votos
Lista B – 290 Votos
Tendo-se registado um empate, a eleição da Direcção Regional Sul deverá ser repetida.

2006-03-21

ALTERAÇÃO DO CÓDIGO PENAL

Sobre a projectada reforma do Código Penal, pouco se vai sabendo.
Prudentemente, espero até que seja divulgado o projecto de alteração. Então, ver-se-á o que aí vem de novo.
Fiel ao meu hábito de escrever sobre assuntos sem interesse, vou aqui deixar algumas linhas sobre os custos, em termos de produtividade dos Tribunais, de qualquer reforma penal.
O art. 2.º, n.º 4, do Código Penal, estabelece que «quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente, salvo se este já tiver sido condenado por sentença transitada em julgado».
A obrigação de fundamentação das sentenças implica que, quando tenha havido alterações legislativas entre o momento da prática dos factos e o do julgamento, se determine, fundadamente, a pena concreta que se considera adequada à face de cada um dos regimes jurídicos em concurso para, no final, se optar pelo regime globalmente mais favorável ao arguido.
Como os processos se arrastam e as alterações legislativas são frequentes, chega a ser necessário cotejar os resultados da aplicação de mais de dois regimes.
Para o efeito, importa, em primeiro lugar, verificar o enquadramento dos factos nos sucessivos tipos de crime. Depois, tem de se proceder à comparação da globalidade dos regimes punitivos, e não apenas das penas principais, que é, normalmente, o mais fácil – por exemplo, penas acessórias e causas de atenuação especial ou de dispensa da pena.
Tudo muito bem fundamentadinho, tintim por tintim, como constitui preocupação constante do nosso Direito actual, absolutamente avesso a qualquer ideia de celeridade ou de dinamismo, não vá o sistema começar a funcionar bem…
Resumindo: Cada mexida na lei penal implica, necessariamente, um dispêndio acrescido de tempo pela razão apontada. E quanto maior é a mexida, maior é a perda. Uma sentença que, normalmente, demore quatro horas a fazer, passa a demorar cinco ou seis. E, é claro, quanto mais tempo demorar cada uma, menos sentenças aparecem feitas. Multiplique-se isto pelo número de processos criminais pendentes nos tribunais portugueses e teremos, por cada artigo do Código Penal alterado, uns milhares de sentenças a menos.
Portanto, já que têm mesmo de alterar o Código Penal (se dizem que é indispensável, quem sou eu para dizer o contrário!), alterem o menos possível e só onde tiver mesmo de ser. Porque cada alteração tem, inevitavelmente, custos muito significativos em matéria de produtividade.

2006-03-19

CARREIRA PLANA

Li a moção da Direcção do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público à assembleia-geral do passado dia 11, disponível no site respectivo.
Fica registada, para memória futura, a seguinte frase (o realce é da minha autoria):
«O Governo, ciente de que mais transparência, mais responsabilidade ética e deontologia profissional reforçam a independência dos magistrados e a sua competência e eficácia para abordar os processos mais complexos, parece, entretanto, ter esquecido as anunciadas reformas da formação dos magistrados e a introdução da carreira plana e conviver bem e estimular mesmo este deplorável estado de coisas».

Duas perguntas:
1.ª – Os autores da moção pretendem «aplanar» a carreira de quem?
2.ª – «Anunciadas» é, neste contexto, sinónimo de «prometidas»? Se sim, a quem e em que circunstâncias?

Já agora, mais uma:
3.ª – Por onde tem andado a Associação Sindical dos Juízes Portugueses?

2006-03-14

Um fiasco chamado videoconferência - 4

Segue-se um artigo publicado no PORTUGAL DIÁRIO de 13.03.2006, da autoria de Cláudia Rosenbusch:
JUÍZES A FALAR PARA O BONECO

Foi criado para tornar a Justiça mais rápida e cómoda mas não funciona.
Videoconferência nos tribunais deixa os juízes e as testemunhas a falarem sozinhos.

O mau funcionamento do sistema de videoconferência nos tribunais é um dos temas que mais queixas suscitou por parte de magistrados ao Conselho Superior da Magistratura (CSM), ultrapassando as duas dezenas. Os problemas com este sistema assumem dimensões «gigantescas» no Palácio da Justiça de Lisboa onde, segundo a juíza administradora deste tribunal, Isabel Magalhães, cerca de metade dos processos exigem o recurso a este meio, alegadamente criado para acelerar os julgamentos e evitar incómodos às testemunhas.
Operadoras telefónicas e grandes locadoras escolhem por regra o tribunal de Lisboa para resolver litígios com as partes. Estas residem em todo o país e quando são chamadas a depor por videoconferência o caos instala-se.
«É raríssimo conseguir ligação a outro tribunal», assegura Isabel Magalhães. Outras vezes, «estamos mais de uma hora à espera de ligação e quando conseguimos, ou temos som sem imagem ou imagem sem som», garante a magistrada. «É desesperante», acrescenta. A situação que dura «há vários anos» tem sido reportada sucessivamente à Direcção Geral da Administração da Justiça mas, garante a magistrada, «não tenho resposta rigorosamente nenhuma». Por vezes os técnicos deslocam-se ao tribunal, mas o problema fica sempre por resolver. «Já me disseram que as linhas telefónicas não estão preparadas para este tipo de ligação, mas depois não há dinheiro para substituir o sistema», refere. «Também já me disseram que os sistemas instalados nos tribunais do país são incompatíveis entre si. É o caso do de Lisboa e Porto».
A magistrada não resiste a contar um dos casos que mais a chocou. Num processo envolvendo um milhão e meio de euros era preciso ouvir todas as testemunhas por videoconferência. «Estivemos horas para conseguir a ligação aos vários tribunais em que se encontravam. Quando finalmente conseguimos, o som era péssimo. As perguntas tinham de ser repetidas cinco e seis vezes. Em determinada altura as testemunhas só falavam por monossílabos. No final tive de decidir com base naqueles depoimentos. Decidi de uma maneira que, enfim, vale o que vale...». «Foi o que mais me custou», conclui.
De acordo com informações recolhidas pelo PortugalDiário junto do órgão de gestão e disciplina dos juízes, entre os tribunais que mais se queixam por deficiências no sistema de videoconferência estão os de Sesimbra, Criminal de Braga, 17ª Vara Cível de Lisboa, além do 3º juízo Cível de Lisboa, Fornos de Algodres, Vagos, 2º Juízo Cível de Lisboa e Gaia.
«No Palácio da Justiça de Lisboa o problema é recorrente», assegura o Conselho. As falhas permanentes no sistema de videoconferência são para a juíza administradora do Palácio da Justiça de Lisboa, «o problema mais sério porque afecta e atrasa o funcionamento da justiça e tira direitos às partes porque as prejudica».
Contactado pelo PortugalDiário, o Ministério da Justiça informou, sem mais, que «está a decorrer o levantamento sobre este sistema, a par de um outro levantamento para os sistemas de gravação, assuntos que foram já dados a conhecer publicamente».

2006-03-07

CÚMULO JURÍDICO DE PENAS
«O Presidente da República cessante pediu, ontem, aos políticos, que repensem as molduras penais aplicáveis em função do cúmulo jurídico. Para o Chefe de Estado há uma "completa disfunção" entre os crimes cometidos e as penas aplicadas na soma dos delitos, por isso desafiou os políticos que podem alterar a legislação - Governo e deputados - a alterar esse cálculo para as penas de prisão não serem tão longas. Porque "às vezes três pequenos delitos dão oito anos, com a maior simplicidade, em Portugal", disse. O presidente referiu, a propósito, o caso de um jovem de 20 anos que está a cumprir dez de pena de prisão.»
Fonte: Jornal de Notícias de 07.03.2006
Que dizer acerca das afirmações acima reproduzidas?
Com o imenso respeito que me merecem o cargo e o cidadão que ainda o ocupa, não posso deixar de observar que afirmações com esta gravidade, proferidas por quem e nas circunstâncias em que o foram, deveriam ter sido devidamente fundamentadas, o que, tanto quanto é possível perceber através das notícias veiculadas pela comunicação social, não aconteceu.
Concretamente, ilustre-se, com casos reais, a afirmação de que "às vezes, três pequenos delitos dão oito anos, com a maior simplicidade, em Portugal".
Esclareça-se que "pequenos delitos" se teve em vista naquela afirmação e que crimes cometeu o jovem de 20 anos que está a cumprir 10 anos de prisão (Foram os tais "pequenos delitos"? Quais e quantos?)
Só a partir daí será possível encetar uma discussão séria sobre a lei penal que temos e a forma como os Tribunais a aplicam.
A propósito, pergunto:
O eventual problema está nas normas relativas ao cúmulo jurídico de penas?
Não estará, antes, nas molduras penais que a lei estabelece para os crimes em concurso?
Ou não está, de todo, nas penas, mas sim no facto de a criminalidade violenta ter aumentado significativamente nos últimos tempos e, por isso, as penas não poderem deixar de reflectir essa realidade?

2006-03-05

MEDIAÇÃO PENAL - 1

Uma excelente reflexão, AQUI.

ALMODÔVAR

«O Ministério da Justiça promoveu uma visita de trabalho ao concelho de Almodôvar para discutir a localização do novo Palácio de Justiça.
A visita, que decorreu no dia 3 de Março, a partir das 10h30, contou com a presença do secretário de Estado Adjunto e da Justiça, José Conde Rodrigues.
Esta iniciativa insere-se no programa de reuniões que o Ministério da Justiça está a realizar com as várias Câmaras Municipais do país para a construção ou transferência de tribunais de forma a possibilitar melhores condições de trabalho e atendimento ao público.
10h30 – Visita às instalações do Tribunal de Almodôvar e espaços disponíveis para futura localização do Palácio de Justiça.
12h00 – Reunião com o Presidente da Câmara Municipal de Almodôvar, nos Paços do Concelho.»
Comentário:
Oxalá seja desta que Almodôvar passe a ter um Tribunal digno desse nome.
Está prometido há tantos anos...
O MEU MONTE estará especialmente atento.
Para lembrar a promessa feita e - venha já esse dia! - celebrar o seu cumprimento e felicitar quem a cumprir.