2005-10-31

Demagogia

Não tenho ilusões: neste momento, a maior parte da opinião pública tem uma imagem muito desfavorável acerca do desempenho profissional dos juízes.
Funda-se essa má imagem no deficiente funcionamento dos tribunais, que é indiscutível.
O raciocínio é simples: se os tribunais funcionam mal e quem lá trabalha são os juízes, são estes os culpados por tal mau funcionamento.
Quem está apostado em diminuir o poder judicial e quem o exerce, bate sistematicamente nesta tecla. A mensagem é simples, o raciocínio em que assenta é linear. Logo, é fácil de apreender pela generalidade das pessoas, passando muitíssimo bem para a opinião pública.
Raciocínio simples, linear, aparentemente irrefutável… mas profundamente errado.
Porque confunde o funcionamento dos tribunais com o desempenho profissional dos juízes.
Aliás, similar à confusão entre férias judiciais e férias dos juízes – também ela explorada, até à exaustão, por quem tem orquestrado a irresponsável e demagógica campanha que está em curso contra o poder judicial, ou nela colaborado.
Ressalvadas as devidas distâncias, imaginemos uma fábrica mal localizada, que funcione em instalações miseráveis, utilize matéria-prima de má qualidade, tecnologia ultrapassada ou, ainda que actual, mal concebida ou inadequada às necessidades, e mal organizada. Seria justo lançar as culpas pela inevitável falência sobre quem lá trabalha?
O que se tem passado nos tribunais, pelo menos nas duas últimas décadas (apercebi-me dessa triste realidade, primeiro como advogado, depois como juiz), é muito similar à referida hipotética fábrica: escassez de meios humanos e materiais face a necessidades crescentes, orgânica judiciária desfasada da realidade e, em alguns aspectos, absolutamente irracional, leis processuais absurdas, alterações legislativas constantes…
Nestas condições, atirar as culpas para cima dos juízes, em conformidade com o raciocínio que acima se esquematizou, é profundamente errado.
E manipular a opinião pública no sentido de a levar a raciocinar nesses termos é profundamente desonesto.

2005-10-30

Uma má notícia

... ESTA.
Aqui fica lavrado o meu respeitoso protesto!

2005-10-28

De volta

Finda a greve, é altura de regressar ao trabalho.
Um pouco antes das 9.00 horas, entro no Tribunal de Beja.
Lá fora, chove a cântaros.
Entro, subo ao primeiro andar, pasta e computador portátil numa mão, saco de viagem a abarrotar de processos na outra, chapéu de chuva encharcado debaixo do braço.
Barulho de água a cair no chão. Muita água.
Sem surpresa, lembro-me de, há exactamente um ano atrás, ter entrado no mesmo Tribunal à mesma hora, também sob uma forte carga de água – que, para desgraça de todos nós, não se repetiu ao longo do Inverno, nem da Primavera, nem do tórrido Verão alentejano –, e ter ouvido exactamente a mesma coisa, então com surpresa: água, muita água, qual torneira aberta, a cair sobre o chão do edifício, em vários locais deste.
Hoje, como há um ano atrás, isso aconteceu em vários sítios do 1.º piso.
E aconteceu, ainda, numa das duas salas de audiências, onde, não obstante, graças à ajuda de um balde já habituado a estas andanças, lá se foram fazendo julgamentos.
E pensei, sem surpresa e com alguma resignação: há coisas que não mudam!

2005-10-27

NO FINAL DA GREVE

Comunicado da Direcção Nacional da Associação Sindical dos Juízes Portugueses:
A massiva adesão dos juizes à greve decretada pela ASJP, nos dias 26 e 27 de Outubro, que atingiu 100% na maioria dos tribunais portugueses, constitui significativa demonstração do profundo descontentamento da magistratura judicial face ao contínuo agravamento das condições de funcionamento da Justiça em Portugal.
Os Juízes desde há muito têm alertado o poder político para a gradual degradação de todo o sistema, tendo em tempo oportuno, e a todos os Governos, apresentado propostas concretas visando contribuir para a resolução dos problemas, em especial daquele que é o fulcral, ou seja, a morosidade, com os prejuízos que daí advêm para os cidadãos.
Do mesmo modo o têm feito publicamente, por exemplo, por ocasião do Congresso da Justiça, em Dezembro de 2003, evento realizado sob os auspícios de S. Ex.ª o Senhor Presidente da República, como o demonstram os trabalhos apresentados e as conclusões finais.
Os Juizes reafirmam o que já expressaram ao Senhor Ministro da Justiça: estão empenhados e disponíveis para se encontrarem as soluções mais adequadas para a melhoria do sistema, sendo que o êxito de qualquer reforma é indissociável da sua participação nesse processo, propondo que o debate seja feito de forma franca e transparente, sem descredibilizar os profissionais do foro.
Com esse propósito, a ASJP levará a cabo o seu VII Congresso, que decorrerá entre 24 e 26 de Novembro próximo, subordinado ao tema Justiça: Garantia do Estado de Direito.
Espera a ASJP que o Governo extraia as consequências políticas da forte adesão à greve e adopte finalmente uma política que prestigie as instituições judiciárias, viabilizando uma Justiça credível e capaz de servir os cidadãos e enfrentar os desafios que se colocam à sociedade portuguesa.
27 de Outubro de 2005
A Direcção Nacional

SOLIDARIEDADE INTERNACIONAL

Comunicado da Associação Sindical dos Juízes Portugueses:
A ASJP recebeu mensagens de apoio e de solidariedade à greve dos juízes portugueses oriundas de Associações de Juízes e de Colegas de Espanha, França, Bélgica, Itália, Alemanha, Polónia, Grécia, Chipre, Brasil e Guiné-Bissau.
No site da ASJP encontram-se disponibilizadas as mensagens recebidas das Associações de:
MEDEL (Magistrados Europeus para Democracia e Liberdade, com assento junto do Conselho da Europa)
Espanha: Jueces para la Democracia;
Itália: Magistratura Democratica e Movimento per la Giustizia.

2.º DIA DE GREVE - NÍVEL DE ADESÃO

Comunicado da Associação Sindical dos Juízes Portugueses:

A greve decretada pela ASJP regista, no seu segundo dia, o mesmo nível de adesão verificado no dia de ontem, com uma adesão massiva dos Juizes, atingindo 100% na larga maioria dos Tribunais do País, quer na Primeira Instância, quer nos Tribunais Superiores, significando a nível nacional uma percentagem superior a 95%.

No site da ASJP, encontra-se disponibilizado ficheiro actualizado contendo o nível de adesão à greve nos Tribunais de 1.ª Instância (Em PDF).

2005-10-26

1.º DIA DE GREVE

COMUNICADO DA DIRECÇÃO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO SINDICAL DOS JUÍZES PORTUGUESES DE 26 de OUTUBRO DE 2005
1. A greve decretada pela ASJP regista, no seu primeiro dia, uma adesão massiva dos Juízes, atingindo 100% na larga maioria dos Tribunais do País, quer na primeira instância, quer nos Tribunais Superiores, significando, a nível nacional, uma percentagem superior a 95%.
2. Esta fortíssima adesão é uma das formas de responder ao Governo, que falta à verdade quando afirma que a greve é motivada pela exclusão dos juizes dos Serviços Sociais do Ministério da Justiça, pretendendo assim desviar a atenção dos reais problemas do sistema de Justiça e esconder a sua incapacidade para os resolver.
3. A actuação do Governo continua a caracterizar-se pela ausência de medidas adequadas para resolver os estrangulamentos do sistema que conduzem à morosidade, problema fulcral da Justiça, e pelo discurso populista, ocultando os problemas de fundo, de que é exemplo a situação da acção executiva.
4. A ASJP, reafirmando as razões que motivaram a greve, reafirma que :
- É necessária e urgente a reforma da Justiça, e que esta deve ser feita com a efectiva participação das entidades representativas dos profissionais do foro, a fim de evitar a ruptura total do sistema;
- As instituições judiciárias e os Juízes merecem respeito, pela dedicação e empenho que sempre emprestaram ao exercício da função.
A Direcção Nacional da ASJP
ANEXO: Encontra-se disponibilizado no site da ASJP (http://www.asjp.pt/), um ficheiro em PDF contendo o nível de adesão à greve nos Tribunais de 1.ª Instância, por círculos judiciais.

2005-10-25

Blog do Movimento Justiça & Democracia

AQUI.

Adesão à greve dos Magistrados do Ministério Público

Veja aqui.

Falta de meios - salas de audiências

O texto que se segue é da autoria do Dr. José Fernando Cardoso Amaral, Juiz de Direito.

No Diário de Notícias de hoje (23.10.2005), Luís Miguel Viana insurge-se contra o facto de, inutilmente, ter sido convocado para um julgamento no Funchal que, apesar de marcado com ano e meio de antecedência, acabou por se não realizar por falta de sala, sem que (como critica) o Tribunal tivesse cuidado de garantir, ele próprio, as condições para a sua realização.
Tem razão, mas só em parte.
Tem-na, porque, como cidadão chamado ao foro, sofreu, injustamente, na pele (do corpo e da carteira) as consequências de uma das muitas maleitas de que padece, sem cura, o nosso agónico sistema de justiça: os adiamentos.
Tem-na, ainda, porque, subindo ao púlpito que o jornal lhe oferece e daí soltando a sua voz indignada, não só exerceu um direito de cidadania como tentou contribuir, pela denúncia, para a melhoria da vida dos seus concidadãos incomodados em situações idênticas.
Mas não a tem quando, como comentador interessado, não curou de ir mais longe no apuramento da real dimensão do problema, na busca do diagnóstico necessário e na interpelação aos verdadeiros responsáveis.
Daí que ao censurar o próprio tribunal pelo facto, que apelida de vergonha, leviandade e desrespeito, tenha errado completamente o alvo e, por isso, desperdiçado a eficácia da cajadada.
Mas é porque, finalmente, o descontentamento dos cidadãos se faz sentir e se une ao dos media e dos chamados operadores judiciários que vale a pena voltar à questão.
Os adiamentos por falta de sala de audiências (para não falar de outras causas) são com certeza inúmeros, todos os dias, ao longo do país. Os magistrados, os advogados e os demais utentes que têm a pouca sorte de ser chamados à justiça bem o sabem.
Ainda na semana que findou a imprensa dava conta de um certo caso muito badalado.
E só não têm sido mais porque, até aqui, sempre na esperança de dias melhores, na tentativa de evitar maior desonra para o sistema e precisamente em respeito pelos cidadãos, a maior parte dos juízes tem feito das tripas coração para realizar, com desconforto e pouca dignidade, muitas diligências em minúsculos e pobres gabinetes, ainda que à custa da imagem e do ritual normalmemte associados ao acto de julgar.
Acontece que eles próprios (juízes), maltratados como ultimamente têm sido, responsabilizados de maneira injusta pelas deficiências que não lhes compete suprir, incapazes de conter o coro de queixas dos cidadãos que se vão fazendo ouvir e já sem esperança de que o seu voluntarismo remedeie a passividade de tantos anos, resolveram dizer "basta!".
Daí a anunciada greve e, entre outras medidas, a recusa de prestação de trabalho fora do horário normal e em condições indignas.
É que nos tribunais não faltam só salas (presto serviço num em que para dez juízes há apenas duas). Falta tudo: gabinetes, mobiliário, aquecimento. Já tive de trabalhar completamente embrulhado num kispo e com as portadas das janelas fechadas.
Ainda há dias uma juíza se queixava de o Ministério lhe ter recusado o reembolso de um aparelho portátil de ar condicionado que se viu forçada a comprar quando no seu gabinete enfrentou 33 graus de temperatura nas manhãs deste Verão.
Não há meios de registo da prova eficazes e fiáveis, nem de telecomunicações expeditos. Haviam de ver como são os gabinetes de teleconferência em alguns!
A informática é incipiente.
Não há sequer lugar para as longas esperas de advogados e público.
Enfim, o rol seria infindável, fastidioso, porventura inacreditável.
Falta tudo, só não faltam processos. Na maior parte dos tribunais, cada juiz tem, ao mesmo tempo, milhares a seu cargo.
E falta tudo onde menos devia faltar. Não só pela natureza fundamental da tarefa que o Estado prossegue através dos tribunais, mas porque a justiça é paga por quem a ela recorre, embora à gestão dessa receita seja totalmente alheio quem a produz.
O que acontece é que a maior parte de tudo aquilo que falta constitui encargo do poder político.
É o caso das instalações, portanto, das salas de audiências. Nos termos da lei (artºs 117º.e 118º., da LOFTJ), as dos tribunais superiores constituem encargo directo do Estado, e as dos tribunais de 1ª. Instância (como o do Funchal) competem à administração central, salvo acordo diverso com os municípios.
Só que os tribunais são independentes, segundo a Constituição. Mas é uma independência que, no seu exercício, é condicionada pela falta de meios de que não dispõem.
O investimento na sua função jurisdicional não se traduz em contrapartidas eleitorais.
Por isso, os juízes não podem inventar salas. Arranjam escritórios em sua casa, equipam-nos à sua custa, usam-nos, em serviço, com os próprios meios.
Mas, apesar de tudo, o dever de reserva tem calado muita revolta.
E com isso se têm conformado os cidadãos. Tal como os líderes de opinião.
Mas tudo isto está a mudar. Por que acham que os magistrados fazem greve? Porque se agitam e manifestam os cidadãos? Porque se ocupa a comunicação social tão intensa e extensamente como nunca da área da justiça ? Porque se incomodam os poderes ?
Porque no dia em que o povo, em nome do qual os tribunais administram a justiça, se consciencializar da realidade, nada ficará como dantes. Se são os magistrados, os advogados ou os funcionários a queixar-se das condições ou a exigir os meios, aqui-d´el-rei que são uns privilegiados. Se for a sociedade, como deve sê-lo, tudo mudará. Nessa altura, a vergonha para o sistema, a leviandade e o desrespeito pelos cidadãos que Luís Miguel Viana atribui à falta da sala de audiências para um julgamento, serão directamente atirados à cara escondida e envergonhada de quem devia cuidar e não cuida de as disponibilizar.
E jamais, em situação congénere, se voltará sequer a insinuar com a hipótese de falta de cuidado daqueles (os juízes) que precisamente todos os dias encarnam a justiça perante o povo e, por isso, sofrem também na pele os seus males, como no caso parece ter querido fazer-se com a interrogação sobre o que fará (disciplinarmente ?) o Conselho Superior da Magistratura.
Não fará, obviamente, nada.
Porque se pudesse fazer começaria, ele próprio, por se dotar das condições básicas necessárias para o exercício cabal da sua função constitucional, designadamente da autonomia administrativa e financeira que há tanto tempo reclama e precisa, mas que, sucessivamente, tal como os meios exigidos pelos juízes para os tribunais, lhe vêm sendo negadas.
Negadas pelo poder político com a complacência dos mais variados quadrantes sociais que só se têm queixado quando a coisa lhes toca e em função dos respectivos interesses.

2005-10-23

O dever de reserva dos juízes

Devido à natureza das suas funções, os juízes estão vinculados a um dever de reserva.
Porém, a lei – nomeadamente os artigos 11.º, 12.º e 82.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais – não presta grande auxílio para a determinação do seu conteúdo.
Só duas coisas são evidentes: os juízes não têm o direito de livre expressão em toda a sua plenitude; mas esse direito também não é totalmente suprimido por aquele dever, sob pena de não poder falar-se em dever de reserva, mas de silêncio.
Entre um e outro extremos, confesso a minha dificuldade em situar a linha de fronteira entre o permitido e o proibido.
Num momento como o actual, em que o Poder Judicial e quem o exerce são atacados por todos os lados, por vezes com violência, minando a sua credibilidade e a sua autoridade, esta questão coloca-se com particular acuidade.
Qual deverá ser a atitude dos juízes?
Continuar a tudo suportar com um olímpico silêncio?
Ou podem defender-se e defender o prestígio da função que exercem?
Nesta última hipótese, com que latitude?
Gostaria de ver este tema debatido e com a maior concretização possível, sem se ficar pelas habituais fórmulas abstractas.

2005-10-21

Greve dos Juízes

Mensagem enviada pela Direcção Nacional da Associação Sindical dos Juízes Portugueses a todos os seus associados:

Caros colegas
Está agendada para os próximos dias 26 e 27 a greve nacional dos juizes, que a Direcção da ASJP decretou na sequência do mandato que lhe foi conferido pela Assembleia Geral extraordinária do passado dia 18 de Junho. Todos sabemos e sentimos quais são as motivações que nos levaram a optar pela greve como manifestação colectiva de protesto, e que nos levam a mantê-la como forma de expressarmos a nossa indignação e revolta contra a política governamental na área da Justiça. Das férias judiciais aos SSMJ, do congelamento da progressão nas carreiras e suplementos remuneratórios ao incumprimento despudorado de compromissos escritos e firmados com a ASJP, tudo tem servido para alijar responsabilidades, para discriminar negativamente os juízes, e para agravar as cada vez mais difíceis condições de funcionamento dos Tribunais. O que está em causa, no entanto, excede em muito uma questão de índole meramente sindical ou 'corporativa'. O que está em causa é a própria credibilidade e o prestígio das instituições judiciárias, que se têm visto atacadas a coberto dum discurso populista e duma demagogia primária, propícios a criar na opinião pública um clima hostil à magistratura e que pode mesmo permitir, num futuro próximo, a subversão das regras constitucionais que garantem o equilíbrio e a separação dos poderes do Estado e a independência do poder judicial. Se assim não fosse, como explicar o contínuo amesquinhamento e degradação do estatuto profissional da magistratura, de forma acrítica mas sistemática, sem razões de fundo, nem sequer de mero cariz orçamental ou financeiro, que minimamente o pudessem justificar? Como explicar a completa marginalização dos juizes, que sempre manifestaram total disponibilidade para colaborar na busca de soluções que aproveitassem à melhoria do funcionamento do sistema? Como explicar a ausência de medidas de fundo que obviassem aos estrangulamentos existentes, e de que o fiasco da acção executiva é o mais triste exemplo, a troco de medidas pontuais e cosméticas, que não só passam de meros remendos condenados ao fracasso? Como explicar a postura governamental de cega arrogância e de desajeitado atropelo da legalidade, impensáveis num Estado de Direito democrático? Como explicar a instrumentalização das 'corporações' da Justiça, apresentadas à opinião pública como castas que beneficiam de injustificados privilégios, e que urge 'moralizar'? Ou será que é com uma Justiça desprestigiada, desmotivada, e desautorizada, que se pretende combater eficazmente os desafios que hoje se colocam à sociedade portuguesa, tais como a corrupção, a alta criminalidade económica, e as manobras obscuras de interesses poderosos, que não olham a meios para destruir direitos dos mais desfavorecidos? * O agendamento dos dias de paralisação fixou uma dilação que poderia permitir encontrar-se uma solução de consenso que obviasse à consumação da greve. Porém, às diligências empenhadas do Sr. Presidente da República, que são conhecidas, a que se seguiram outras da iniciativa dos Srs. Presidentes do S.T.J. e do S.T.A., relativamente às quais sempre manifestou a ASJP total abertura e disponibilidade, a resposta obtida do Governo foi só uma: arrogância, intransigência e imobilismo. Confirmando afinal, para quem ainda tivesse dúvidas, que as nossas motivações estavam mais que justificadas. Neste contexto, a greve, cuja legitimidade jurídico-constitucional foi confirmada pelo C.S.M., é para os juizes a única atitude adequada, possível, e coerente. Mas que fique bem claro: foi o Governo que empurrou os juizes para a greve, e é o Governo o primeiro responsável pela consumação da mesma. A hora que vivemos exige, mais que nunca, a unidade e a coesão de todos os juizes, em torno da defesa da dignidade da nossa função, do prestígio dos Tribunais, e da independência do poder judicial. É por isso que pessoalmente vos apelo à adesão a uma greve que não desejámos, mas que assumimos conscientemente e sem constrangimentos. A razão que nos assiste certamente acabará por prevalecer.
Cordiais saudações associativas,
Lisboa, 21 de Outubro de 2005.
O Presidente da Direcção Nacional da ASJP
Alexandre Baptista Coelho Juiz Desembargador

Porque fazem os Juízes greve - Tribunal Judicial de Paços de Ferreira

TRIBUNAL JUDICIAL DE PAÇOS DE FERREIRA
GREVE DOS JUÍZES
AS RAZÕES PELAS QUAIS OS JUÍZES DESTE TRIBUNAL VÃO PARTICIPAR

Como é do conhecimento geral, o Conselho Geral da Associação Sindical dos Juízes Portugueses marcou uma greve nacional dos juízes portugueses para os próximos dias 26 e 27 de Outubro de 2005.
A adesão dos juízes a essa greve será feita pelas seguintes razões:.
1. falta de adequação e de qualidade do parque judiciário:
Os edifícios dos Tribunais encontram-se em elevado estado de degradação, não oferecendo as mínimas condições para os que neles trabalham e para os cidadãos utentes da justiça. É o que sucede neste Tribunal Judicial da Comarca de Paços de Ferreira, onde existe uma só sala de audiências para três juízos, não existem gabinetes para todos os magistrados, os funcionários de uma das secções de processos (a do 3.º Juízo) estão confinados a um cubículo no qual ainda têm de amontoar os milhares de processos pendentes, existe uma única casa-de-banho em funcionamento, as paredes estão sujas, por não serem pintadas há anos, o mobiliário é de baixa qualidade e encontra-se gasto, não existe ar condicionado nem qualquer sistema de insonorização que evite que no interior do edifício se faça sentir o ruído do tráfego urbano, não existe uma sala de testemunhas, etc..
Na actual organização do Estado, cabe ao Governo providenciar pelo fornecimento dos meios materiais indispensáveis para que a Justiça possa ser exercida com dignidade e eficácia. O modo como essa tarefa vem sendo desempenhada é bem visível neste Tribunal, onde não existe o mínimo de conforto para os sujeitos processuais e para o público em geral..
2. Falta de investimento do Estado na formação contínua dos juízes:
Os juízes, que têm de se manter permanentemente actualizados e de acompanhar as constantes alterações legislativas, têm de adquirir, do seu bolso, os livros jurídicos indispensáveis ao exercício da sua função. Até o traje profissional (a beca) tem de ser adquirido pelos juízes, que não beneficiam de qualquer subsídio de formação nem de despesas de representação (quanto a estas, ao contrário do que sucede com os titulares dos demais órgãos de soberania);.
3. Falta de adequação das leis processuais à realidade social:
Os juízes aplicam as leis que são elaboradas pelos órgãos de soberania com competência para tal (Assembleia da República e Governo). A prática judiciária vem revelando, desde há anos, a desadequação das leis processuais que obrigam à fundamentação excessiva das decisões intercalares, à elaboração de constantes e extensos relatórios, à sucessiva repetição, ao longo do processo, da enunciação dos factos essenciais à decisão da causa, à necessidade de ditar para a acta o que já fica documentado em fita magnética (vide o que sucede com os depoimentos de parte em processo civil);
4. Falta de meios para que os juízes possam exercer a função que a Constituição da República Portuguesa lhes atribuiu (que é a de administrarem a justiça em nome do Povo):
Os juízes, para além da função que lhes está atribuída, exercem também a função de dactilógrafos e, quantas as vezes, as de motoristas, utilizando as suas viaturas próprias e suportando do seus bolso as despesas com os combustíveis (vide o que sucede com o serviço de turno, em que os juízes andam de comarca em comarca e, porque a rede de transportes públicos é, as mais das vezes, ineficaz ou inexistente, têm de utilizar os seus veículos, ficando depois longos meses – senão anos! – à espera de receber as ajudas de custo a que têm direito).
Os julgamentos têm, com frequência, que ser realizados nos exíguos gabinetes, com claro prejuízo para a publicidade das audiências – e também para os juízes que se vêem privados do mínimo de privacidade e recato no único espaço que lhes está reservado. Não existem assessores, com formação jurídica adequada, que possam exarar os despachos de mero expediente e, assim, libertar os juízes para a decisão dos processos.
Até quando os tribunais vão estar na dependência financeira do Governo e do Ministério da Justiça?
Para quando a indispensável lei orgânica do Conselho Superior da Magistratura?..
5. Falta de meios alternativos à resolução judicial dos litígios:
Os tribunais continuam a ser invadidos com bagatelas penais despropositadas, muitas vezes criadas ao abrigo do apoio judiciário, e conflitos civis que poderiam ser evitados se a lei impusesse ao mercado melhores regras de funcionamento, assim ocupando magistrados, advogados, funcionários, peritos, testemunhas, etc., com matérias de somenos importância, por vezes mesmo questões ridículas, causadores de grandes despesas para o Estado.
6. Falta de dignificação do estatuto sócio-profissional dos Juízes:
Os Juízes não vêem o seu estatuto remuneratório ser actualizado desde 1989, tendo-se habituado ao sucessivo incumprimento das promessas do poder político. O Governo, sem diálogo (tanto assim que aprovou as medidas quando decorria o processo de negociação colectiva) entendeu retirar aos juízes os Serviços Sociais do Ministério da Justiça, utilizando argumentos incorrectos e fazendo crer erradamente aos cidadãos que os juízes gozam de um privilégio que é suportado por todos. Os juízes, que não podem exercer qualquer outra actividade profissional remunerada (ao contrário do que sucede com a generalidade dos profissionais) não beneficiam de qualquer subsídio de exclusividade (ao contrário do que sucede com outras classes profissionais. Mesmo os deputados gozam de um subsídio de reintegração profissional quando cessam as suas funções, não obstantes poderem cumular a função de deputado com outras actividades profissionais);
7. Falta de verdade quanto a questões essenciais da Administração da Justiça:
A alteração das férias judiciais foi apresentada, pelo Governo, como a retirada de um privilégio aos juízes. Esqueceram-se que as férias não eram dos juízes (que no decurso delas continuavam a trabalhar); antes eram um período de suspensão dos prazos e dos actos nos processos não considerados pela lei como urgentes e que contra a alteração se manifestaram, com fundadas razões, todos os organismos representativos de todas as profissões do foro. Os pareceres pedidos pelo Governo, todos no sentido do errado da alteração, foram engavetados e ignorados. O único argumento avançado em favor da medida foi um suposto estudo nunca apresentado e cujos autores e pressupostos se desconhecem. As propostas dos juízes no sentido da eliminação pura e simples do período de paragem técnica dos processos não urgentes foram ignoradas.
Os Serviços Sociais do Ministérios da Justiça foram apresentados com um privilégio injustificado dos juízes, quando o certo é que serão mantidos para outras classes profissionais, recorrendo-se para o efeito a argumentos insubsistentes (à semelhança do que sucede com os técnicos de reinserção social, também os juízes têm contacto directo com a população em geral, inclusive com arguidos presos e/ou violentos, quanto mais não seja quando procedem aos seus interrogatórios e se cruzam com eles nos corredores dos tribunais (no Tribunal Judicial da Comarca de Paços de Ferreira é mesmo frequente juízes e arguidos cruzarem-se na única casa-de-banho existente!).
Para quando a segurança nos tribunais, aspecto constantemente ignorado pelo Ministério da Justiça?
Será que se esquecem que nos tribunais são proferidas diariamente decisões que afectam de forma significativa a vida dos intervenientes processuais? Será que ignoram que já foram praticados actos de violência no interior dos tribunais, inclusive contra magistrados e inclusive com o recurso a armas de fogo?.
Eis apenas algumas – das muitas – razões que nos levam a participar nesta greve através da qual, mais uma vez, os juízes procuram defender a independência e a legitimidade do poder judicial, pressuposto necessário para que num Estado de Direito a Justiça o seja efectivamente.

A Juiz de Direito do 1.º Juízo
(Assinatura)
O Juiz de Direito do 2.º Juízo
(Assinatura)
O Juiz de Direito do 3.º Juízo
(Assinatura)
Documento retirado do blog VERBO JURÍDICO.

A Pala

Um texto de leitura obrigatória, da autoria do Dr. Afonso Cabral de Andrade, Juiz de Direito, no blog VERBO JURÍDICO.

2005-10-20

Diminuição da retribuição

Este post é da autoria da Dr.ª Maria da Graça Santos Silva, Juiz de Direito.

«Parece que desapareceu da Lei do Orçamento a verba destinada aos subsídios de renda. O que quer que isto signifique parece desabar necessariamente numa diminuição da retribuição, (mensal e regular- logo retribuição). Porque das três uma: ou desaparece o subsídio e ponto final; ou é integrado no salário base e fica sujeito a todas as vissicitudes do base - IRS, descontos para a caixa geral de aposentações, para ADSE, redução em caso de faltas, etc; ou fica sujeito ao famoso tecto salarial com reporte a um outro titular de Órgão de Soberania cujo vencimento não se esgota, seguramente, no salário base.
E a A.S.M.J. o que diz?
Não seria altura de juntar todas as ilegalidades que vêm tendo por objecto a judicatura e propôr umas acções para que sejam reconhecidos direitos adquiridos, declaradas inconstitucionali-dades, e repostas situações salariais que não podem ser diminuidas?
É que os Tribunais servem para isso mesmo: repôr a legalidade. Até para os juízes.»

2005-10-19

Greve dos Juízes

Porque fazem os juízes greve?
Opinião do Dr. Filipe Caroço, Juiz de Direito, AQUI

2005-10-18

Privilégios 4

Questão prévia:
Quando aqui falo acerca dos alegados privilégios que alguma gente por aí anda a propalar que os juízes têm e afirmo que nada disso corresponde à verdade, a última coisa que pretendo é transmitir a ideia de que somos uns «desgraçadinhos» que não têm os privilégios que merecem.
Longe disso!
Desgraçados são os idosos que têm de sobreviver com uma pensão de € 150 por mês, ou ainda menos, e, por força de leis, mais do que injustas, verdadeiramente desumanas, ainda têm de se dirigir ao Tribunal para, em acções em que têm de provar que viveram um união de facto com uma pessoa que faleceu (e de quem, por coincidência, muitas vezes tiveram vários filhos… – nem aí escapam ao ónus de terem de propor uma acção contra a Segurança Social para provarem que houve união de facto e não meros encontros fortuitos com fins exclusivamente procriativos), verem reconhecido o direito a receberem mais uns cêntimos…
Ou quem está desempregado.
Ou quem recebe o salário mínimo e tem de sustentar uma família.
Quem é juiz, lida de muito perto com a miséria alheia.
Mais perto, seguramente, do que o titular de qualquer outro órgão de soberania.
Sabemos muito bem o que ela é.
O meu único intuito resume-se na ideia, que penso que todos aceitam, de que, se não tenho o proveito, também não quero ficar com a fama.
Aquilo que tenho, chega-me.
Mas não inventem!
Posto isto, vamos ao assunto.

Um dos privilégios que muito comentador profissional (nos tristes tempos que correm, dizer mal dos Juízes vende muitíssimo bem, pouco importando se aquilo que se diz não passa de uma reles mentira…) nos atribui são as casas de função.
Dizem que somos uns privilegiados porque, não só recebemos o vencimento, como ainda temos direito a casa gratuita.
Eu nem sequer vou perder muito tempo a descrever o estado de degradação das casas de função que o Estado nos reserva.
Ninguém acreditaria!
Muitas delas estão, pura e simplesmente, inabitáveis.
Entrei numa em que não havia uma peça de mobília inteira. Uma única! Nem uma simples cadeira!
Entrei numa outra em que chovia abundantemente em dois sítios – na sala, junto à lareira, e em cima de uma cama… cujo colchão estava, obviamente, repleto de bolor, cujo cheiro nauseabundo se estendia a toda a casa!
Tinta? É coisa que as paredes da generalidade das casas de função não vêm há muitos anos.
Se atribuíssem muitas dessas casas a famílias carenciadas, a título de habitação social, elas teriam toda a razão em reclamar.
E chamariam, de certeza, os actuais verdadeiros justiceiros do meu País: as televisões. Havia de ser o bom e o bonito nos telejornais…
Deixo aqui uma sugestão.
Que um jornalista a sério, daqueles que, com coragem, competência e independência, ainda honram a sua profissão, faça uma reportagem sobre este tema.
Visite casas de função destinadas a Juízes (e, já agora, a Magistrados do Ministério Público), se estiverem desabitadas – é assim que aqueles as encontram quando lhes são atribuídas.
Mas apareça de surpresa, pedindo autorização no próprio dia da visita, para não dar tempo, ao Estado, para preparar um andar-modelo!
E visite todas as de cada comarca que estejam desabitadas, pois, se pedir para visitar só uma, mostram-lhe a menos má.
Depois, vamos ver quem está a dizer a verdade.

Ainda o Decreto-Lei n.º 184/2000

Em comentário ao post intitulado «Falso contributo para a interpretação do Decreto-Lei n.º 184/2000», a minha Colega Maria da Graça Santos Silva questionou como pode tal diploma legal ser considerado na legislação do trabalho, se o julgamento é marcado na audiência de partes (início do processo) e a tramitação normal deste leva mais tempo.
É óbvio que o legislador se esqueceu desse «pequeno pormenor»!
No que toca ao processo penal, o legislador também se esqueceu de um outro «pequeno pormenor».
O Decreto-Lei n.º 184/2000 surgiu com o pretexto de contribuir para a celeridade dos processos judiciais, obrigando a marcar as audiências de julgamento a não mais de 3 meses de distância.
Porém, manifestamente, o legislador do Decreto-Lei n.º 184/2000 esqueceu-se de que o art. 312.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, estabelecia, para o efeito, um prazo mais curto, ou seja, de 2 meses! Isto é, anunciou a intenção de abreviar a marcação de audiências de julgamento… mas aumentou o prazo dessa marcação em 50%!
Escusado será dizer que, na generalidade dos nossos tribunais, era impossível cumprir o prazo de 2 meses do art. 312.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, como continuou a ser impossível cumprir o prazo de 3 meses do Decreto-Lei n.º 184/2000, pois a falta de condições de trabalho não se resolve só, nem sequer principalmente, com leis.
O que interessa salientar neste momento é que, quando os juízes se queixam de que uma parte dos problemas da Justiça Portuguesa decorre de leis mal ponderadas, mal feitas, contraditórias entre si e em constante alteração, têm razão.
Com leis destas, como podem os Tribunais funcionar bem?

Blogs de juízes

Sob o título supra, a GRANDE LOJA DO QUEIJO LIMIANO publicou um post em que se fala de blogs feitos por cidadãos que exercem a profissão de juiz de direito e se menciona, entre outros, O MEU MONTE.
Fica aqui o meu agradecimento pela referência.
Por aqui continuarei, procurando dar despretensiosos contributos para a discussão de temas relacionados com a Justiça, respeitando escrupulosamente o dever de reserva a que, devido à minha profissão, estou sujeito, mas não deixando de exercer, dentro dos limites do mesmo, o direito de livre de expressão que, como cidadão, não perdi ao ingressar na Magistratura Judicial.
Dando a minha opinião, ouvindo quem aqui vem por bem (concorde ou não com o que eu digo) e respondendo àquilo a que entendo dever responder - nas ocasiões em que tal aconteceu, fi-lo com todo o gosto, pois as questões suscitadas eram pertinentes.

2005-10-17

O que falta ao Poder Judicial

A propósito de um dos posts anteriores, perguntou - muito legitimamente, como é óbvio - um cidadão, que assina como Daniel Tecelão, o que falta aos Tribunais para que estes funcionem bem.
Em resposta, o Juiz Luís Ribeiro escreveu o que abaixo transcrevo.
Porque a resposta é lapidar, coloco-a no local que ela merece: na frontaria do MEU MONTE (que é, aliás, também de todos os Colegas que aqui queiram participar).
«Tanta coisa, que até é difícil enumerar.
Exemplificando:
1 - Leis correctamente elaboradas - o que depende do poder político - de encontro às necessidades económicas, sociais e culturais do país;
2 - Estabilidade nas leis - o que depende do poder político - (e não sucessivas alterações das leis ainda recentemente entradas em vigor, com rectificações delas próprias, remendos e outras vicissitudes);
3 - Contingentação processual - o que depende do poder político - (na ordem dos 500 a 700 processos por Juiz e não, como se verifica, 2000, 3000, 4000 e por aí fora);
4 - Simplificação do Código Processo Penal e Código do Processo Civil - o que depende do poder político - no sentido da celeridade processual, a fim de se permitir decisões justas e rápidas;
5 - Acessores judiciais para cada um dos Juízes - o que depende do poder político - de forma a libertar-se os Juízes do trabalho volumoso que têm e que nada adianta em termos processuais (a essência do julgar consiste em proferir sentenças, actividade na qual os Magistrados somente ocupam cerca de 10 a 20% do seu tempo);
6 - Um parque informático em condições - o que depende do poder político - e não estas máquinas obsoletas, por exemplo, na qual neste momento escrevo;
7 - Reforma profunda do processo executivo - o que depende do poder político - e não esta vergonha actual que certamente já deve ter ouvido falar (quem beneficia com a mesma são os relapsos, os devedores, etc.);
8 - Tribunais com dignidade - o que depende do poder político -, já experimentou ir a vários tribunais do interior do país e verificar o estado das instalações!?
9 - Reforma dos recursos - o que depende do poder político - de forma a incrementar maior celeridade processual;
10 - Funcionário privativo por cada Juiz - o que depende do poder político - de forma, por exemplo, a copiar os factos provados que devem ficar a constar das sentenças (sabia que os Magistrados Judiciais passam horas e horas a passar os factos provados para as sentenças num trabalho que se equipara a verdadeiros copistas da idade média!?);
11 - Simplificação das sentenças - o que depende do poder político -, por exemplo, num fim de um julgamento, dizia-se qual era a pena a aplicar ao arguido, se ele concordasse, a sentença limitava-se à sua identificação - do arguido -, dos factos provados por remissão para a acusação, referência ao crime que cometeu e pena que lhe é aplicada; ao contrário disso, independentemente de o arguido concordar ou não, as sentenças têm sempre o mesmo figurino, ou seja, relatório, cópia dos factos provados, subsunção dos factos ao direito e decisão, o que é deveras mais complicado e ocupa muito mais horas ao Magistrado, horas essas que podiam ser ocupadas com outros julgamentos e sentenças;
12 - Equipamento condigno nos tribunais - o que depende do poder político - (sabia, por exemplo, que as videoconferências inúmeras vezes não se consegue estabelecer o contacto, quando se consegue não se ouve bem, ou não se vê bem a pessoa que está do outro lado); se não é possível estabelecer a ligação, perde-se tempo, é necessário convocar novamente a testemunha, etc.;
13 - Mais funcionários judiciais - o que depende do poder político -, estes, estão em verdadeira ruptura (sabia por exemplo que há tribunais em que cartas precatórias para penhora demoram dois anos a ser cumpridas por falta de funcionários) - quem fica a rir-se é o devedor que durante esses dois anos tem a possibilidade de dissipar os seus bens;
14 - Autonomia financeira do Conselho Superior da Magistratura, o que é reclamado há muitos anos - o que depende do poder político - (de forma a obviar-se a que o órgão de soberania Tribunal, quando necessite de um cabo de alimentação para um computador, uma cadeira, uma secretária, um computador, etc. não tenha que se dirigir por ofício ao poder executivo, ofícios que, inúmeras vezes demoram muito tempo a ser respondidos, quase sempre com a mesma resposta, ou seja, há falta de verbas);
15 - Manutenção das férias judiciais (não confundir com as férias dos Juízes, pois estas são iguais à da restante função pública, ou mesmo pior, uma vez que não podem escolher o mês em que querem passar férias com a sua família) - o que depende do poder político - no estado em que se encontravam de forma a possibilitar aos Magistrados em, pelo menos um mês das chamadas férias judiciais, dedicarem-se aos casos mais difíceis e que implicam um prolongado estudo que não é possível fazer durante o ritmo normal de trabalho com o volume de expediente e Julgamentos a que os Magistrados são sujeitos.
Muita coisa ainda haveria para dizer.
Mas, por ora, para amostra já chega.
Como vê muito pouco depende de nós e quase tudo depende do poder político...»
Subscrevo integralmente e sem reservas!

2005-10-15

Agora muito a sério:

Qualquer juiz gostaria de marcar audiências de julgamento a não mais de 3 meses de distância.
Se tal fosse possível, seria sinal de que os tribunais estavam a funcionar bem.
Aquilo que se espera é que o poder político cumpra a sua obrigação de dotar o poder judicial com os meios necessários ao seu bom funcionamento.
Com medidas disparatadas e demagógicas é que os problemas da Justiça nunca se resolverão.

Falso contributo para a interpretação do Decreto-Lei n.º 184/2000

Suscitou-se, aqui no MONTE, a propósito da questão da contingentação de processos, a da interpretação do Decreto-Lei n.º 184/2000, de 10.09.
Porque hoje é sábado, porque O MEU MONTE também é um local de recreio, porque estou cansado e farto de aplicar leis mal feitas, porque me apetece e porque o diploma em causa não merece mais, proponho-me dar um falso contributo para essa interpretação.
O mais falso possível.
Aqui vai ele.
De acordo com a letra do DL 184/2000, não há dúvida – é proibido marcar audiências de julgamento a uma distância temporal superior a 3 meses.
Porém, como as marcações a mais de 3 meses de distância não se deviam a capricho ou desleixo dos juízes, mas sim à sobrecarga das suas agendas, o DL 184/2000 nada resolveu e só complicou.
Surgiram, então, fundamentalmente, duas teses:
1.ª: Não se marca a mais de 3 meses e deixa-se os processos para cujos julgamentos não haja lugar na agenda em lista de espera;
2.ª: Marca-se a mais de 3 meses, apenas sendo vedada a notificação das pessoas que devam intervir na audiência de julgamento com uma dilação superior ao referido espaço temporal.
Em abono desta última tese, que se consubstanciava numa interpretação restritiva da lei, invocou-se o espírito desta.
Eu tenho muitas dúvidas de que, para a interpretação do DL 184/2000 – como para a de cada vez mais diplomas legais – possa invocar-se o cânone hermenêutico do espírito da lei, pois não acredito que o espírito haja tido alguma intervenção na sua feitura.
Quando muito, poderá falar-se no joelho da lei, em homenagem à parte do corpo sobre a qual, ao que tudo indica, ela foi feita.
Sendo assim, ficamos apenas com o elemento literal – a consideração do joelho da lei não permite ir além dele. Aquilo a que o DL 184/2000 obriga é o que resulta estritamente da sua letra: marcar audiências a não mais de 3 meses.
Ora, uma lei com este conteúdo é, face às circunstâncias em que pretende ser aplicada, inexequível. Tanto quanto uma lei que proibisse as pessoas de adoecer ou obrigasse os cães a miar.
Deixar audiências de julgamento em lista de espera também não me parece solução, pois apenas serve para tapar o sol com a peneira – se um tribunal, ou um juízo, estão de tal forma atafulhados em processos que precisam de marcar a 1, 2 ou 3 anos, ou mesmo mais, é bom que isso se saiba, até para que se tomem medidas de gestão capazes de resolver o problema.
Portanto, a solução é considerar que o DL 184/2000 não vigora na nossa Ordem Jurídica, em virtude de desuso.
Ficaram convencidos?
Eu também não.
Mas eu avisei: este contributo é, assumidamente, falso.

2005-10-12

Reforma da Organização Judiciária

O Governo anda a preparar uma Reforma da Organização Judiciária.
Fala-se que, até ao final deste ano, apresentará um projecto.
Que tal reforma é necessária, parece-me óbvio.
Vamos ver é o que aí vem.
Se é mais do mesmo, se são novidades aberrantes, ou se é uma reforma digna desse nome.
Espero que o projecto seja publicamente divulgado com a maior brevidade possível e por forma a permitir uma ampla e genuína discussão pública.
Se há matéria em que quem está no terreno deve ser ouvido, é esta.
Dito de outra forma, espero que não se tomem decisões sobre esta matéria apenas com base em estatísticas e com um mapa de Portugal estendido sobre a secretária.
Recorrendo a uma expressão muito em voga, há muita vida para além dos números.

Contingentação 2

Com a devida vénia, também subscrevo esta
PERGUNTA

Altos voos

No blog VERBO JURÍDICO, o Juiz Joel Timóteo Pereira publicou o projecto de portaria que, pela sua oportunidade, tomo a liberdade de aqui reproduzir.

Projecto de Portaria

PORTARIA N.º .../ XI.
- Considerando que os aviões Falcon e Puma da Força Aérea carecem de cumprir horas de voo para permitir uma constante manutenção e ocupação dos seus pilotos;
- Considerando que os Juízes Portugueses são tão titulares de órgão de soberania Tribunais como o Primeiro-Ministro o é do Governo;
- Considerando que existem círculos judiciais com uma grande extensão geográfica (incluindo comarcas em ilhas distintas ou separadas entre grandes serras), o que implica o dispêndio de muitas horas de circulação viária por parte dos Juízes de Círculo (durante a generalidade do ano) e por parte de todos os Juízes na concretização de serviço de turno;
- Considerando que, ao contrário dos titulares de órgãos políticos, aos Juízes apesar de serem titulares de órgão de soberania, não estão atribuídos automóveis de serviço nem motoristas;
- Considerando que muitos Juízes Conselheiros, Juízes Desembargadores e Procuradores-Gerais Adjuntos são obrigados a deslocar-se, em regra partindo de madrugada e regressando à noite, fora da hora de serviço, em automóveis pessoais ou comboios da CP para chegarem aos respectivos Tribunais Superiores, implicando um desgaste que urge evitar ;
- Considerando que uma das metas do Estado deve ser a celeridade da justiça, beneficiando esta de uma redução do tempo dispendido em viagens por parte dos Magistrados;
- Considerando que urge reduzir as despesas do Estado, designadamente as referentes às deslocações em serviço (embora estas sejam pagas meses e anos depois aos seus servidores), quando estão disponíveis meios que carecem de cumprir horas de voo;
- Considerando que a disponibilização de tais meios permitirá ainda a realização de manobras de voo de elevada perícia, atentas as condições de acessibilidade da generalidade dos Tribunais Portugueses;

O Governo determina:

Artigo 1.º
Afectação de recursos
1. Os aviões Falcon e Puma e todos os demais meios aéreos da Força Aérea Portuguesa, incluindo helicópteros não afectos ao combate de incêndios florestais, passam a ficar disponíveis para os juízes e magistrados do Ministério Público que, no exercício das suas funções, tenham que praticar actos em várias comarcas do respectivo círculo judicial, incluindo em serviço de turno.
2. Do mesmo modo, os mesmos meios aéreos ficam disponíveis para as deslocações em serviço dos Juízes Conselheiros, Juízes Desembargadores e Procuradores-Gerais Adjuntos.

Artigo 2.º
Despesas de deslocação
Nas situações referidas no artigo anterior, os magistrados judiciais e do Ministério Público deixam de ser reembolsados de despesas de transporte e deslocação em serviço.

Artigo 3.º
Entrada em vigor
A presente Portaria entra imediatamente em vigor.

12 de Outubro de 2005, O Primeiro-Ministro .... O Ministro das Finanças .... O Ministro da Justiça ...
Na linha do comentário que deixei no referido blog, aplaudo estusiasticamente a ideia.
Se o projecto se concretizar, fica, desde já, feito o pedido de reserva de um helicóptero. O recurso a aviões é complicado, pois a única pista que existe na região onde trabalho é a da base de Beja, pelo que aqueles poderiam levantar voo, mas, depois, a aterragem seria um sarilho.

Privilégios 3

Reproduzo aqui o comunicado de um Juiz, emitido ontem, às 23.26 horas, no Blog IDEALISTA.
«Neste momento estou a despachar processos.
Estive todo o dia a presidir uma das assembleias de apuramento geral dos resultados das eleições autárquicas.
Amanhã continuarei a desempenhar as mesmas funções o que, previsivelmente, ocorrerá durante todo o dia.
Restam-me, por isso, as noites, para despachar os processos que continuam a ser conclusos.
A tudo isto acresce o facto de ter que adiar diligências já agendadas, o que contribui para uma maior desorganização e acumulação do serviço a meu cargo.
Em suma, sou um privilegiado.»
Permito-me acrescentar o seguinte:
Já agora, o Colega poderia ter mencionado onde passou o seu serão de domingo.
Em casa, com a sua família, não foi seguramente.
No domingo de eleições, todos os Juízes nomeados presidentes das assembleias de apuramento geral estiveram presentes nos Tribunais respectivos, para receberem o material eleitoral, desde as 19.00 horas até quando calhou...
Eu estive no Tribunal de Portel.
Isto nenhum problema teria se, como acontece com a generalidade das pessoas que intervieram nas eleições, tivessemos direito a descansar no dia seguinte ou, ao menos, na manhã seguinte.
Porém, na manhã de 2.ª Feira, mais precisamente às 9.00 horas, eu já estava no Tribunal de Beja, onde comecei, às 10.00 horas, uma audiência de julgamento de um processo que, devido à sua complexidade, passei o dia de domingo (até às 18.30, altura em que iniciei a viagem até Portel) a preparar, lendo e relendo um processo com não sei quantos volumes.
Somos, enfim, uns privilegiados...

2005-10-10

Privilégios - 2

A propósito do post que aqui deixei sobre «os meus privilégios», post esse que o Colega Joel Timóteo me deu a honra de citar no seu «Verbo Jurídico», uma Senhora Juíza deixou, neste último, o comentário que vou reproduzir.

«Gostei da descrição dos seus privilégios, até porque já gozei desses e doutros enquanto juiz, de comarca, de círculo - sobretudo em Portimão - e agora do trabalho. Com a pequena agravante que, como nos tribunais de círculo dessa altura, eram os juízes de círculo que despachavam os processos, tinha todos os dias, como recompensa pela "alegre passeata" da minha pessoa, do meu carro, e do meu dinheiro ( para gasolina, oficina e um carrito novo quando o contador de quilómetros do anterior - no caso um wolkswagem polo- já tivesse dado várias voltas) por metade do belo Algarve (Algarve sim - mais um privilégio nestas andanças da Magistratura) à minha espera, lá pelas 7 ou 8 da noite, no tribunal da sede do círculo, uma montanha de processos para despachar!!
Quão alegres madrugadas, iniciadas ao volante do "polito" , para passar pelo tribunal do círculo a "apanhar os processos", continuar em confortável condução ( carro topo de gama e estradas topo de buraco) para o tribunal de comarca "do dia" ( a 30 ou 40 Km ...ooh e daí?) fazer julgamentos até desoras, voltar a conduzir até ao Tribunal da sede do círculo, quiçá bêbeda de cansaço ( ainda não é mensurável esta forma de perigo na condução; e pouco importa o peso dos ditos processozitos se a pessoa já tem problemas de coluna...) e terminar noite fora, em casa, agarrada ao meu computador (que só em 1996 essa mordomia foi me parcimoniosamente dispensada, no Tribunal, num episódio que guardo para se chegar a netos) para fazer acórdãos e sentenças, saneadores, e por aí!!
Não posso hoje deixar de me sentir uma privilegiada pela quantidade e responsabilidade do serviço que o Estado Português fez e faz o favor de me confiar, sem querer saber se é exequível por uma, duas ou apenas 10 pessoas. É uma subida Honra - mesmo para quem é titular de um órgão de soberania, que ao que se sabe não é menos soberano que os demais.
E como nisto de trabalhar, quem faz um cesto faz um cento, avizinha-se que o privilégio continuará, quiçá, até à insanidade total.
Porque, se por este ritmo chegar à chamada idade de reforma ( 65 anos .... até é engraçado pensar) estarei esclerosada, com Parkinson, com Alzeimer, num hospício ou na Casa do juiz ( que deve ser a mesma coisa) ou com qualquer doença por denominar, que afectará especialmente esta geração de juízes que deram quase todas as horas da sua vida ao trabalho. Indevidamente, e em puro prejuízo da Nação, como agora se vê.
Mas como ainda não consegui deixar de ver por detrás dos processos pessoas que precisam do resultado do meu trabalho, e que não são directamente ( directamente eu disse) responsáveis pela falta de condições que me dão para isso, vou continuando. Burra, eu sei, mas quem nasce torto tarde ou nunca se endireita.
Já pensei até socorrer-se dos serviços da pobre psiquiatra que me tratou quando tive um esgotamento, por exaustão dizia ela, para ver se consigo acertar o meu ritmo de trabalho com o dos meus pares, titulares de órgãos de soberania, ou ao menos com os "meus" trabalhadores, que me enchem a secretária a pedir o pagamento de horas extraordinárias, se for preciso logo ao fim do primeiro mês de trabalho. Privilégio do sector público ( e dos juízes), este, o de nem ter que se preocupar com coisas tão mesquinhas como essa coisa de horas extraordinárias, e compensação de descanso do trabalho por turnos. Já se sabe que o horário de trabalho é programático, e ou o serviço aparece feito ( de noite, de dia, aos feriados, aos domingos, aos sábados, deixando os filhos amarrados à cama, à perna da mesa, na casa do vizinho, na rua, ou mesmo à solta pela casa: ao caso tanto faz), ou então fica em causa não só a progressão (eufemisticamente falando) como a própria carreira ( e os anos de vida que ela consumiu). Isto sem falar doutros itens importantes para garantir o emprego (disponibilidade permanente obrigatória de uso de carro próprio, escritório próprio, material próprio, e outros eteceteras ) que não vêm propriamente elencados no Código do Trabalho, aquele que é a fonte de direitos dos despriviligiados trabalhadores do sector privado (ou também estão na calha para a nova rotulagem?).
Se não chegar à idade de reforma então sempre fico contente porque os meus descontos para a Caixa Geral de Aposentações beneficiarão seguramente a construção de mais uns quantos estádios de futebol, a criação de mais umas comissões de apuramento do que já está mais que visto, mais umas imprescindíveis viagens dos titulares dos cargos políticos, ou dos seus boys de confiança, na sua procura premente das soluções para o funcionamento adequado da justiça em Portugal ( à margem dos operadores judiciários nacionais, pessoas suspeitas, como de costume) e quiçá para o arranque daqueles projectos nacionais do tipo aeroporto na OTA ou TGV, que darão futuro brilhante aos nossos filhos, e um sentido de pertença à nossa velha nação valente e imortal, que será de novo uma figura decisiva no xadrez mundial. Os nossos filhos bem o merecem já que mal tiveram oportunidade de conhecer os pais (os tais que, se bem que com muitos remorsos e problemas de consciência, fizeram sentenças e coisas do género quando deviam estar a olhar para eles, a ajudá-los a crescer e a garantir o mínimo de condições psicológicas para ao fim do dia os ouvir e os adormecer, sem ser ao som das teclas do computador), velhos do Restelo, que são os verdadeiros responsáveis pelo actual estado calamitoso da economia, finanças, ensino, sistema de saúde, segurança social, criminalidade organizada e desorganizada, ou seja, tudo aquilo que deveria ter contribuído para que os sucessivos e preclaros governantes do pais encontrassem rosas onde na realidade só há espinhos - o que os pode impedir de gozar as suas merecidas férias, cuja duração e critérios de marcação a nação desconhece.
E com o dinheirinho que fui descontando, para a reforma que nunca terei, poderei ainda ajudar a mais uns programas contra a toxicodependência, que os meus filhos e os dos demais correm o risco de "contrair", a fazer fé na importância dada pelos estudos dados à estampa, da felicidade e harmonia familiar, da paciência dos pais e do apoio diário efectivo, como preventivos dessa calamidade social (desgraça de muitos; graça dos cartéis). Com a vertente positiva de que sempre criam mais uns postozitos de trabalho, nem que seja para aplicar multas por consumo …. aos toxicodependentes, que seguramente em sucessivos despojados gestos de contribuição para a recuperação da dívida pública, pagarão - e na própria hora.
E poderei, quiçá, morrer, orgulhosa de o fazer no meu posto de trabalho, às mãos de um avisado cidadão, que de tanto dar ouvidos àquilo que os órgãos de comunicação (não de informação) social veiculam ( por si ou em nome de interesses mais elevados) sobre as demoníacas características da espécie em que me incluo por via da profissão, resolva fazer o Bem, em nome da justiça, à própria justiça. Assim será, extreminando um dos indesejados .....seus concidadãos ( seguramente que desta parte final o valente não terá consciência - entraremos então no domínio dos actuais artºs 16º e 17º do C.P., o que o levará a uma apoteótica absolvição, se bem que pelos media, caso o poder judicial mantenha o privilégio de agir com independência ).
Mas não se pense que ser juiz em Portugal, neste momento é profissão de risco. Não. Nada disso. A hipótese que coloquei é puro delírio de quem está intelectualmente exausto.
Que risco pode haver nos tribunais que mereçam policiamento ? Nenhum seguramente. Quem lá vai é tudo boa gente, não há situações de conflito entre os utentes, e com o nível de felicidade social do povo português é de esperar alguma atitude menos cordata? Jamais.
E que risco haverá em ter no gabinete todos os dias cidadãos enfurecidos (porque assumiram como dores suas e boas todas as aleivosias que diariamente povoam os media contra os juízes) utilizando como argumento para a sua fúria o facto de o “seu” processo ( que entrou na maioria dos casos 15 dias antes) não ter sido decidido já? JÁ E EM SEU BENEFÍCIO, CLARO!!. E que importância tem se, contas feitas com os "ofendidos, se conclui que nos seus sábios conhecimentos sobre "as leis", o “seu processo” devia, no seu claro entendimento, ter sido decidido ainda antes de lhe terem posto o malfadado carimbo de entrada no tribunal ??? Com a fama que tem pois que se sinta a justiça culpada, por ele, cidadão, apenas ter agido perante a mesma num tempo em que agora, bem vistas as coisas, já tudo devia estar decidido.
E que risco há quando se está perante pessoas, de cujos bolsos ressaltam formas volumosas, pouco confortáveis de transportar mas com toda a certeza merecidamente levadas até ali, e que em linguagem cuidadosamente agressiva deixam ( pelo menos) bem explicito que estão ali para que se faça ... o que querem, e quanto antes?
E que risco há quando o argumento jurídico mais forte é que "ou o meu processo acaba já ou venho aqui e mato-os a todos".
Não há risco para a Justiça, porque este tipo de argumentos não são consideráveis e muito menos considerados.
Quanto ao risco pessoal dos que trabalham nos Tribunais todos os dias como juízes, meus concidadãos, não se incomodem; é porque se nada de mal ainda aconteceu seguramente que com a ajuda de Nossa Senhora de Fátima, Alá, Maomé ou até Bin Laden, nada há de acontecer. E se acontecer desde que cada um dos leitores não esteja lá no momento errado, que mal vem ao mundo. Paciência, são ossos do ofício.
Agora como já não são ossos dos ofícios de uma série de outras categorias profissionais foram-lhes atribuídos subsídios de risco e polícia permanente à porta. Isto para profissionais que não são titulares de nenhum Órgão de Soberania.
Porque quanto aos demais, ora essa, onde já se viu os senhores legisladores, vulgo deputados, não estarem devidamente seguros das suas pessoas, quando legislam coisas tão delicadas como aquela Portaria do salário mínimo que no artigo primeiro o fixa em euros , no artigo segundo "repristina", ou seja, coloca em vigor, uma outra norma que diz que o dito salário mínimo é de … 17.500$00?
Legislar é perigoso, potencialmente perigoso ( sobretudo quando não se entende quais as consequências práticas dos diplomas, eu diria).
Mas aplicar a lei, mandar colocar indivíduos , com cadastros que davam livros, atrás das grades, por mais uns anitos, numa sala cheia de gente apetrechada a seu bel prazer, sem a polícia por perto nem nicho para santo protector, é isento de perigo. Vai lá agora alguém levar mais uns anos de prisão a sério? Ou o pagamento de uns dinheiritos ao vizinho, a quem só de pensar no dito fica com divertículos intestinais ? Ora, francamente !
Que rica profissão. Privilégios não faltam, o que falta é tempo para os gozar.
E já agora: Alguém deu por ter sido nomeado para director do SIS, por acaso nesta altura dos acontecimentos ( cuja discrição se dispensa, e em véspera de uma greve ) , um juiz, por acaso membro do Conselho Superior da Magistratura, por acaso até eleito pelos seus pares, e por acaso com o que se prevê venha a ser o anuimento daquele mesmo Conselho, que por acaso já obstou a outras nomeações? Não se nota.
Não que tenha nada contra o SIS, nem contra quem nomeou o Sr Juiz, muito menos contra o o Sr. Juiz escolhido ( que pessoalmente conheço e considero), o Conselho Superior da Magistratura, ou as suas decisões.
Fico é com a desagradável dúvida sobre com quem ( num momento de tensão como este, com um pacote de medidas e intenções politicas que colocam os direitos dos juízes ao nível dos de escravos, e prenunciam a colocação da função judicial do Estado ao serviço das demais , pondo em crise a subsistência do regime democrático) podem os cidadãos contar para que se mantenha os juízes a exercer com plenitude as suas funções, que se se corporizam no despacho diário dos processos judiciais não deixam de ter o seu cerne, a sua razão de existir, no facto de o poder judicial ser a única estrutura do Estado que garante o respeito pelo princípio da legalidade, e os juízes os únicos garantes do efectivo funcionamento dessa estrutura, maxime naquelas vertentes que no dia a dia deixa aos cidadãos o sossego da expectativa de continuarem a viver numa democracia e não num qualquer regime totalitário.
É que o que distingue os regimes políticos democráticos dos totalitários é a actuação da estrutura política dominante. Ora o despojamento das características de independência e inamovibilidade, sem as quais não é efectiva a actuação do poder executivo, afigura-se-me verdadeiramente assustador. Quem é então o garante do cumprimento das normas constitucionais no que ao poder executivo respeita?»

Será preciso dizer mais alguma coisa?

2005-10-08

Contingentação

Longe de mim defender a actuação do actual Governo relativamente à Justiça.
Merece bem a generalidade das críticas que lhe têm sido feitas.
Porém, é bom lembrar que os problemas da Justiça enquanto sistema e dos Juízes enquanto profissionais não começaram com a tomada de posse deste Governo.
Há problemas antigos que permanecem por resolver, por razões que não consigo descortinar.
A contingentação de processos, por exemplo.
Há quantos anos se anda a falar dela?
Não acredito que seja por falta de estudos que ela não é implementada.
Por falta de tempo para fazer tais estudos é que, seguramente, não é.
Acredito mais facilmente que aquilo que realmente falta é vontade de a implementar.
Porque, se isso acontecesse, o sistema entraria imediatamente em falência.
É mais fácil continuar a sobrecarregar os Juízes.
Um dia, tudo isto vai ter de ser falado a sério, sem peias ou temores reverenciais.
E quanto mais depressa, melhor.
Para bem de todos, em especial do cidadão comum, que merece uma Justiça de qualidade e não uma justiça (usei propositadamente letra minúscula) massificada, na qual apenas interessam números e estatísticas.

2005-10-07

Os meus privilégios - 1

Nos tempos que correm, fala-se muito acerca dos privilégios dos juízes.
E quem sou eu para dizer que eles não existem?!
Muito pelo contrário!
Como não gosto de ser desmancha-prazeres, vou juntar-me ao coro!
Mais precisamente, vou falar sobre o meu veículo de serviço e o meu motorista.
Exerço funções no Círculo Judicial de Beja, o qual é constituído por 9 comarcas, entre as quais me desloco regularmente: Almodôvar, Beja, Mértola, Ourique, Moura, Serpa, Ferreira do Alentejo, Cuba e Portel.
Basta abrir um mapa para constatar que são bastante distantes entre si.
Em números redondos, percorro, por ano, em serviço, cerca de 8000 km.
Acresce que, ao contrário do que possa pensar quem apenas conhecer o Alentejo de passagem para o Algarve, há, por aqui, estradas péssimas.
E nem sempre o sol brilha.
Portanto, as deslocações são constantes, penosas e, por vezes, perigosas.
Nestas circunstâncias, valem-me os supra referidos privilégios!
O veículo de serviço é uma carrinha «Ford Mondeo», com 3 anos, cómoda e eficiente.
O motorista conduz menos mal e tem muita prática (pudera…), embora seja um bocado lento, pois insiste em cumprir o Código da Estrada.
Há, contudo, dois pequenos senãos:
1.º: O motorista exerce essa função em regime de «part time». Quando chega ao tribunal de destino, cessa essas funções, veste uma beca e faz julgamentos, só as retomando na hora do regresso. Resultado: quando os julgamentos finalmente acabam e ele retoma as suas funções de motorista, está, normalmente, exausto, estado em que, como ensina qualquer manual de segurança rodoviária, a condução é particularmente perigosa, sobretudo se for depois do pôr do sol e durante trajectos longos.
2.º: O veículo é propriedade do referido motorista em regime de «part time» e juiz de círculo entre viagens, que o pagou, o mesmo fazendo com o combustível que o faz andar e os custos de manutenção. Queixa-se o referido motorista/juiz de círculo de que tem ajudas de custo e compensação por deslocações por receber relativas ao período de Junho de 2004 (dois mil e quatro, não me enganei!) até hoje.
Como se vê, é bom ter privilégios!

2005-10-05

Apresentação 2

Identificação do proprietário deste monte:
Nome: Vítor Sérgio Sequinho dos Santos
Idade: 43
Profissão: Juiz de Direito, no Círculo Judicial de Beja.

Apresentação

Logo que ingressei na Magistratura Judicial – tomei posse, como Juiz de Direito auxiliar na Comarca de Loures, em 31.05.1995, após ter terminado o estágio –, apercebi-me de uma das regras básicas para aí se estar: CALAR.
Calar quando nos faltavam as mais básicas condições de trabalho.
Calar quando a quantidade de trabalho a nosso cargo excedia, em muito, as nossas humanas capacidades.
Calar quando era patente que o sistema não funcionava.
Calar quando cada medida tomada para resolver os problemas da Justiça, afinal, não resolvia coisa alguma.
Calar quando fossemos injustiçados internamente.
Calar quando fossemos atacados externamente.
Calar, não fazer ondas, tentar passar despercebido, ir sobrevivendo…
E muito cuidadinho com o nosso dever de reserva! Na dúvida, o melhor era não dizer coisa alguma.
O tempo passou.
Muitas coisas aconteceram entretanto.
Hoje, a Justiça está como todos sabemos. Nem vale a pena entrar em descrições.
E hoje, pergunto: Fizemos bem, como Juízes e como cidadãos, em calar?
Parece-me óbvio que não.
Nas actuais circunstâncias, calar, mais do que consentir, é capitular.
Daí a criação deste blog.
Não tenho a pretensão de o mesmo vir a ser muito frequentado.
Corro, até, o risco de ficar a falar sozinho.
Mas, ainda que isso aconteça, prefiro falar sozinho a continuar a calar acompanhado.