2008-01-20

O n.º 6 do art. 215.º do CPP (3)

Estabelece o n.º 6 do art. 215.º do Código de Processo Penal que, no caso de o arguido ter sido condenado em pena de prisão em primeira instância e a sentença condenatória ter sido confirmada em sede de recurso ordinário, o prazo máximo da prisão preventiva se eleva para metade da pena que tiver sido fixada.
O primeiro problema que o preceito suscita resulta da exigência de que a sentença condenatória tenha sido confirmada. Parece-me evidente a infelicidade desta terminologia e que o âmbito de aplicação daquele não se cinge às hipóteses de confirmação da sentença da primeira instância pelo tribunal superior.
Suponhamos que o arguido é condenado numa pena de 14 anos de prisão na primeira instância. Interpõe recurso ordinário, pugnando pela graduação da pena em 10 anos de prisão e o tribunal superior julga o recurso totalmente procedente, fixando a pena em 10 anos de prisão, ou parcialmente procedente, fixando a pena em 12 anos de prisão. Em qualquer destas duas hipóteses, a sentença não foi confirmada. Logo, numa interpretação literal do n.º 6 do art. 215.º, ambas estariam fora do âmbito de aplicação deste preceito legal.
Porém, parece-me evidente que essa interpretação é inaceitável. Que sentido faria tratar, por exemplo, um arguido condenado em 12 anos de prisão nas duas instâncias de forma diferente de um outro que o fosse em 13 anos na 1.ª instância e em 12 anos pelo tribunal superior, apesar de apenas no 1.º caso a sentença ter sido confirmada? Não existe qualquer razão de ordem substancial para deixar de tratar de forma igual estas duas situações, elevando o prazo máximo de prisão preventiva para 6 anos.
Ou seja, lá terá o intérprete de andar a suprir a inabilidade do legislador para se exprimir correctamente, encontrando uma solução justa que, porém, não é aquela que decorre da letra do preceito.
Essa interpretação, atenta a teleologia do n.º 6 do art. 215.º, só poderá ser aquela que tenha por resultado o entendimento do termo “confirmada” no sentido de a decisão do tribunal superior também condenar numa pena de prisão efectiva, ainda que impondo uma pena mais leve e que, ao fazê-lo, esteja a julgar total ou parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido ou pelo Ministério Público no interesse deste.
É estranha e lamentável esta inabilidade do legislador para se exprimir de forma adequada, assim causando dúvidas e indefinições ao nível da interpretação da lei, tão mais graves e indesejáveis quanto é certo que nos encontramos num domínio particularmente sensível do Direito Processual Penal e onde, por isso, se exige um cuidado acrescido, não só a quem julga, mas também e desde logo a quem legisla.

O n.º 6 do art. 215.º do CPP (2)

O n.º 6 do art. 215.º do CPP estabeleceu um regime fortemente inovador.
Inovou, por um lado, ao fixar o prazo máximo de duração da prisão preventiva também em função da duração da pena de prisão em que o arguido for condenado. Este critério de cálculo daquele prazo não tinha sido utilizado pelo CPP até agora.
Inovou, por outro lado, ao possibilitar a manutenção da prisão preventiva durante períodos extremamente longos, por comparação com aquilo que até agora acontecia, como salientei na mensagem anterior.
Por tudo isto, ou seja, porque introduziu soluções marcadamente inovadoras e porque pode determinar a sujeição do arguido a longos períodos de prisão preventiva, seria de esperar que o preceito em causa contivesse uma regulamentação precisa e pormenorizada dos problemas principais que a solução que estabelece suscita.
Porém, aconteceu precisamente o contrário. O n.º 6 do art. 215.º surge algo desgarrado entre as restantes normas deste artigo, com uma redacção enganadora e com omissões incompreensíveis, como procurarei demonstrar nas mensagens seguintes.

2008-01-13

O n.º 6 do art. 215.º do CPP (1)

Os afazeres profissionais têm sido absorventes e esgotantes e o tempo, que nunca abundou, tornou-se ainda mais escasso nos últimos meses. Chegou, porém, o momento de regressar ao Meu Monte e dedicar-lhe algum tempo.
Ao clamor que suscitaram as recentes alterações ao Código Penal e ao Código de Processo Penal nas semanas subsequentes à sua publicação seguiu-se um quase generalizado silêncio, com raras e honrosas excepções.
Tal silêncio surpreende-me, pois aquelas alterações suscitam numerosas perplexidades. Pelo menos a mim, suscitam.
Admito, porém – como aliás é meu hábito –, que o defeito seja meu, isto é, que a lei nova seja claríssima na sua formulação e justíssima nas soluções que consagra e tudo não passe, afinal, de incapacidade minha para vislumbrar tais qualidades.
Ainda assim, vou aqui deixando nota das dificuldades que tenho sentido na interpretação de algumas das alterações legislativas em causa e na descoberta das virtualidades que os seus defensores lhes apontam.
*
Uma inovação que me causa particular perplexidade é o n.º 6 do art. 215.º do Código de Processo Penal (CPP).
Um dos principais objectivos da 15.ª alteração do CPP foi a restrição da prisão preventiva, num duplo sentido: diminuição do seu âmbito de aplicação e genérica redução dos seus prazos de duração máxima.
O n.º 6 do art. 215.º contraria frontalmente esta tendência, pois abriu a porta a um alargamento do prazo de duração máxima da prisão preventiva muito para além dos limites até então fixados pela lei e – é a minha opinião – de tudo aquilo que é razoável.
É a seguinte a redacção do preceito: “No caso de o arguido ter sido condenado a pena de prisão em 1.ª instância e a sentença condenatória ter sido confirmada em sede de recurso ordinário, o prazo máximo da prisão preventiva eleva-se para metade da pena que tiver sido fixada”.
Sendo de 25 anos o limite máximo da pena de prisão (n.º 2 do art. 41.º do Código Penal), o n.º 6 do art. 215.º do CPP eleva para 12 anos e 6 meses o limite máximo da prisão preventiva.
Isto pulveriza todos os limites anteriormente existentes, viola vários ou talvez mesmo todos os princípios que a Constituição e o próprio CPP consagram em matéria de medidas de coacção e especificamente de prisão preventiva e contraria, segundo me parece, o mais elementar bom senso.
Dito de outra forma, causa-me a maior estranheza que o mesmo legislador que tão zelosamente “cortou” em alguns meses os prazos de duração máxima da prisão preventiva onde os mesmos fazem realmente falta, mormente na fase de inquérito, tenha resolvido, uma vez chegado ao n.º 6 do art. 215.º, tornar-se um verdadeiro “mãos largas”, criando um regime de prisão preventiva quase perpétua.
Perante isto, interrogo-me por onde andarão os auto-proclamados apóstolos das liberdades individuais que, antes da revisão do CPP, tanto se indignavam com os então vigentes prazos máximos de duração da prisão preventiva, considerando-os escandalosamente longos, bem como com os juízes que, limitando-se a aplicar a lei, mantinham arguidos sujeitos àquela medida de coacção durante esses mesmos prazos. Não os tenho ouvido criticar o n.º 6 do art. 215.º! Acham que um prazo máximo de 12 anos e 6 meses de prisão preventiva faz sentido? Consideram humano manter uma pessoa sujeita a esta medida de coacção durante tanto tempo? Estão à espera do primeiro caso em que isso aconteça para, como é hábito, dizerem que a culpa é dos juízes? Ou nem sequer repararam na existência daquela norma?