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2013-06-08

O tribunal e a amiga


O Direito Contra-Ordenacional português, substantivo e processual, põe à prova a paciência de qualquer jurista que nele pretenda encontrar alguma coerência interna, que meta ombros à tarefa de nele procurar algo que possa assemelhar-se a um sistema, ainda que incipiente.

A relativa juventude deste ramo do Direito em Portugal não constitui justificação para o estado, não digo caótico, mas a caminhar para lá em passo acelerado, a que o mesmo chegou. A fonte do problema não é tanto a escassez de elaboração doutrinária (embora, indirectamente, também passe por aí), mas a profusão de legislação com normas pouco pensadas e mal formuladas, com lacunas indesejáveis e, pior que tudo, sem qualquer preocupação de harmonização sistemática.

Em si mesmo, o Regime Geral das Contra-Ordenações (Decreto-Lei n.º 433/82, de 27.10) contém um sem-número de exemplos de tudo aquilo que acabo de referir. Quando cotejamos as suas normas com as suas homólogas constantes das numerosas leis-quadro sectoriais que à sua roda têm nascido como cogumelos, nem se fala.

Não é, assim, de estranhar que, a cada passo, nos deparemos com dificuldades e, consequentemente, com doutrina (pouca) e jurisprudência para todos os gostos.

Uma questão fundamental – nomeadamente porque pode ter implicações processuais importantes – que tem sido pouco abordada entre nós é a do estatuto da autoridade administrativa na fase judicial do processo contra-ordenacional.

Uma das teorias propostas é a de que a autoridade administrativa é, naquela fase, uma «amiga do tribunal» (amicus curiae ou, em versão britânica, friend of the court).

Não tenho qualquer preconceito em relação às autoridades administrativas em processo contra-ordenacional. São aquilo que são, como tudo na vida. Na sua maioria, são dependentes (em medida variável) do poder executivo estadual, logo acabam por ser aquilo que este determina que elas sejam em cada momento. Muitas delas são autarquias locais, logo também actuando segundo critérios que, de jurídico, podem ter pouco.

Tenho é as minhas dúvidas sobre se os tribunais devem ter amigas destas. Tendo como certo que os tribunais devem evitar más companhias e, pior ainda, amigas da onça, parece-me que aquela «tese da amizade» tem de ser posta à prova. Considerando, por um lado, o quadro normativo relevante e, por outro, aquilo que é, na realidade, a actuação das autoridades administrativas em Portugal, fará algum sentido a «tese da amizade», em qualquer das suas formulações? 

2010-09-02

Processo contra-ordenacional equitativo


É curioso que, numa mesma ordem jurídica, coexistam um Direito Processual Penal em vários aspectos ultra-garantista (a começar pela profusão de proibições de prova, algumas das quais sem fundamento razoável) e um Direito Contra-Ordenacional onde, sem exagero, o Estado de Direito fica frequentemente à porta, sobretudo na fase administrativa. Isto com o beneplácito de boa parte da jurisprudência nacional, verdade seja dita. No dia em que o Estado Português começar a ser demandado e, muito provavelmente, condenado, pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, por violação das garantias dos arguidos em processo contra-ordenacional, talvez as coisas comecem a mudar, no sentido de este último passar a ser levado a sério. A propósito, convém lembrar que o artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que consagra o direito a um processo equitativo, se aplica ao processo contra-ordenacional, conforme jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem – veja-se o célebre acórdão proferido por este tribunal no caso Öztürk vs. Alemanha, em 21.02.1984.

2008-02-22

Sobre a mediatização da Justiça


Acerca da forma paradoxal como frequentemente acaba por funcionar a garantia da publicidade da audiência de julgamento em processo penal, recordemos o que, já em 1994, observava TERESA PIZARRO BELEZA:

«A publicidade dos julgamentos penais, introduzida como forma de assegurar a defesa do arguido por contraposição à justiça secreta e insindicável do modelo inquisitório puro, transformou-se em boa medida num agravamento da situação do arguido. Ou porque a própria Lei manda que se publicite na imprensa a condenação em certos processos, ou, sobretudo, porque muitas vezes o princípio democrático da liberdade de informação e do carácter público, «visível» da Justiça se transvestiza em julgamentos sumários pelos mass-media e pela opinião pública, face aos quais a possibilidade de defesa dos visados ou o seu direito de resposta são irónica irrealidade.»

(Apontamentos de Direito Processual Penal, vol. III, AAFDL 1995, páginas 7 e 8)