2007-01-26

Novo mapa judiciário avança em 2008

As mudanças preconizadas na reforma do mapa judiciário só vão ocorrer em 2008, começando numa fase experimental em duas circunscrições judiciais, uma no interior e outra na litoral do país, revelou o secretário de Estado da tutela.
"O Ministério da Justiça está a trabalhar no terreno e também a preparar toda a alteração legislativa que depois permitirá as mudanças, que não ocorrerão antes de 2008", declarou o secretário de Estado Adjunto e da Justiça, José Conde Rodrigues.
Prevendo o fim das 232 comarcas existentes, a proposta de nova divisão territorial do mapa judiciário assentará em circunscrições mais alargadas, que deverão corresponder às delimitações territoriais utilizadas para a distribuição de fundos comunitários, as chamadas Nomenclaturas Unitárias Territoriais (NUT III), criadas com a adesão de Portugal à União Europeia (UE), em 1985.
"A reforma será implementada experimentalmente nalgumas circunscrições do país em 2008", adiantou o secretário de Estado, escusando-se a divulgar as zonas onde vai ser concretizada a experiência.
José Conde Rodrigues limitou-se a avançar que a fase experimental será realizada numa circunscrição do interior e noutra localizada no litoral do país, em que excluiu o Alentejo.
A revisão do mapa judiciário, com base num estudo do Observatório Permanente da Justiça, prevê o fim das comarcas como unidade de referência territorial dos tribunais.
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2007-01-08

Reforma da Organização Judiciária - O modelo proposto pelo OPJP

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É altura de regressar à reforma da organização judiciária.
Olhemos, então, para o estudo do OPJP.
Nas páginas 54 e seguintes das "conclusões gerais e proposta de reforma", são propostos, em alternativa, "dois cenários de reorganização do mapa judiciário": No primeiro, a nova matriz territorial seriam os actuais círculos judiciais; no segundo, essa nova matriz territorial seriam as NUT III.
Lendo o anexo ao "acordo político-parlamentar para a reforma da Justiça celebrado entre o PS e o PSD", na parte atinente à "revisão do mapa judiciário" (página 10), parece claro que será o segundo o modelo a adoptar.
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O "cenário" que adopta as NUT III como nova matriz territorial sintetiza-se da seguinte forma:
1 - Criação, em cada NUT ou em NUT agregadas, de um tribunal ou de secções do tribunal-sede para o processamento da litigação de massa;
2 - Criação, em cada NUT ou em NUT agregadas, de tribunais ou secções especializadas do tribunal-sede para o tratamento dos conflitos de família e menores;
3 - Criação de tribunais de comércio e de tribunais de instrução criminal "por grandes áreas" – ou seja, agregando várias NUT – e de modo a cobrirem todo o país;
4 - Para a litigação restante, dois tipos de tribunais:
- Tribunais ou secções de tribunais para o tratamento das acções mais complexas ou de maior valor e da criminalidade grave, com exclusão da criminalidade complexa da competência do DCIAP – estes processos seriam sempre concentrados no tribunal-sede da NUT, podendo, em casos pontuais, incluir mais de uma NUT;
- Tribunais ou secções de tribunais para a outra litigação – estes processos poderiam estar concentrados numa ou várias secções do tribunal-sede ou em secções deste a um nível mais localizado (concelhos ou agregações de concelhos);
5 - As audiências de julgamento, ou outras que o justifiquem, de processos cuja tramitação seja concentrada no tribunal-sede (com exclusão dos previstos em 1) ou se concentre nos tribunais de competência especializada, devem ser realizadas a nível do concelho, de acordo com regras a definir, deslocando-se aí o tribunal;
6 - Criação, nos concelhos anteriores sedes de comarca e onde não fossem instaladas secções do tribunal-sede, de uma "unidade polivalente", que integraria um "balcão de atendimento", ligado em rede aos diferentes tribunais da NUT, "um espaço destinado a sala de audiências" e "um gabinete multiusos" onde fosse possível prestar informação e consulta jurídica, realizar atendimento ao público por parte do Ministério Público e efectuar perícias ou outras diligências;
7 - Criação, em cada NUT ou conjunto de NUT agregadas, de um centro de serviços jurídicos e de serviços auxiliares ao funcionamento da administração da justiça (medicina legal, assessorias técnicas, reinserção social, segurança social, etc.) e de um conselho de administração e gestão, que geriria os recursos humanos, materiais e financeiros de toda a NUT (e parece que, sendo o caso, do conjunto de NUT agregadas);
8 - Criação de um tribunal judicial para o julgamento da criminalidade complexa com jurisdição de âmbito nacional.
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Este modelo tem aspectos que, tomados isoladamente, seriam extremamente positivos: uma firme opção pela especialização de tribunais, a concentração de alguns meios e a preocupação de articulação da administração da Justiça com a de serviços auxiliares ao seu funcionamento.
Contudo, o mesmo modelo enferma de um vício fundamental – a aberrante ideia da "justiça itinerante".
Se a reforma da organização judiciária aceitar esta vertente do modelo proposto pelo OPJP e avançar no sentido dessa tal "justiça itinerante", não só se desbaratam todos os ganhos que adviriam dos aspectos positivos acima mencionados, como ficaremos com um sistema de Justiça com custos de funcionamento (não confundir com os custos inerentes à implementação do sistema, de que falei em posts anteriores) muito mais elevados e resultados muito inferiores aos actuais.
Mais ainda, em alguns aspectos a ideia de "justiça itinerante" tal como é proposta pelo OPJP não é apenas cara e geradora de ineficácia – é, de todo, impraticável.
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2007-01-06

Estrela (albufeira de Alqueva)

(Foto: V. S. Santos)
(Para ampliar, clicar sobre a foto)

Fornecimento de seringas nas prisões e liberdade condicional

Espero para ver como o programa de fornecimento de seringas será articulado com o regime de execução das penas de prisão, especialmente com o regime de concessão de liberdade condicional, que pressupõe, nomeadamente, que seja fundadamente de esperar que o condenado, atentas as circunstâncias do caso, a sua vida anterior, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, conduza, uma vez em liberdade, a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes (Código Penal, art. 61.º, n.º 2, al. a)).
Poderá legitimamente um recluso a quem o Estado forneça seringas, naturalmente para se injectar com produto estupefaciente, beneficiar de liberdade condicional ao abrigo de tal regime?
Se pode, bom… que dizer? Simplesmente que estaremos, então, no domínio do absurdo, da pura e simples ficção, ao concluir-se pela verificação dos pressupostos da concessão de liberdade condicional.
Se não pode, isso não irá afastar os reclusos do programa de fornecimento de seringas e frustrar os objectivos deste último?
Aguardemos, pois, para ver de que forma este programa será implementado.

Tráfico de estupefacientes em estabelecimento prisional

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Afirma-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06.06.2006, publicado na CJ – STJ, 2006, tomo 2, p. 204:
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A especial agravação do tráfico de estupefacientes em estabelecimento prisional, nos termos da alínea h) do art. 24.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, "não tem tanto a ver com a protecção da saúde dos presos, mas, sobretudo, com a elevadíssima ilicitude do facto, já que praticado por alguém que dá nota não só do inteiro desprezo a que vota os objectivos da condenação que está a cumprir, como potencia, pelo (mau) exemplo, que os outros presos enveredem pelo mesmo caminho, não só frustrando os objectivos de prevenção, como levando a deixar de lado a sua reinserção, enfim, pondo em causa todo o fim das penas que o sistema prisional é suposto acautelar" (realces da minha autoria).
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Ao ler este acórdão, lembrei-me daquilo que escrevi em "fornecimento de seringas nas prisões e reinserção social".
Continuo a não conseguir enquadrar uma política de fornecimento de seringas aos reclusos pelo Estado no nosso Direito Penal.
Em especial, não vejo como harmonizar tal política com os objectivos que o mesmo Estado fixou, em sede legal, para as penas que aplica.
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2007-01-03

Reforma da Organização Judiciária (cont.)

AQUI referi que tudo indica que a reforma da organização judiciária seguirá de perto o modelo – que comporta duas variantes que pouco diferem entre si – constante de um estudo solicitado pelo Ministério da Justiça ao Observatório Permanente da Justiça Portuguesa, estudo esse disponível no site daquele ministério.
NO MESMO POST, salientei que, de acordo com o próprio "estudo", a concretização do modelo que propõe depende da verificação de vários pressupostos, que enuncia, e que esses pressupostos não estão preenchidos, nem me parece possível que venham a preencher-se a curto prazo, para mais num período em que se pretende – e objectivamente se impõe, diga-se de passagem – a diminuição da despesa pública.
Este é, porém, apenas o primeiro de muitos problemas que o "estudo" suscita.
O maior de todos esses problemas é a impraticabilidade do modelo proposto, em qualquer das suas duas variantes, mesmo na hipótese de os apontados pressupostos virem algum dia a estar preenchidos.
Trata-se, em primeiro lugar, de um modelo cuja implementação aumentaria exponencialmente desperdícios de meios – humanos e materiais – no seio do sistema de Justiça, em vez de eliminar os desperdícios que já existem (e que não são poucos).
Trata-se, em segundo lugar, de um modelo cuja implementação sairia caríssima ao Estado, ou seja, aos contribuintes.
E trata-se, em terceiro lugar, de um modelo cuja implementação faria a produtividade do sistema de Justiça cair a pique.
Fazer uma reforma da organização judiciária nesta base é embarcar em mais uma das inúmeras aventuras que têm levado Portugal ao estado lastimoso em que se encontra nos mais variados sectores da actividade estadual.
Do que a Justiça Portuguesa precisa é de uma reforma realista, que aumente a eficácia e reduza custos.
Já não há tempo, nem dinheiro, nem paciência, para mais utopias.

2007-01-02

Reforma da Organização Judiciária

Como AQUI referi, um dos temas centrais actualmente em debate no domínio da Justiça é a projectada reforma da organização judiciária.
Trata-se de uma problemática importantíssima e, decerto, uma daquelas que de forma mais directa e significativa se repercutem na vida dos cidadãos que contactam com o sistema de Justiça.
Apesar disso, é assunto que, até agora, pouco interesse despertou fora dos meios profissionais ligados à Justiça.
É sabido que um dos grandes problemas de Portugal é a debilidade daquilo que habitualmente se designa por sociedade civil – a maior parte das pessoas não quer saber nem, muitas vezes, se apercebe sequer da generalidade das questões que se nos colocam enquanto comunidade.
E é pena que assim seja.
Vale-nos a blogosfera, cujo valor enquanto veículo de informação "não filtrada" e fórum de livre debate entre um número crescente de pessoas vai, aos poucos, sendo reconhecido.
Dizia eu que o tema que serve de título a este post é de primeira grandeza no âmbito da Justiça e deveria ser objecto de maior atenção por parte da sociedade civil.
Adaptando um conhecido lugar-comum, diria que é um tema demasiadamente importante para ser deixado exclusivamente nas mãos de juristas. Os cidadãos que não exercem profissões ligadas à Justiça também deveriam interessar-se e dizer alguma coisa.
Ao longo da vida deste blog, tem sido um tema recorrente (link 1; link 2; link 3; link 4; link 5; link 6; link 7; link 8; link 9; link 10; link 11; link 12).
Porque a reforma em questão se anuncia para este ano e alguns dados do problema já vão sendo conhecidos, é oportuno dedicar-lhe mais alguns posts.

2007-01-01