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2006-06-27

Segurança rodoviária e impunidade – 3

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Referi aqui a moldura da pena principal actualmente prevista para o crime de condução de veículo em estado de embriaguez.

Resulta do que afirmei nesse post que considero o limite máximo dessa moldura (1 ano de prisão) baixíssimo, face à danosidade social do crime em causa (crime este que não é, seguramente, recondutível a um qualquer conceito de «litígio de massa»).

O projecto de reforma do Código Penal não altera o art. 292.º, mantendo-se, portanto, a referida moldura penal.

Todavia, isso não significa que tudo vá ficar na mesma no que toca ao crime de condução de veículo em estado de embriaguez, o que já seria um mal menor.

Algumas das alterações que se pretende introduzir na parte geral do Código Penal determinam que as penas de prisão não superiores a 1 ano passem a beneficiar de um regime muito mais favorável, em termos práticos, do que actualmente – conforme referi aqui e aqui e desenvolverei em posts ulteriores.

Por esta via, se o projecto de reforma do Código Penal for transformado em lei tal como está, o regime de punição do crime de condução de veículo em estado de embriaguez passará a ser bem mais favorável (ao autor do crime, como é evidente) do que o actual, aproximando-se, na prática, em muitos casos, da pura e simples impunidade.

Tendo em conta que o crime de condução de veículo em estado de embriaguez constitui uma das principais causas de acidentes de viação e que a sinistralidade rodoviária constitui uma das principais causas de morte e invalidez em Portugal, constituindo mesmo a maior nas faixas etárias mais jovens, e acarreta perdas de milhões e milhões de euros por ano, parece-me que as opções do projecto de reforma do Código Penal são, nesta matéria, um verdadeiro desastre.

2006-06-10

Segurança rodoviária e impunidade – 2


É sabido que uma das causas principais de acidentes de viação é a condução em estado de embriaguez.

Actualmente, o n.º 1 do art. 292.º do Código Penal pune o crime de condução de veículo em estado de embriaguez com pena principal de prisão até 1 ano ou multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

Por força do art. 69.º, n.º 1, al. a), do mesmo código, o mesmo crime é ainda punível com pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre 3 meses e 3 anos.

A questão que coloco é a de saber se a moldura legal da pena principal é suficientemente severa, tendo em conta a gravidade do crime.

Dirão os mais indulgentes que sim e os mais severos que não; a partir daí, a discussão será estéril.

O caminho mais seguro para aferir o lugar que o crime de condução de veículo em estado de embriaguez ocupa na hierarquia de preocupações do legislador é o de comparar a pena principal do art. 292.º, n.º 1, do Código Penal, com as de outros crimes.

São as seguintes as molduras penais estabelecidas pelo Código Penal para alguns outros crimes que fazem parte da vulgarmente chamada «pequena criminalidade»:

- Ofensa à integridade física simples – prisão até 3 anos ou multa entre 10 e 360 dias (art. 143.º);

- Ameaça – prisão até 1 ano ou multa até 120 dias (art. 153.º, n.º 1);

- Difamação – prisão até 6 meses ou multa até 240 dias (art. 180.º, n.º 1);

- Injúria – prisão até 3 meses ou multa até 120 dias (art. 181.º, n.º 1);

- Furto simples – prisão até 3 anos ou multa entre 10 e 360 dias (art. 203.º);

- Dano – prisão até 3 anos ou multa entre 10 e 360 dias (art. 212.º);

- Falsificação de um cheque – prisão de 6 meses a 5 anos ou multa de 60 a 600 dias (art. 256.º, n.º 3).

Como se vê, a lei pune o furto de um objecto de pequeno valor com uma pena três vezes superior, no seu limite máximo, à pena principal do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, por muito elevada que seja a taxa de álcool no sangue.

O mesmo se passa em relação ao dano – parece ser menos grave, para o legislador, conduzir um veículo (que até pode ser um camião de grandes dimensões) com uma taxa de álcool no sangue de 4 gramas/litro (estado em que a condução representa um perigo enorme para a segurança rodoviária) do que partir intencionalmente um objecto pertencente a outrem.

Os exemplos poderiam multiplicar-se.

Também por isto, quando oiço dizer que a segurança rodoviária constitui uma prioridade do Estado Português, só posso sorrir… amargamente.

Segurança rodoviária e impunidade – 1


Neste post, referi o escandaloso número de processos por contra-ordenações estradais que prescrevem (cerca de 220.245 só no ano de 2004).

Num país onde a sinistralidade rodoviária assume a dimensão de uma verdadeira tragédia, a punição das infracções estradais – sejam elas crimes ou contra-ordenações – deveria constituir uma prioridade do Estado.

Porém, isso nunca aconteceu.

Se constituísse, não se verificaria um tão elevado número de prescrições – o Estado providenciaria pela existência de meios humanos e materiais suficientes para instaurar, instruir e julgar os processos de contra-ordenação, bem como para executar as coimas nestes aplicadas, tudo dentro dos prazos de prescrição que a si próprio fixou para levar a cabo tais tarefas.

Ao deixar prescrever um número gigantesco de processos por contra-ordenações estradais, o Estado demite-se inadmissivelmente do cumprimento do seu dever de zelar pela segurança das pessoas que, como peões ou condutores, utilizam as vias públicas.

E está a contribuir para uma das causas principais da sinistralidade rodoviária – o sentimento de impunidade de muitos condutores.

2006-04-24

Sinistralidade rodoviária


Numa mesma página do EXPRESSO de 22 de Abril (página 10 do caderno principal), são publicadas duas notícias cujo confronto revela a ligeireza com que o Estado trata, há muito, o problema da sinistralidade rodoviária, não obstante periódicas promessas de mudança de política, todas elas sintetizáveis na fórmula «agora é que vai ser!».

Na notícia intitulada «Juristas das multas na rua», refere-se, a dada altura, que «segundo os últimos dados oficiais, em 2004 prescreveram cerca de 220.245 autos, o triplo de 2003».

Logo abaixo, sob o sugestivo título «Controlo a dobrar», informa-se, nomeadamente, que:

- O Governo tem «o objectivo de triplicar, a breve prazo, o número de testes de controlo de álcool aos condutores»;

- Em matéria de fiscalização da velocidade, enquanto nos dias da Páscoa do ano passado foram controladas 53.963 viaturas, este ano esse número disparou para as 127.194, o que teve o resultado imediato de terem sido detectados 3134 condutores em excesso de velocidade na Páscoa de 2006, enquanto na de 2005 foram apanhados 1594 condutores a cometer essa infracção;

- Do total das contra-ordenações, 2799 foram graves (1074 em 2005) e 545 muito graves (187 em 2005).

Se estas despretensiosas linhas pretendessem alcançar o invejável estatuto de «Estudo Credível», na linha de um outro que, a muito custo (literalmente, a ferros), viu a luz do dia recentemente, sobre férias judiciais, seria este o momento de aplicar a velha (mas, pelo menos para alguns, sempre sedutora) regra de três simples: ao dobro da intensidade da fiscalização corresponderá, forçosamente (sim, porque nesta coisa dos números, não há lugar para dúvidas: 2 + 2 = 4), o dobro das prescrições.

E quem tentasse demonstrar o contrário, estaria apenas a defender interesses inconfessáveis, nomeadamente de índole corporativa.

Mas pretendendo eu apenas fazer um post, não irei tão longe.

Admito, por exemplo, que haja factores que possam vir a contrariar o efeito da aplicação cega da regra de três simples, como a adopção de medidas que permitam uma maior eficácia do sistema e uma diminuição do número de prescrições.

Porém, regressando à 1.ª notícia, cujo tema fulcral é a alegada intenção do Governo de dispensar, de uma assentada, os juristas que têm tramitado os processos administrativos por contra-ordenações estradais e possuem alguns anos de experiência profissional, e de os substituir por recém licenciados da Universidade Católica, ainda por cima sem concurso público, não encontro motivos para esperar melhorias.

Ao contrário, talvez tenhamos de concluir, dentro de 1 ano, em matéria de prescrições, que 2 + 2 = 5.