2006-02-26

BLOGS E RESPONSABILIDADE

Tendo em conta a actualidade do tema, aqui ficam dois links para posts recentemente publicados e respectivos comentários:





FORO ESPECIAL

«O ministro da Justiça propôs à Unidade de Missão para a Reforma Penal que considerasse a possibilidade de criação de um foro especial para os crimes praticados por titulares de órgãos de soberania. Descodificando: os deputados e ministros passariam a ser julgados pelos tribunais da Relação, o que teria também como consequência que actos de investigação como buscas e escutas telefónicas deixassem de ser autorizados por um juiz de instrução e passassem para aqueles tribunais superiores».
Fonte: Diário de Notícias de 25.02.2006
Comentário:
A seguir, virá a consagração da chamada «carreira plana» para os juízes, que garantirá que só chegarão aos Tribunais da Relação as «pessoas certas», em vez de, como actualmente acontece, apenas os juízes de carreira que alcancem uma classificação de mérito e a antiguidade necessária.
Parece-me que é sob esta perspectiva que o projecto agora anunciado deve ser analisado.
Logo, a discussão em torno de saber se, com a composição actual dos Tribunais da Relação, os ministros e deputados beneficiarão, ou não, de um tratamento mais favorável relativamente àquele que teriam em tribunais de 1.ª instância, não faz sentido.
Repare-se, aliás, que o mote para esta descabida discussão foi lançado por quem anunciou o projecto (segundo a citada notícia, que pode ser lida, na íntegra, no VERBO JURÍDICO)!
Uma boa maneira de desviar as atenções relativamente ao cerne do problema é lançar uma discussão bem ao lado dele.

2006-02-21

ASSOCIAÇÃO SINDICAL DOS JUÍZES PORTUGUESES
ELEIÇÕES
DA LISTA LIDERADA PELO
JUIZ DESEMBARGADOR
ANTÓNIO FRANCISCO MARTINS

2006-02-16

FÉRIAS

Chegou o momento de organizar as férias dos juízes e, como sempre foi evidente para quem não insistiu em fechar os olhos à realidade, o regime instituído pelo Governo não funciona de maneira nenhuma.
A única forma de os juízes exercerem o seu direito a férias é através da ultrapassagem dos limites das férias judiciais. Não há volta a dar!
Isto redunda numa absoluta frustração dos objectivos enunciados pelo Governo como fundamento da redução do período de férias judiciais de verão.
Manifestamente, o Governo ignorou a existência de turnos durante estas últimas.
Aqueles que em devido tempo lho lembraram – juízes, magistrados do Ministério Público, advogados e funcionários judiciais – foram imediatamente rotulados de corporativistas.
Ou seja, em vez de se resolver os inúmeros problemas de que o sistema de justiça efectivamente padece, arranjou-se um problema onde ele não existia.
Agora, está à vista quem tinha razão.
Vários “companheiros” da blogosfera já analisaram devidamente as consequências práticas do actual regime das férias judiciais de verão e, por isso, limito-me a remeter para os textos por eles produzidos ou citados, bem como para os respectivos comentários (espero que nenhum me tenha escapado):
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Perante a situação criada, a única saída é acabar, de vez, com as férias judiciais. O regime actual, que não é carne nem peixe, é que, manifestamente, não serve.

2006-02-08

GREVE DE ZELO - 2

Sobre o conceito de greve de zelo, nada melhor do que dar a palavra aos especialistas.
Recorro a dois:

Bernardo da Gama Lobo Xavier, Curso de Direito do Trabalho, p. 186, nota 1:

«As “greves de zelo” caracterizam-se por um abrandamento da actividade produtiva que, em vez de resultar da abstenção do trabalho ou do não cumprimento das directivas patronais ou dos ritmos de trabalho estabelecidos, é causado – ao contrário – pela aplicação minuciosíssima, literal e chicaneira dos regulamentos existentes. O exemplo clássico é das «greves de zelo» do pessoal das alfândegas, que podem fazer as revistas e controlos com lentidão exasperante».

Continua o mesmo autor, na página 187, a propósito da greve de zelo:

«Certos profissionais resolvem dar um cumprimento rígido aos regulamentos dos serviços, causando assim enormes atrasos»;
«Não há propriamente uma abstenção da prestação do trabalho, mas a sua execução em termos anormais».

A. L. Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, vol II, 3.ª edição, p. 252, define assim a greve de zelo: «as tarefas ou funções são efectivamente exercidas, embora de modo tão detalhado e minucioso que acabam por causar a desorganização do processo produtivo».
(Os sublinhados são meus)
Salta, assim, à vista que os juízes não estão a fazer qualquer greve de zelo (com ou sem aspas, mais ou menos disfarçada), pois continuam a exercer as suas funções exactamente da mesma forma que sempre fizeram.
Greve de zelo seria, por exemplo, protelar audiências de julgamento através de tudo o que fosse procedimento dilatório – e isso seria tão fácil…
Ou executar o resto do serviço com um pormenor tal que o número de peças processuais elaboradas caísse a pique.
Ou proferir despachos com efeito puramente dilatório.
Ora, nada disto se passa, seja no Tribunal de Beja, seja nos restantes de que tenho notícia.
Na parte que me toca, quer as audiências de julgamento, quer a elaboração de sentenças, quer o restante serviço, continuam e continuarão a ser executados exactamente da mesma forma.
Nem poderia ser de outra maneira, sob pena de, aí sim, os juízes estarem a violar os seus deveres profissionais.

GREVE DE ZELO - 1

Na sequência de uma notícia de jornal publicada há alguns dias, lá veio, de novo, a acusação de que os juízes estão a fazer uma greve de zelo ao não trabalharem para além daquele que é o seu período de trabalho (não confundir com horário de trabalho, do qual e só do qual aqueles estão isentos), ou ao não o fazerem com a amplitude anterior.
Mais uma vez, a semente pegou com facilidade nos terrenos férteis para culturas desse tipo. A generalidade das pessoas que têm dissertado sobre o tema aceitaram, acriticamente, a ideia de que os juízes estão, na realidade, em greve de zelo.
Aquilo que me espanta é que esta semente também pegou em terrenos habitualmente desfavoráveis a este tipo de cultura. Com efeito, embora metendo a palavra greve de zelo entre aspas, com isso querendo significar não sei o quê («greve de zelo» é sinónimo de greve de zelo? se não o é, é o quê?), algumas vozes, pelas quais, aliás, tenho o maior respeito – daí o meu desconforto – «embarcaram» naquela falsa ideia.
Felizmente, há quem vá tentando remar contra a maré, explicando aquilo que, de tão elementar, não deveria carecer de explicação, ou seja, que é falso que os juízes estejam a fazer uma greve de zelo, com ou sem aspas.
Nos posts seguintes, juntarei a minha voz às destes últimos.

2006-02-07

VIDEOCONFERÊNCIA - O OUTRO LADO

O texto que se segue foi, em boa hora, deixado na caixa de comentários do post anterior.
Completa, na perfeição, aquilo que escrevi a propósito da videoconferência.
Com o consentimento presumido da sua autora, Eva Garcia, aqui fica, com o destaque que merece.

«Confesso que não resisti a fazer um comentário a esta postagem.
Comecemos pelo início: eu oficial de justiça me confesso.
Especificando, Escrivã Auxiliar.
Escusado será dizer que nas funções que inerem a esta categoria estão as malfadadas vídeo conferências. E no meu caso concreto desde Novembro de 2004 que asseguro todas as que são pedidas ao tribunal onde trabalho, para além de assegurar todos os sumários e actos de instrução, com interrogatórios incluídos. E vídeo conferência significa SEMPRE, SEMPRE, SEMPRE, mas SEMPRE, uma gigantescaa irritação!
Começamos pelo quase ritual dos telefonemas: "colega a testemunha está?” “Colega pode dar-me o nº da vídeo?” “Colega podemos fazer o teste?", etc., etc., etc..
E lá ando eu de um lado para o outro!
Depois vem a chamada “de viva voz” e o explicar à/às testemunha/as que não sabemos quanto tempo irá demorar a sua inquirição, que é exactamente o mesmo que estarem no tribunal onde decorre o julgamento, que tanto podem ser ouvidas dali a 5 minutos como dali a 2 ou 3 horas e que a única função da vídeo conferência é evitar uma deslocação à comarca onde decorre o julgamento.
E depois de muitas perguntas e outras tantas respostas, ouvir um chorrilho de reclamações e de indignações que a justiça está cada vez pior, que ninguém faz nada etc., etc.
E nisto lá se passam 15 minutos em que, de concreto, nada se fez.
Depois lá vem a história do teste.
E a “coisa” não funciona....
E lá se liga e desliga o aparelho que entretanto bloqueou.
E lá vem um colega a correr da secretaria a dizer que está ao telefone “o colega” a pedir para ligarmos nós para o tribunal “que eles não conseguem”.
E a coisa não funciona...
E lá vem nova chamada para dizer que afinal também não conseguimos. “Ó colega tente lá outra vez, sff.”
E a coisa não funciona...
E mais um telefonema “Ó colega se não conseguirmos agora vou dizer ao Juiz e já lhe ligo”.
E a “coisa” não funciona....
E lá foram mais 20 minutos.
E eu sem fazer nada de visível!
E passado mais um bocado lá vem mais uma chamada: “Ó colega, vou tentar novamente!”
E lá vou eu novamente para a biblioteca. E a “coisa” lá funciona.... Ops! Falei cedo demais. Foi só a imagem. O som..... Ups! .... parece vir do centro da terra! Sobe volume, desce volume. Pega num comando, larga o outro e já se vê o Juiz lá ao fundo, com ar de enfado. E a irritação lá aumenta! Em tom roufenho ouve lá de longe “obriiiiiiiii.... coleeeeeee....”
E lá foram mais 15 minutos.
E agora são as testemunhas a perguntar se demora muito.
E lá saiem mais umas explicações e lá se ouvem mais uns “desabafos! Que isto não é nada com a menina! A culpa é do sistema!” (É o sistema e o legislador! Se descubro quem eles são juro que me vingo!)
E lá volto eu para a secretária.
E lá foram mais 15 minutos sem fazer nada de visível e monte de processos em cima da mesa!
Tempo depois mais um telefonema: “Ó colega pode pôr a testemunha na sala.”
Mais uma chamada de viva voz e lá está a testemunha sentadinha muito desconfortável à frente da televisão. E liga e desliga e torna a ligar. E 10 telefonemas depois lá temos a testemunha aos gritos para se fazer ouvir, os advogados de testa franzida e o juiz com outra irritação!
Bem, mas este é o final feliz desta odisseia num tribunal com 3 juízos, 3 juizes de comarca, mais um auxiliar, mais dois de circulo.
E agora falta contar o resto: com duas salas de audiências.
E como diz o povo “quem chega primeiro apanha lugar”, quantas e quantas vezes, depois de toda a odisseia já relatada, chega a hora de “meter a testemunha na sala” (leia-se biblioteca) e já lá está a decorrer um julgamento, porque as salas “já estavam ocupadas.”
E pronto! este é o outro final infeliz, para além daquele já habitual e que tão bem conhecem: e a coisa (leia-se vídeo) não funciona...
E agora, como acaba a“triste” escrivã auxiliar?
Com uma irritação do tamanho do mundo (e a verba para os ansiolíticos ainda não é parte integrante do vencimento), com a fama que durante meia manhã não fez nada, com meia dúzia de cigarros fumados e com uma raiva do tamanho do mundo ao “senhor” que inventou este sistema.
E para não dizerem que sou má língua e que não dou sugestões para melhorar o serviço proponho que seja criado um endereço no Hotmail para cada juízo de todos os tribunais deste país e que depois seja oferecido um PC com MSN instalado, a “competente” ligação à net, o “competente” endereço e a “competente” Web Cam a cada testemunha a ser ouvida por vídeo conferência, que assim só teriam que se conectar ao programinha da Microsoft.
E os custos? – perguntará.
Sugiro que se aproveite a onda benemérita do mais recente condecorado da nação.
Eu cá por mim ofereço-me para testemunha profissional lá para as bandas da Ericeira.»

2006-02-01

Um fiasco chamado videoconferência - 3

Pois é, ainda tenho mais algumas «vergastadas» para desferir no sistema de videoconferência com que os tribunais portugueses foram dotados.
Duvido de que quem teve a ideia de introduzir a solução de inquirir pessoas que devam depor numa audiência de julgamento através de videoconferência tenha, sequer, uma vaga ideia sobre o que seja julgar.
Esta dúvida assalta-me sempre que tenho de ouvir alguém por esse meio.
Julgar matéria de facto, ou seja, em termos simples, tomar uma decisão sobre o que é verdade e o que é mentira, constitui, muitas vezes, tarefa complicadíssima.
Não obstante as testemunhas terem o dever legal de dizer a verdade e o incumprimento desse dever constituir crime, quem anda pelos tribunais sabe como é. Quantas vezes aparecem 5 testemunhas afirmando uma coisa e outras 5 afirmando exactamente o contrário? Ou 5 testemunhas afirmando a maior das mentiras e 1 ou 2 testemunhas dizendo a verdade? É o pão-nosso de cada dia. A vida é o que é e nós somos o País que somos ou, talvez melhor, estamos o País que estamos.
Separar a verdade da mentira é, dizia eu, tarefa dificílima para quem julga, sabido, como é, que os juízes não passam de homens e mulheres entre cujas capacidades não se conta, seguramente, a de adivinhar.
Ora, se é extremamente difícil, tantas e tantas vezes, separar a verdade da mentira quando os depoimentos são prestados na presença do juiz, essa dificuldade aumenta se a testemunha está a ser inquirida através de videoconferência. É inevitável.
A própria testemunha, se estiver disposta a mentir, sentir-se-á muito mais à vontade para o fazer fora do ambiente da sala onde decorre a audiência de julgamento e longe do juiz que dirige esta última.
E se isto já seria assim com um sistema de videoconferência de boa qualidade, que dizer daquilo que actualmente se passa, aqui descrito? Em que o juiz, frequentemente, mal vê e ouve o seu interlocutor?
O mesmo é dizer que o sistema de videoconferência actualmente instalado nos tribunais portugueses aumenta, de forma significativa, a margem de erro inerente à actividade de julgar, tão humana e, por isso, a este último tão sujeita quanto qualquer outra, não obstante todo o esforço que o juiz faça.
Já alguém pensou em encarar este problema com frontalidade?
Ou será que, bem vistas as coisas, sou eu que estou a ser esquisito e essa coisa da verdade material já pouco importa?