2006-04-24

Sinistralidade rodoviária

Numa mesma página do EXPRESSO de 22 de Abril (página 10 do caderno principal), são publicadas duas notícias cujo confronto revela a ligeireza com que o Estado trata, há muito, o problema da sinistralidade rodoviária, não obstante periódicas promessas de mudança de política, todas elas sintetizáveis na fórmula «agora é que vai ser!».
Na notícia intitulada «Juristas das multas na rua», refere-se, a dada altura, que «segundo os últimos dados oficiais, em 2004 prescreveram cerca de 220.245 autos, o triplo de 2003».
Logo abaixo, sob o sugestivo título «Controlo a dobrar», informa-se, nomeadamente, que:
- O Governo tem «o objectivo de triplicar, a breve prazo, o número de testes de controlo de álcool aos condutores»;
- Em matéria de fiscalização da velocidade, enquanto nos dias da Páscoa do ano passado foram controladas 53.963 viaturas, este ano esse número disparou para as 127.194, o que teve o resultado imediato de terem sido detectados 3134 condutores em excesso de velocidade na Páscoa de 2006, enquanto na de 2005 foram apanhados 1594 condutores a cometer essa infracção;
- Do total das contra-ordenações, 2799 foram graves (1074 em 2005) e 545 muito graves (187 em 2005).
Se estas despretensiosas linhas pretendessem alcançar o invejável estatuto de «Estudo Credível», na linha de um outro que, a muito custo (literalmente, a ferros), viu a luz do dia recentemente, sobre férias judiciais, seria este o momento de aplicar a velha (mas, pelo menos para alguns, sempre sedutora) regra de três simples: ao dobro da intensidade da fiscalização corresponderá, forçosamente (sim, porque nesta coisa dos números, não há lugar para dúvidas: 2 + 2 = 4), o dobro das prescrições.
E quem tentasse demonstrar o contrário, estaria apenas a defender interesses inconfessáveis, nomeadamente de índole corporativa.
Mas pretendendo eu apenas fazer um post, não irei tão longe.
Admito, por exemplo, que haja factores que possam vir a contrariar o efeito da aplicação cega da regra de três simples, como a adopção de medidas que permitam uma maior eficácia do sistema e uma diminuição do número de prescrições.
Porém, regressando à 1.ª notícia, cujo tema fulcral é a alegada intenção do Governo de dispensar, de uma assentada, os juristas que têm tramitado os processos administrativos por contra-ordenações estradais e possuem alguns anos de experiência profissional, e de os substituir por recém licenciados da Universidade Católica, ainda por cima sem concurso público, não encontro motivos para esperar melhorias.
Ao contrário, talvez tenhamos de concluir, dentro de 1 ano, em matéria de prescrições, que 2 + 2 = 5.
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Post publicado no blog DIZPOSITIVO.

2006-04-19

Videoconferência e verdade

Ao reler este post, ocorreu-me que o próprio legislador teve, provavelmente, consciência da menor fiabilidade, como meio de prova, do depoimento prestado através de videoconferência.
A não ser assim, como se compreende que, ao contrário do que acontece em processo civil, a inquirição de testemunhas através de videoconferência possua carácter excepcional em processo penal, por força do n.º 1 do art. 318.º do Código de Processo Penal?
Se a inquirição através de videoconferência é tão boa como a presencial, por que razão se limitou drasticamente a primeira em processo penal?
Ou foi por capricho (pecado esse vedado ao legislador), ou foi porque, afinal, se reconheceu que o depoimento prestado através de videoconferência é menos fiável, como meio de prova, do que aquele que o seja presencialmente.
Fico, então, com a seguinte dúvida: A verdade é, para o legislador português, menos importante em processo civil do que em processo penal? Se o é, porquê?

2006-04-08

Tribunal de Beja

aqui falei acerca da permeabilidade do Tribunal Judicial da Comarca de Beja.
Permeabilidade à chuva, claro.
A «Circular do Silêncio», com que fomos surpreendidos há dias, estimulou-me no sentido de voltar ao tema.
Aquele tribunal está instalado num edifício sólido e digno, construído na época em que era Ministro da Justiça o Sr. Professor Cavaleiro de Ferreira e situado numa zona nobre da cidade.
Durante cerca de meio século, nunca teve problemas.
Nem infiltrações, nem uma simples racha.
Sofreu profundas obras de remodelação há dois anos.
Desde então, cada vez que chove, temos água com fartura em vários pontos do edifício, nomeadamente em corredores e gabinetes de magistrados.
As consequências são as habituais: processos encharcados, corredores intransitáveis, gabinetes inutilizáveis, trabalho ao som da água da chuva a cair dentro de baldes de plástico…
Já houve mais de uma tentativa de reparação, mas ficou tudo na mesma.
A água continua a entrar nos mesmos sítios e com idêntica abundância.
Pergunto:
Quem adjudicou a obra e com base em que critérios?
Quem fiscalizou a execução da obra?
Quem aceitou a obra, acto este que pressupõe prévia verificação da sua perfeição?
Como é isto possível?
Quem responde por isto?