2012-02-22

ATÉ SOBRAM PEÇAS!

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São tantos os aspectos negativos do auto-denominado “Ensaio para reorganização da estrutura judiciária”, que é difícil arranjar uma ponta por onde se lhe pegue. Bem podia ter-se-lhe chamado “Ensaio para a liquidação da estrutura judiciária”, pois, a ser implementado na prática, será esse o seu efeito.
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Vou referir-me a uma das suas conclusões mais absurdas, que, não obstante, foi imediata e lamentavelmente aproveitada para fins de propaganda política: a de que – milagre dos milagres! –, o dito “Ensaio” tinha feito a prodigiosa descoberta de que afinal, considerando apenas aquilo que é o movimento normal dos tribunais portugueses, há 300 juízes a mais. Trezentos!
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Isto daria para rir se o assunto não fosse tão sério.
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Perante um resultado tão inesperado, tão absurdo, não terá passado pela cabeça de alguém que as contas deviam estar mal feitas? Que, em vez de correrem para televisões e jornais exultando com a grande descoberta que tinham acabado de fazer, seria mais prudente reverem os pressupostos do “Ensaio” e, se continuassem a obter o mesmo resultado, falarem com quem lhes poderia dar uma ajuda a refazer as contas e assim evitarem o triste espectáculo de propaganda sem sentido a que se assistiu?
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Este episódio faz-me lembrar a historieta do relojoeiro que era tão bom, tão bom, tão bom, que desmontava um relógio avariado, reparava-o e ainda lhe sobravam peças. Quem fez o “Ensaio” deve ter achado que possui artes semelhantes às do dito relojoeiro.
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A reforma da organização judiciária começa, pois, muito mal. Por este andar, arrisca-se a ir engrossar esta lista.
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2012-02-19

ENSAIO NULO

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Quanto mais leio o “Ensaio para reorganização da estrutura judiciária”, mais decepcionado fico.
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É evidente a necessidade de se fazer uma reforma da organização judiciária que passe pela racionalização de meios humanos e materiais, que nunca são suficientes e ainda mais escassos serão daqui em diante devido à situação económica e financeira crítica a que o nosso país foi conduzido e aos sacrifícios que todos teremos de fazer se queremos, um dia, sair dela. De modo algum alinho com aqueles que, ainda que sem o assumirem claramente, apenas querem que tudo fique na mesma. No estado em que Portugal se encontra, nada pode ficar na mesma.
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Não menos evidente é, para mim, que qualquer reforma da organização judiciária terá de passar pela eliminação de alguns tribunais e pela especialização, que são duas das linhas fundamentais da reforma que se pretende fazer. Escrevi-o aqui e aqui, já lá vão mais de seis anos, e não retiro uma linha.
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Contudo, a qualidade técnica do “Ensaio” é de tal forma fraca, a todos os níveis, que, se a reforma da organização judiciária que se pretende fazer se basear nele, vai ser um fracasso. E vai ser um fracasso, não só por não alcançar os seus objectivos, mas, sobretudo, porque vai piorar aquilo que está, à semelhança daquilo que aconteceu com a acção executiva, há alguns anos alvo de uma reforma tão optimista quanto desastrada, cujo preço a economia portuguesa está e continuará a pagar bem caro.
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Se estivéssemos numa prova de atletismo, seria claramente ensaio nulo. Tentem outra vez, que esta não valeu.
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2012-02-03

VRP0123456789


Pensei em vários títulos possíveis para esta primeira mensagem sobre o “Ensaio para reorganização da estrutura judiciária”, mas nenhum me pareceu suficientemente adequado quando está em causa um documento que revela, da parte de quem o elaborou, uma absoluta falta de visão de tudo aquilo que não seja números. Acabei por escrever aquela coisa sem sentido que está lá em cima, que reflecte a essência do “Ensaio”: números e VRPs, não passando tudo o mais de meros pormenores alegadamente tidos em conta na medida do possível.
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Mas já que é assim, se os números é que interessam, então vamos a eles. Não aos irrealistas VRPs, mas a números bem reais e, talvez por isso, ignorados pelo “Ensaio”. Como é meu hábito, nomeadamente quando escrevo sobre organização judiciária, falarei apenas daquilo que conheço bem, seguramente muito melhor que os autores do “Ensaio”: Beja.
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Os números:
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Área do distrito de Beja: 10.223 km2 (é o maior distrito português em área).
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Algumas distâncias que o “Ensaio” parece ter ignorado, bem como o tempo e o custo aproximados das viagens, tudo segundo o Mapa Michelin, a que aquele documento recorreu:
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Beja – Odemira: 107 km, 1 hora e 35 minutos, € 11,10;
Santiago do Cacém – Odemira: 56 km, 1 hora e 4 minutos, € 7,07;
Beja – Vila Nova de Milfontes: 123 km, 1 hora e 51 minutos, € 12,54;
Moura – Odemira: 165 km, 2 horas e 28 minutos, € 17,41.
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Actualmente, o Círculo Judicial de Beja, que já é o mais extenso de Portugal, não inclui a comarca de Odemira. Esta faz parte da NUT do Alentejo Litoral, de cuja sede, Santiago do Cacém, se encontra a uma distância que é cerca de metade daquela a que se encontra de Beja. A comarca de Odemira tem tudo em comum com as restantes comarcas da NUT de que faz parte (Alentejo Litoral): todas elas comarcas costeiras, geograficamente próximas, com vias de comunicação entre si muito melhores que aquelas que as ligam a Beja e cujos fluxos populacionais se desenvolvem ao longo da costa e não para o interior.
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O “Ensaio”, incapaz de se desviar da referência do distrito administrativo mesmo quando os resultados são absurdos, extingue a NUT do Alentejo Litoral e inclui Odemira na nova comarca de Beja. Fica muito longe? Demora muito tempo? As pessoas gastam um dinheirão em transportes? Não há transportes públicos em horários compatíveis com os dos tribunais? Paciência, parece ter sido a resposta dos autores do “Ensaio”. Desenrasquem-se…
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Para um "ensaio" de reforma da organização judiciária feito em nome de uma alegada simplificação e racionalização e em que se diz ter havido a preocupação de “privilegiar a proximidade ao cidadão, sempre que possível”, dificilmente se podia ter feito pior.
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