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2025-01-20

A «Reforma Penal Casa Pia» segundo o Director Nacional da Polícia Judiciária


Uma parte interessante desta intervenção do Director Nacional da Polícia Judiciária foi omitida pelos jornais. Transcrevo-a:

«Eu apanhei, como director, no início da minha carreira como dirigente, o «Código de Processo Penal Pós Casa Pia», 15 de Setembro de 2007, em que se levou à libertação de muita gente, e que, a partir daí, 2008, 2009, foram anos de grande actividade criminosa violenta.

Eu vou apenas dizer aqui os números, desde 2005:

2005: 15.000 crimes. 2006: 13.000-14.000. 2010: 24.500 crimes violentos. 2011: 24.000. Depois, começou a baixar, até que andamos agora na ordem dos 12, 13, 14.000.»

Como director de uma polícia, Luís Neves sabe bem do que fala. Escrevi, em devido tempo, acerca dos mais que previsíveis efeitos negativos da malfadada «Reforma Penal de 2007», também conhecida, por razões óbvias, por «Reforma Penal Casa Pia», (link 1, link 2, link 3, link 4, link 5). Não me enganei nessas previsões.


2025-01-18

A intervenção do Director Nacional da Polícia Judiciária


A intervenção do Director Nacional da Polícia Judiciária, Luís Neves, numa conferência ontem realizada, vem merecendo enorme destaque em todos os canais de televisão e jornais nacionais.

Transcrevo a notícia da LUSA:

O diretor nacional da Polícia Judiciária (PJ), Luís Neves, afirmou esta sexta-feira que o sentimento de insegurança é gerado pelo aumento da desinformação e ameaças híbridas, salientando que os números de criminalidade violenta desmentem essa ideia.

Falando em Lisboa na conferência sobre os 160 anos do Diário de Notícias, subordinado ao tema "O Portugal que temos e o que queremos ter", Luís Neves criticou a imagem de que o país está numa situação "sem rei e sem roque" no que à segurança diz respeito, contestando a "polarização da discussão" em torno do tema, arrancando aplausos da plateia.

"Estamos a assistir a um momento de desinformação, 'fake news' e ameaças híbridas e é isso tudo que leva a fundamentar a perceção de insegurança", afirmou o dirigente, colocando também a responsabilidade nos media por esse sentimento.

"Temos hoje vários canais de televisão que passam uma e outra vez aquilo que é notícia de um crime", explicou, reconhecendo que isso vem "criar uma ideia de insegurança que não tem a ver com a insegurança plena do crime" existente do ponto de vista estatístico.

Luís Neves lembrou os "ataques aos ATM com explosivos" ou o "programa posto de abastecimento seguro", criado por causa dos assaltos existentes.

"Alguém se recorda dos anos 80 e 90 do consumo de heroína em que não havia família que não tivesse um familiar que tivesse sofrido?" Ou "Arroios e Intendente em que não se poderia lá entrar?" -- questionou o diretor da PJ, acrescentando ainda: "Querem comparar esses períodos com o período que hoje em que vivemos e dizer que hoje é que é mau?"

Luís Neves recordou números de 2009, quando se verificaram 888 ataques a carinhas de segurança e transportes de valores, bancos ou postos de combustíveis.

"Hoje não temos 4% desses ataques", disse.

Hoje, o motivo para a detenção - cumprimento de pena ou prisão preventiva - tem como crime mais comum o furto simples e qualificado, seguido da violência doméstica, explicou o dirigente da PJ, que também recusou a ideia de que os estrangeiros sejam responsáveis por níveis relevantes de criminalidade.

"Em 2009 tínhamos 631 estrangeiros" num universo de 400 mil imigrantes e no ano passado, perante mais de um milhão de estrangeiros residentes em Portugal, o "rácio de detidos é o segundo mais baixo" desde que há este tipo de contabilidade, explicou.

Sobre os estrangeiros e a criminalidade, Luís Neves distinguiu os casos que estão relacionados com "organizações criminosas transnacionais, cibercrime ou estupefacientes", bem como "criminalidade contra o património" que tem conexões internacionais.

"Não são imigrantes" os envolvidos nesses casos, explicou, salientando ainda que Portugal é porta de entrada da UE para quem vem da América Latina e África e as prisões portugueses refletem a presença de "mulas" de transporte de droga que, normalmente, "são pessoas pobres".

"Prendemos por ano [este tipo de casos] às dezenas e às vezes às centenas", explicou.

Olhando para os detidos em Portugal, Luís Neves salientou que, excluindo os oriundos de países europeus, africanos e latino-americanos – que estão relacionados com crimes que nada têm a ver com imigrantes –, os valores são muito baixos.

Nas prisões portuguesas há 120 pessoas de países asiáticos num universo de mais de 10 mil reclusos, explicou.

"Qualquer número de crime é um número preocupante e é um número que nos faz a todos pensar quais são os melhores modelos para mitigarmos" a criminalidade, em particular a criminalidade violenta, salientou ainda.

Confrontado por jornalistas, o diretor da PJ admitiu que é necessário controlar quem está cá: "os Estados de receção dos imigrantes têm o direito e, mais do que o direito, têm a obrigação de saber quem cá está, porque sabendo-se quem cá está, as políticas públicas de integração e todas as outras que são instrumentais ou adjacentes a essa integração ficam beneficiadas", bem como o "próprio imigrante".

Este tipo de pessoas "muitas vezes é vítima das garras dos traficantes de pessoas, dos tráficos de seres humanos, das organizações criminosas e da imigração ilegal", afirmou.

E com informação atualizada, essas redes "deixam de ter área para explorar estas pessoas", acrescentou.

O Director Nacional da Polícia Judiciária não é uma pessoa qualquer. Pela natureza da sua função, é uma das pessoas com acesso a mais e melhor informação acerca da criminalidade em Portugal. Certamente por isso, as suas declarações estão a ser divulgadas, não como mera opinião, mas como fonte da verdade sobre aquele tema e prova de que, quem afirma que Portugal enfrenta sérios problemas em matéria de criminalidade, ou tenta estabelecer alguma conexão entre esta e a actual vaga de imigração, está errado. Parece que nem sequer vale a pena voltar a falar de qualquer destes assuntos: a verdade foi dita e nada mais há a fazer que aceitá-la.

Não é assim. Algumas das afirmações atribuídas pela comunicação social ao Director Nacional da Polícia Judiciária são, no mínimo, discutíveis. Servirão de mote para algumas notas que aqui irei inserindo, à medida que, para tanto, tenha oportunidade. Hoje, fica apenas o registo do acontecimento.


2025-01-02

Negacionismos (2)


A polémica gerada pela recente «operação especial de prevenção criminal» realizada na zona do Largo de Martim Moniz vai de vento em popa.

De um lado, estão aqueles que consideram que Portugal está com problemas muito sérios em matéria de criminalidade e, coerentemente, afirmam que a operação realizada no Martim Moniz tem inteira justificação e que operações dessa natureza devem realizar-se com regularidade.

Do lado oposto, estão aqueles que consideram que Portugal é um país seguro, sem problemas em matéria de criminalidade, e que, também coerentemente, afirmam que operações como aquela que foi realizada no Martim Moniz carecem de justificação. Afirmam também que a operação realizada no Martim Moniz visou causar danos a determinada comunidade de imigrantes, mas trata-se de uma acusação tão ridícula, que a deixarei fora da equação.

No meio, estão aqueles que, considerando embora que Portugal é um país seguro em matéria de criminalidade, sustentam a necessidade da realização regular de operações policiais daquela natureza. A coerência deste posicionamento não é tão patente quanto a daqueles que acima foram descritos, mas não é difícil de fundamentar: estamos bem em matéria de criminalidade, mas, para assim continuarmos, devemos tomar medidas preventivas, sendo uma delas a realização de operações semelhantes àquela que teve lugar no Martim Moniz.

Para mim, é evidente que a razão está do lado dos primeiros. Portugal enfrenta problemas muito sérios em matéria de criminalidade, com tendência para piorarem muito rapidamente, nomeadamente com o surgimento, cada vez mais frequente, de situações de pontual descontrolo. Os motins ocorridos no passado mês de Outubro constituíram o mais recente alerta de que Portugal e, em particular, a sua capital, vivem sobre um verdadeiro barril de pólvora, pronto para explodir assim que surja uma fonte de ignição, como foi o caso da morte de Odair Moniz. Fazer de conta que está tudo bem em matéria de criminalidade constitui, por isso, um fenómeno de negacionismo, como aqui afirmei.

Curiosa é, no meio desta polémica, a acesa confrontação entre negacionistas. Todos jurando, a pés juntos, que Portugal é um dos países mais seguros do mundo em matéria de criminalidade, mas preconizando políticas diametralmente opostas. Como pano de fundo, uma realidade que diariamente desmente todos eles, como foi o caso do tiroteio há dias ocorrido em Viseu.


2024-12-07

Negacionismos (1)


A questão que aqui enunciei era, obviamente, mera retórica. Nunca menosprezo a lata das pessoas que referi.

Como era previsível, mantém-se a narrativa oficial de que Portugal é um país seguro. Um dos mais seguros do mundo, imagine-se.

Entrámos, decididamente, no domínio do negacionismo em matéria de criminalidade. A caminho do abismo, mas sem alarmismo!


2024-10-21

Prisões: por que ponta pegar?


O sistema prisional de um país não passa de um elemento, fundamental é certo, do sistema de justiça penal. Deve, por isso, ser configurado de forma a adequar-se ao cumprimento dos fins que a lei penal aponta à pena de prisão.

Por aquilo que aqui afirmei, o Direito Penal português precisa de ser repensado, se se quiser que ele volte a ser levado a sério. O que, a acontecer, teria de se repercutir sobre a configuração do sistema prisional.

Porém, não podemos estar à espera disso, desde logo porque é altamente improvável que haja lucidez, saber, vontade e coragem para empreender tal tarefa. O estado deplorável a que o poder político deixou o sistema prisional chegar impõe urgência na tomada de medidas «mínimas» que evitem que este entre em ruptura.

Por onde pegar, então, neste imenso problema?

Por aquilo que se mostre necessário em qualquer quadro jurídico-penal. A saber, aumentar a capacidade do sistema prisional, reforçar a segurança das prisões e melhorar substancialmente as condições em que os reclusos cumprem as suas penas. Ou seja, construir novas prisões, adequadas às actuais exigências, e reabilitar as existentes. E com urgência. Para mais quando o encerramento do Estabelecimento Prisional de Lisboa, que é o que alberga o maior número de reclusos em Portugal, está para breve.

Já não existe margem para mascarar o problema com os truques habituais. A evolução da criminalidade no nosso país não se compadece com a reiteração da concessão de medidas de clemência, ou com sucessivas alterações legislativas de pendor laxista, entenda-se, cada uma mais laxista que a anterior. Laxismo sobre laxismo só poderá conduzir à falência do Estado enquanto garante da segurança pública e protector dos mais fracos contra a violência dos mais fortes. Quando o Estado recua no combate ao crime, é este que avança, ocupando o território por aquele deixado livre. Em vez disso, impõe-se reafirmar a autoridade do Estado, com a maior firmeza possível.


2024-09-20

O «Manifesto dos 50»

 

Um grupo de 50 cidadãos subscreveu um manifesto com a sua visão sobre o estado do nosso sistema de justiça, finalizando-o com algumas ideias, demasiadamente genéricas para poderem ser consideradas propostas, apelando à «resolução dos estrangulamentos e das disfunções que desde há muito minam a sua eficácia e a sua legitimação pública».

Os temas que o manifesto considera que merecem preocupação e justificam o «sobressalto cívico» que o mesmo encerra são os seguintes:

- Morosidade processual;

- Quebra do segredo de justiça;

- Mediatização de intervenções do Ministério Público contra agentes políticos;

- Colocação cirúrgica de notícias sobre investigações em curso;

- Graves abusos, em sede de investigação criminal, na utilização de medidas fortemente restritivas dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, nomeadamente:

- Proliferação de escutas telefónicas prolongadas;

- Buscas domiciliárias injustificadas;

- «Detenções preventivas» precipitadas e de duvidosa legalidade.

Salta à vista que, com excepção da genérica questão da morosidade processual, esta distinta lista de temas pouco tem a ver com as preocupações do cidadão comum em relação à criminalidade e ao sistema de justiça, mormente da justiça penal. Tem, sim, tudo a ver com factos ocorridos com alguns dos subscritores do manifesto e/ou pessoas que lhes são próximas.

O que, diga-se, nada tem de mal. É natural que cada um se queixe daquilo que o incomoda, ou que incomoda os seus. Porém, quem se queixa de dores próprias, ou de outrem porque lhe é próximo, deve assumi-lo, em vez de se arvorar em representante ou porta-voz do «Povo» (mencionado, em letra maiúscula, logo no 2.º parágrafo) ou da «sociedade portuguesa» (invocada no ponto 7). O manifesto pouco ou nada tem a ver com o povo, seguramente mais preocupado com temáticas criminais menos sofisticadas, como a de saber se, quando sai de casa, será assaltado ou, quando a ela regressar, a verá assaltada. Ou se os seus filhos serão agredidos ou assaltados na escola ou no caminho entre esta e a sua casa. Ou se o automóvel que anda a pagar em dolorosas prestações é furtado ou vandalizado.

Não surpreende, assim, a omissão de referência, no manifesto, à insegurança nas ruas e nos transportes públicos, ou à necessidade de um mais intenso e eficaz combate à criminalidade, cada vez mais violenta e organizada. Enfim, aos problemas relacionados com a criminalidade que, estou certo, são os que preocupam a generalidade da população residente no nosso país, em particular aquela que habita e/ou trabalha em zonas menos selectas.


2024-08-29

A descrença na justiça penal


Parece-me que, em Portugal, estamos muito perto disto.

O nosso sistema jurídico-penal não é para levar a sério e, efectivamente, não o é.

Não tanto por causa de questões como as escutas, a violação do segredo de justiça ou outros que, quem pode, coloca na agenda político-mediática de tempos a tempos, em função das peripécias que vão ocorrendo numa dúzia de processos judiciais mais mediatizados.

Fora dessa bolha, o cidadão comum, que não reside nem trabalha em «zonas protegidas» e tem de se deslocar diariamente em transportes públicos, tem um justificado sentimento de descrença na justiça penal e a não menos justificada convicção de que a severidade da punição fica geralmente muito aquém da gravidade do crime e de que, mesmo quem comete crimes graves, não passará muito tempo na prisão.

Sentimento e convicção estes que, como é sabido, levam a que as vítimas não denunciem a prática de inúmeros crimes. Quanto maior for a descrença na justiça penal, maior será a percentagem de crimes não denunciados, falseando as estatísticas sobre a criminalidade. Isto para gáudio de quem tem governado Portugal ao longo das últimas três/quatro décadas, que, à indisfarçável realidade, sempre opôs números que com esta pouco tinham a ver, assim negando a existência de problemas ao nível da criminalidade, por mais óbvios que estes fossem. É um círculo vicioso: descrença no sistema penal – aumento das cifras negras – maior desfasamento das estatísticas sobre criminalidade em relação à realidade – ausência de medidas de combate à criminalidade – aumento da criminalidade… e voltamos ao princípio. 

Do lado dos criminosos, existe um generalizado sentimento de impunidade, de que aqui falei repetidamente ao longo dos anos e que só tem aumentado. Cada vez há mais criminosos, que fazem o que lhes apetece. Isso vê-se nas ruas, nos bairros, nos transportes públicos. Com frequência, entra-nos casa adentro, literalmente. Já nem o Governo escapa.


2024-07-30

Aumentar o policiamento: o penso rápido.


A criminalidade aumenta? O cidadão pacato e cumpridor sente-se inseguro quando sai à rua, quando está numa superfície comercial, até mesmo quando está em casa? A reivindicação dos autarcas é sempre a mesma: mais policiamento. À qual o/a ministro/a da administração interna que estiver em funções poderá reagir de várias formas:

1 – Reconhecer que o problema existe e aumentar o policiamento nos locais onde a crise se verifica;

2 – Reconhecer que o problema existe, prometer aquele aumento, mas nunca o concretizar, com a esperança de que o problema desapareça espontaneamente ou de que o cidadão pacato e cumpridor se habitue à sua nova forma de vida (não sair de casa sem antes ir à janela ver como está o ambiente na rua, sair sem ostentar objectos que possam despertar a cobiça alheia, olhar permanentemente em redor e voltar para casa o mais depressa possível, preferencialmente antes de escurecer) e deixe de reclamar;

3 – Negar a existência do problema, sendo optativo aproveitar a ocasião para dissertar – ou mandar alguém fazê-lo – acerca da distinção entre insegurança e sentimento de insegurança (escrevi sobre isto em 2008 – link);

4 – Ignorar olimpicamente o pedido de mais policiamento.

Na melhor das hipóteses, a opção será, obviamente, a primeira. Contudo, importa ter em mente que o reforço do policiamento em determinado local não passa de uma medida pontual e necessariamente transitória, que não resolve verdadeiramente o problema da insegurança. Trata-se de uma espécie de penso rápido: protege a ferida, mas, nem dispensa o tratamento desta, nem pode lá ficar para sempre.

Perante o aumento do policiamento em determinado local, aquilo que acontecerá, na melhor das hipóteses, será a deslocação dos elementos causadores de insegurança para outro. Aí, reinicia-se o ciclo descrito, com outra localização. Como, ao contrário dos pensos rápidos, as forças de segurança são escassas, o reforço do policiamento na nova localização implicará, inevitavelmente, a diminuição deste na anterior, ou numa das anteriores. Daí a apontada similitude com o penso rápido também no que toca à provisoriedade, embora por razões diferentes.

E nada mais poderá fazer o/a ministro/a da administração interna. Ou seja, na realidade, pouco pode fazer.

O problema da insegurança em Portugal é muito mais profundo e, no que à lei diz respeito, tem as suas raízes na década de 80 do século XX, quando se fez um Código Penal que se quis em linha com o que de mais vanguardista existia à época («à la pointe même du progrès», como se ufanava o legislador no respectivo prefácio), mas que se mostrou absolutamente inadequado às especificidades e às necessidades do nosso país. A isso, acresce a desactualização do ideário jurídico-penal em que assenta, face a um país (e a uma Europa, e a um mundo) em vertiginosa mudança, seguramente para pior em matéria de insegurança. As sucessivas e, por vezes, erráticas alterações a que tem sido sujeito, não resolveram os problemas referidos. Em algumas matérias, agravaram-nos.

É claro que o problema da insegurança tem múltiplos factores na sua origem. Não se resolve com mudanças legislativas, longe disso. Não obstante, a lei tem de cumprir a sua parte. A lei penal (na sua globalidade) de um país tem de se adequar às especificidades e corresponder às necessidades deste em cada momento. É isto que o Código Penal de 1982 nunca conseguiu (escrevi sobre isto em 2011 – link).

O essencial do problema da insegurança não pode, pois, ser resolvido pelo Ministério da Administração Interna. No que à legislação respeita, é assunto para a Assembleia da República. Agora, que tanto se fala novamente na necessidade de uma reforma da justiça, aproveitem para fazer uma reforma penal a sério, em vez de se limitarem a fazer a habitual meia dúzia de remendos legislativos, que hão-de resolver tanto quanto os anteriores, ou seja, nada.


2012-09-19

Reincidência, essa desconhecida (2)


Li, há tempos, um artigo da jornalista Valentina Marcelino, publicado no Diário de Notícias de 20.06.2012, sobre um problema grave que aqui tenho abordado recorrentemente desde há vários anos: a inexistência de estudos credíveis sobre a criminalidade em Portugal - LINK.

O título é sugestivo: «Estado desconhece número de criminosos reincidentes».

O artigo mistura repetidamente dois problemas distintos: o da ausência de estudos sobre criminalidade, indispensáveis para uma definição racional da política criminal e da actividade legislativa, por um lado, e o do conhecimento, em cada processo, dos antecedentes criminais do(s) arguido(s), por outro. Uma coisa nada tem a ver com a outra. São problemas diferentes, a sua resolução depende de instrumentos diferentes, as finalidades da informação obtida são diferentes, tal como são diferentes os destinatários dessa mesma informação.

Quase no final do artigo, Laborinho Lúcio, respondendo à pergunta sobre a importância de conhecer a reincidência criminal, distingue claramente os dois problemas, assim: «É indispensável em dois planos. O primeiro, no que toca à definição das políticas criminais. Por um lado, é o conhecimento daquela taxa que permite avaliar o resultado das medidas de política entretanto adotadas para combater o crime e a sua repetição pelo mesmo agente; por outro lado, é a partir desse conhecimento que é possível definir estratégias e objetivos concretos em sede de intervenção, seja no plano legislativo seja no das práticas ligadas à execução das penas. O segundo plano é aquele que toca já a intervenção judicial, nomeadamente em matéria de condenação criminal.»

Neste momento, interessa-me apenas o primeiro problema: a falta de estudos sobre criminalidade. Destaco as partes que, nesta perspectiva, considero mais interessantes:

«Numa altura em que o Governo quer mudar as leis penais, peritos alertam para o desconhecimento por parte do Estado das taxas de reincidência criminal, que medem a eficácia das medidas.»

«O Estado português não sabe quantos criminosos voltaram a reincidir, nem porquê, nem o seu perfil. (…) Não há estudos nem contas sobre os custos da reincidência. Especialistas alertam para esta falha, quando o Governo quer alterar as leis penais. Conhecer a reincidência é fundamental para saber se as penas aplicadas produziram o objetivo principal: evitar que condenados voltem a cometer crimes.»

«Numa altura em que estão em cima da mesa novas propostas de alteração ao Código Penal e ao Código de Processo Penal, por parte do Governo, estas decisões são tomadas sem base científica e no meio da total ignorância quanto à eficácia das medidas tomadas.»

“Que criminosos mais reincidem e que tipo de penas são mais eficazes? A pulseira eletrónica evita mais ou menos a reincidência que a prisão? Que resultados em concreto têm os programas de prevenção e reinserção social? De que prisões são os reclusos com maior taxa de reincidência e porquê? E quanto custa ao Estado a reincidência? Não há resposta a estas perguntas. Foi gasto dinheiro público na prisão (cada recluso custa, em média, 14 600 euros por ano), mas quando volta a reincidir, não só o dinheiro foi desbaratado, como a segurança não melhorou.»

«O Ministério da Justiça admitiu ao DN que "a informação sobre reincidência criminal resulta de um trabalho específico e pontual de estudo e de avaliação é datada e parcial, destinando-se a avaliações internas, uma vez que não se procede ao registo, em base de dados, desta variável". E, acrescenta, "as taxas de reincidência apresentam, por norma, valores estáveis e de longa duração". O último destes estudos, genérico, já tem cinco anos e fixou a taxa em 29%. Mas não é conhecido o perfil das reincidências. Em 2003, a Provedoria de Justiça fez uma avaliação profunda das prisões e apresentou uma taxa de reincidência de 51%.»

Acrescento eu: Apesar de estar tudo, ou quase tudo, por fazer a este nível, a reforma do Código Penal e do Código de Processo Penal segue dentro de momentos. Mais uma e de novo às cegas, à semelhança da de 2007, de muito má memória.

2008-07-17

Segurança

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Paula Teixeira da Cruz:

(...)

No meio de tudo isto, começa a ser verdadeiramente incompreensível a passividade do Governo perante a violência diária: da máquina do multibanco arrancada de um tribunal a agressões a juízes e conflitos com armas de fogo, passando pelo já vulgarizado carjacking.

Onde anda o Governo? Sempre que há um problema na sociedade portuguesa o Governo espera que ele passe e como nada – mas nada – há que não passe... passará. A que custo? O que é preciso fazer para tirar o Governo das doses de Xanax que o mergulham numa letargia profunda sempre que há um problema?

Há tanta coisa a fazer: basta começar por ter bom senso e falar verdade. Os problemas estão diagnosticados, é só dar-lhes os antibióticos adequados. Deixar uma sociedade doente e em tensão sem tratamento, à espera que a doença passe, pode levá-la ao coma profundo.

Texto integral: LINK

2008-07-15

Violência urbana

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Vamos ter de chegar a ISTO?

É para aí que caminhamos, disso não tenho a menor dúvida.


2008-07-14

Malditas filmagens

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A situação de conflito inter-étnico ocorrida num bairro de realojamento em Loures no passado dia 11 está, muito justamente, a causar grande alarme social.

Nesse dia, de forma súbita, o jantar de quem tem por hábito acompanhar esta refeição com um telejornal foi violentamente apimentado com uma cena que mais parecia uma carga de infantaria num cenário de guerra.

Que diabo, então não vivemos no país mais seguro do mundo e arredores (para aqueles que ainda acreditam nos números e no discurso oficiais sobre a criminalidade em Portugal, entre os quais eu não me conto)? Aquilo só podia ser lá para as bandas do Iraque, ou do Líbano, ou do Afeganistão, ou do Sudão. Ou em alguma favela mais complicada do Rio de Janeiro.

Mas não, era aqui mesmo ao pé de nós, a dois passos de Lisboa.

Lá vieram as inevitáveis reacções das «forças vivas da Nação», umas certeiras, outras a rematarem ao poste, outras ainda a cortarem para canto, fugindo ao problema e insistindo nos habituais lugares comuns.

Houve quem insistisse na natureza excepcional da situação. Concordo com a qualificação. Realmente, tratou-se de uma situação excepcional.

Porém, foi excepcional pela mesmíssima razão por que o foi a agressão de uma professora por uma aluna numa escola secundária do Porto ocorrida há escassos meses: porque foi filmada. Não porque tenha sido o primeiro acontecimento do género. Basta andar atento e ver aquilo que está a passar-se à nossa volta.

Estamos, portanto, perante um fenómeno novo, mas esse fenómeno não são os conflitos inter-étnicos ou a criminalidade violenta em geral: é cada vez mais cidadãos anónimos terem ao seu dispor meios para filmarem situações que habitualmente são abafadas em homenagem à piedosa intenção de aparentar que Portugal é um país muito muito muito seguro, sem tensões sociais relevantes, com uma criminalidade insignificante, enfim, ainda com uns costumes, apesar de tudo, brandos (pois é, a tentação de mascarar a face desagradável da realidade quando se está no poder toca a todos).

A força da imagem impõe-se, por muito que isso incomode alguns.

Quando eu era miúdo, havia um «cantor de intervenção» que vociferava que «a cantiga é uma arma».

Hoje, a cantiga é outra: a câmara de filmar é uma arma!


Violência urbana

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Francisco Moita Flores: “Isto [a violência] não vai parar. São os sinais de pequenas granadas de mão a estoirar até que haja uma grande explosão como a que aconteceu em Paris”. “São uma réplica, são manifestações que se vêm repetindo e que têm que ver com fenómenos de auto-exclusão e guetização que formam estas pequenas ilhas”.

André Freire destaca o funcionamento da justiça como estando na base dos fenómenos violentos. “A justiça, ou porque leva muito tempo a produzir decisões ou porque não apura responsáveis, cria um sentimento de crise de autoridade do Estado.” Um incentivo à criminalidade porque “o aparelho policial/judicial não é capaz ou tem dificuldade em punir”, acrescenta o investigador do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do ISCTE.

Texto integral: LINK

2008-07-13

Oeste em Loures

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Eduardo Dâmaso, no Correio da Manhã de hoje:

«O que se passa em Loures é o resultado da inexistência de políticas de integração – reduzidas a um conjunto de programas governamentais em que dominam os burocratas e a rapaziada colocada por mero critério político e não de competência.

É o resultado de sinais desastrosos que foram dados pela recente alteração das leis penais, desvalorizando o necessário exercício da autoridade democrática do Estado.

Em vez de se optar por uma lógica e uma cultura judicial que tenha meios, escolheu-se o caminho de um garantismo suicida em nome de uma alegada protecção de direitos fundamentais. Não nos iludamos: ainda só estamos a começar o caminho de um enorme descalabro.»

Texto integral: LINK

2008-06-26

Juízes e polícia agredidos na sala de audiências

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Na sequência da leitura de um acórdão, alguns arguidos e respectivos familiares que assistiam à audiência de julgamento dirigiram-se aos juízes e agrediram dois deles, bem como um polícia.

Aconteceu ontem, no Tribunal Judicial da Comarca de Santa Maria da Feira.

Neste momento, não me ocorre acrescentar seja o que for àquilo que por aqui venho desabafando desde que criei este blog. O que agora se passou era previsível, como o são as próximas etapas desta escalada.

Por isso, apenas deixo aqui os links, quer para as minhas mensagens anteriores directamente relacionadas com esta problemática, quer para a reprodução de alguns dos artigos que, sobre o assunto, hoje vieram na imprensa.

Só para que aqui fique registado mais este triste passo de uma desgraçada caminhada.

Minhas mensagens anteriores:
- Segurança dos juízes - link
- Balbúrdia na Costa Oeste - link

Imprensa de hoje:
- Juízes e polícia agredidos no tribunal - link
- Tribunal improvisado acaba em palco de cena de violência - link
- Juízes agredidos em Santa Maria da Feira após leitura de sentença - link
- Tribunais/Feira: Julgamentos suspensos fora do tribunal-armazém - link

2008-06-08

Portugal não tem políticas de segurança fundadas no conhecimento científico sistemático

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Deu-me hoje para recordar uma entrevista concedida por CÂNDIDO DA AGRA, Professor Catedrático de Psicologia e Criminologia da Universidade do Porto, ao Diário de Notícias.

Tem quase 3 anos, mas creio que ninguém porá em causa a sua actualidade.

É uma entrevista com respostas frontais, esclarecedoras e, sem dúvida, livres de «lugares comuns que soam bem».

Deixo aqui alguns excertos:

«(As políticas de segurança em Portugal) são definidas com base em pressões da opinião pública, mediáticas ou de grupos de interesses, e não através da racionalidade baseada em estudos sobre crime e segurança.»

«Lamentavelmente, não temos políticas fundadas no conhecimento científico sistemático.»

«Os problemas da criminalidade são muito sérios e os governos demitem-se dos seus deveres para com os cidadãos nesta matéria. Demitem-se ou funcionam com base em esquemas já ultrapassados. Os problemas actuais da criminalidade e as suas transformações exigem, da parte dos governos, instrumentos rigorosos e permanentes de análise. Os governos não podem mais demitir-se. Não podem mais dizer às pessoas, que têm direito à segurança, que se arranjem com o mercado da segurança privada.»

«Neste momento há um aumento das bolhas de segurança, que são as grandes superfícies comerciais, onde as pessoas se refugiam. A rua, o espaço público, tornou-se uma selva. E nós temos direito à liberdade, ao espaço público.»

«Esta matéria é de tipo sísmico. A sociedade actual vive por cima de magma ardente. Lidamos com coisas fundamentais, que fazem parte da estrutura antropológica: o crime, a lei, o desejo. Não são fenómenos sociais que vão e voltam. Donde precisamos de uma permanente sismografia. A nossa vida decorre em permanente actividade vulcânica e sísmica.»

Entrevista integral AQUI.

2008-05-22

Falhou a prevenção da criminalidade


José Luís Fernandes, Professor do Centro de Ciências do Comportamento Desviante do Porto:

"Os crimes são cada vez mais violentos em Portugal e as autoridades pouco têm feito para os evitar."

"Há décadas que a criminalidade tem vindo a aumentar no nosso país e pouco se tem feito para inverter o sentido crescente da violência."

"Neste momento, as autoridades não estão preparadas para enfrentar o problema da criminalidade."

"Tem havido um certo laxismo e, sobretudo, falta de leitura sociológica."

LINK


2008-05-19

Insegurança? Qual insegurança?

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3 assaltos a residências por hora - LINK

Este número tem apenas em conta aquilo que é participado às autoridades.

Como se sabe, apenas uma parte - que ninguém se preocupa em determinar com precisão, não vão os resultados ser demasiadamente assustadores - da criminalidade é participada às autoridades.

Logo, a realidade supera aquele número.

Eu sei: não podemos ser alarmistas, há países onde as estatísticas são piores (o que não quer dizer que a realidade também o seja...), etc., etc..

Contudo, à cautela, vamos colocando grades nas nossas janelas, portas blindadas, alarmes...

Vamos deixando de sair à noite, vamos olhando em volta quando entramos e saímos do automóvel...

No final, quem acaba privado da sua liberdade?

2008-05-17

Relatório anual de segurança interna de 2007


Os partidos da oposição consideraram ontem que existe uma «divergência» entre os dados do Relatório Anual de Segurança Interna 2007 e a realidade portuguesa, tendo em conta que o sentimento de insegurança na população «é elevado» - LINK