Showing posts with label Reforma Penal. Show all posts
Showing posts with label Reforma Penal. Show all posts

2025-01-20

A «Reforma Penal Casa Pia» segundo o Director Nacional da Polícia Judiciária


Uma parte interessante desta intervenção do Director Nacional da Polícia Judiciária foi omitida pelos jornais. Transcrevo-a:

«Eu apanhei, como director, no início da minha carreira como dirigente, o «Código de Processo Penal Pós Casa Pia», 15 de Setembro de 2007, em que se levou à libertação de muita gente, e que, a partir daí, 2008, 2009, foram anos de grande actividade criminosa violenta.

Eu vou apenas dizer aqui os números, desde 2005:

2005: 15.000 crimes. 2006: 13.000-14.000. 2010: 24.500 crimes violentos. 2011: 24.000. Depois, começou a baixar, até que andamos agora na ordem dos 12, 13, 14.000.»

Como director de uma polícia, Luís Neves sabe bem do que fala. Escrevi, em devido tempo, acerca dos mais que previsíveis efeitos negativos da malfadada «Reforma Penal de 2007», também conhecida, por razões óbvias, por «Reforma Penal Casa Pia», (link 1, link 2, link 3, link 4, link 5). Não me enganei nessas previsões.


2024-09-22

Sobre a oportunidade do «Manifesto dos 50»


Tem inteiro fundamento a observação, lida algures, de que ímpetos reformistas da legislação penal e processual penal como aquele que o «Manifesto dos 50» corporiza tendem a coincidir com fases críticas de processos penais em que são envolvidas «pessoas públicas», mormente políticos proeminentes. Tais ímpetos não surgem do nada, nem por causa de processos que visem exclusivamente o «cidadão anónimo», que são a absolutamente esmagadora maioria.

Assim foi no rescaldo do «Processo Casa-Pia», que determinou a «Reforma Penal de 2007» (falei disso, nomeadamente, aqui), e assim volta a ser no da queda do Governo da República e do Governo Regional da Madeira na sequência de diligências praticadas em inquéritos criminais em curso. Assim se cumpre, mais uma vez, a nossa desgraçada tradição.


2024-09-10

Como mascarar os problemas do sistema prisional


Escrevi aqui que, ao longo dos últimos 50 anos, o poder político se tem limitado a «gerir a crise» e a empurrar com a barriga os problemas do nosso sistema prisional, em vez de os resolver. Pior, especializou-se em mascará-los.

O expediente para o efeito mais utilizado tem sido a concessão de amnistias e perdões de penas quando a pressão resultante da sobrelotação das prisões se torna insuportável, colocando-se em liberdade, de um dia para o outro, algumas centenas de reclusos. As visitas papais a Portugal são o pretexto preferido, mas até a Covid-19 serviu para conceder um perdão de penas encapotado.

Noutras ocasiões, a máquina político-mediática é posta em marcha no sentido de espalhar a ideia de que há demasiados presos em Portugal. Uma vez preparado, dessa forma, o terreno, sai uma alteração da legislação penal que tem por efeito a imediata libertação de mais algumas centenas de reclusos. A «Reforma Penal de 2007» foi um flagrante exemplo disso. Embora não assumido (obviamente…), um dos objectivos centrais dessa reforma foi esvaziar prisões, fosse a que preço fosse, como em devido tempo salientei:

- Objectivo: esvaziar prisões (1) – link

- Objectivo: esvaziar prisões (2) – link

- Objectivo: esvaziar prisões (3) – link

A enfrentar os reais problemas do sistema prisional, reformando-o de alto a baixo, é que todos têm fugido. É complicado, é demorado, requer investimentos significativos e, ainda por cima, não dá votos.


2024-07-30

Aumentar o policiamento: o penso rápido.


A criminalidade aumenta? O cidadão pacato e cumpridor sente-se inseguro quando sai à rua, quando está numa superfície comercial, até mesmo quando está em casa? A reivindicação dos autarcas é sempre a mesma: mais policiamento. À qual o/a ministro/a da administração interna que estiver em funções poderá reagir de várias formas:

1 – Reconhecer que o problema existe e aumentar o policiamento nos locais onde a crise se verifica;

2 – Reconhecer que o problema existe, prometer aquele aumento, mas nunca o concretizar, com a esperança de que o problema desapareça espontaneamente ou de que o cidadão pacato e cumpridor se habitue à sua nova forma de vida (não sair de casa sem antes ir à janela ver como está o ambiente na rua, sair sem ostentar objectos que possam despertar a cobiça alheia, olhar permanentemente em redor e voltar para casa o mais depressa possível, preferencialmente antes de escurecer) e deixe de reclamar;

3 – Negar a existência do problema, sendo optativo aproveitar a ocasião para dissertar – ou mandar alguém fazê-lo – acerca da distinção entre insegurança e sentimento de insegurança (escrevi sobre isto em 2008 – link);

4 – Ignorar olimpicamente o pedido de mais policiamento.

Na melhor das hipóteses, a opção será, obviamente, a primeira. Contudo, importa ter em mente que o reforço do policiamento em determinado local não passa de uma medida pontual e necessariamente transitória, que não resolve verdadeiramente o problema da insegurança. Trata-se de uma espécie de penso rápido: protege a ferida, mas, nem dispensa o tratamento desta, nem pode lá ficar para sempre.

Perante o aumento do policiamento em determinado local, aquilo que acontecerá, na melhor das hipóteses, será a deslocação dos elementos causadores de insegurança para outro. Aí, reinicia-se o ciclo descrito, com outra localização. Como, ao contrário dos pensos rápidos, as forças de segurança são escassas, o reforço do policiamento na nova localização implicará, inevitavelmente, a diminuição deste na anterior, ou numa das anteriores. Daí a apontada similitude com o penso rápido também no que toca à provisoriedade, embora por razões diferentes.

E nada mais poderá fazer o/a ministro/a da administração interna. Ou seja, na realidade, pouco pode fazer.

O problema da insegurança em Portugal é muito mais profundo e, no que à lei diz respeito, tem as suas raízes na década de 80 do século XX, quando se fez um Código Penal que se quis em linha com o que de mais vanguardista existia à época («à la pointe même du progrès», como se ufanava o legislador no respectivo prefácio), mas que se mostrou absolutamente inadequado às especificidades e às necessidades do nosso país. A isso, acresce a desactualização do ideário jurídico-penal em que assenta, face a um país (e a uma Europa, e a um mundo) em vertiginosa mudança, seguramente para pior em matéria de insegurança. As sucessivas e, por vezes, erráticas alterações a que tem sido sujeito, não resolveram os problemas referidos. Em algumas matérias, agravaram-nos.

É claro que o problema da insegurança tem múltiplos factores na sua origem. Não se resolve com mudanças legislativas, longe disso. Não obstante, a lei tem de cumprir a sua parte. A lei penal (na sua globalidade) de um país tem de se adequar às especificidades e corresponder às necessidades deste em cada momento. É isto que o Código Penal de 1982 nunca conseguiu (escrevi sobre isto em 2011 – link).

O essencial do problema da insegurança não pode, pois, ser resolvido pelo Ministério da Administração Interna. No que à legislação respeita, é assunto para a Assembleia da República. Agora, que tanto se fala novamente na necessidade de uma reforma da justiça, aproveitem para fazer uma reforma penal a sério, em vez de se limitarem a fazer a habitual meia dúzia de remendos legislativos, que hão-de resolver tanto quanto os anteriores, ou seja, nada.


2012-09-19

Reincidência, essa desconhecida (2)


Li, há tempos, um artigo da jornalista Valentina Marcelino, publicado no Diário de Notícias de 20.06.2012, sobre um problema grave que aqui tenho abordado recorrentemente desde há vários anos: a inexistência de estudos credíveis sobre a criminalidade em Portugal - LINK.

O título é sugestivo: «Estado desconhece número de criminosos reincidentes».

O artigo mistura repetidamente dois problemas distintos: o da ausência de estudos sobre criminalidade, indispensáveis para uma definição racional da política criminal e da actividade legislativa, por um lado, e o do conhecimento, em cada processo, dos antecedentes criminais do(s) arguido(s), por outro. Uma coisa nada tem a ver com a outra. São problemas diferentes, a sua resolução depende de instrumentos diferentes, as finalidades da informação obtida são diferentes, tal como são diferentes os destinatários dessa mesma informação.

Quase no final do artigo, Laborinho Lúcio, respondendo à pergunta sobre a importância de conhecer a reincidência criminal, distingue claramente os dois problemas, assim: «É indispensável em dois planos. O primeiro, no que toca à definição das políticas criminais. Por um lado, é o conhecimento daquela taxa que permite avaliar o resultado das medidas de política entretanto adotadas para combater o crime e a sua repetição pelo mesmo agente; por outro lado, é a partir desse conhecimento que é possível definir estratégias e objetivos concretos em sede de intervenção, seja no plano legislativo seja no das práticas ligadas à execução das penas. O segundo plano é aquele que toca já a intervenção judicial, nomeadamente em matéria de condenação criminal.»

Neste momento, interessa-me apenas o primeiro problema: a falta de estudos sobre criminalidade. Destaco as partes que, nesta perspectiva, considero mais interessantes:

«Numa altura em que o Governo quer mudar as leis penais, peritos alertam para o desconhecimento por parte do Estado das taxas de reincidência criminal, que medem a eficácia das medidas.»

«O Estado português não sabe quantos criminosos voltaram a reincidir, nem porquê, nem o seu perfil. (…) Não há estudos nem contas sobre os custos da reincidência. Especialistas alertam para esta falha, quando o Governo quer alterar as leis penais. Conhecer a reincidência é fundamental para saber se as penas aplicadas produziram o objetivo principal: evitar que condenados voltem a cometer crimes.»

«Numa altura em que estão em cima da mesa novas propostas de alteração ao Código Penal e ao Código de Processo Penal, por parte do Governo, estas decisões são tomadas sem base científica e no meio da total ignorância quanto à eficácia das medidas tomadas.»

“Que criminosos mais reincidem e que tipo de penas são mais eficazes? A pulseira eletrónica evita mais ou menos a reincidência que a prisão? Que resultados em concreto têm os programas de prevenção e reinserção social? De que prisões são os reclusos com maior taxa de reincidência e porquê? E quanto custa ao Estado a reincidência? Não há resposta a estas perguntas. Foi gasto dinheiro público na prisão (cada recluso custa, em média, 14 600 euros por ano), mas quando volta a reincidir, não só o dinheiro foi desbaratado, como a segurança não melhorou.»

«O Ministério da Justiça admitiu ao DN que "a informação sobre reincidência criminal resulta de um trabalho específico e pontual de estudo e de avaliação é datada e parcial, destinando-se a avaliações internas, uma vez que não se procede ao registo, em base de dados, desta variável". E, acrescenta, "as taxas de reincidência apresentam, por norma, valores estáveis e de longa duração". O último destes estudos, genérico, já tem cinco anos e fixou a taxa em 29%. Mas não é conhecido o perfil das reincidências. Em 2003, a Provedoria de Justiça fez uma avaliação profunda das prisões e apresentou uma taxa de reincidência de 51%.»

Acrescento eu: Apesar de estar tudo, ou quase tudo, por fazer a este nível, a reforma do Código Penal e do Código de Processo Penal segue dentro de momentos. Mais uma e de novo às cegas, à semelhança da de 2007, de muito má memória.

2011-07-22

O discurso da ministra da justiça - 2


Outro trecho importante do discurso da ministra da justiça por ocasião da discussão do programa do governo (o realce é da minha autoria):

«Estado de Direito não se confunde com Estado de leis. A constante alteração das leis está a minar o fundamento do Estado de Direito. Deve seguir-se como orientação o princípio, inclusivamente adoptado como norma na Constituição Federal Suíça, segundo o qual todas as leis do Estado necessitam de avaliação da sua eficácia.
No campo da Justiça são muitos os exemplos de reformas legislativas precipitadas:
- A reforma da legislação penal e processual penal
- A reforma da acção executiva
- As constantes alterações da legislação da insolvência
- O regime de inventário.»

Afirmar-se que a reforma da legislação penal e processual penal de 2007 (é obviamente essa que a ministra da justiça tem em vista) foi precipitada, nada tem de especial. Muitos o têm feito ao longo dos quase 4 anos que desde então decorreram. É o mínimo que dela se pode dizer. Há quem vá mais longe e afirme, sem rodeios, que aquela reforma enfermou do pecado original de visar um processo concreto – o «processo Casa Pia» –, que é o pecado mais grave que um acto legislativo pode praticar. Dediquei inúmeras mensagens ao tema, que podem ser encontradas através da lista temática à direita.
Já uma ministra da justiça dizer com toda a clareza, no primeiro discurso que nessa qualidade proferiu na Assembleia da República, que a reforma da legislação penal e processual penal de 2007 foi precipitada, assume uma relevância transcendente.
Por isso, aqui fica o registo.
Escusado será dizer que estou totalmente de acordo.

2008-07-29

Desilusões

.
O EXPRESSO do passado dia 26 publicou uma entrevista a José Faria Costa, Professor Catedrático da Faculdade de Direito de Coimbra (1.º caderno, p. 16).

A entrevista tem interesse, mas prefiro destacar o texto que a antecede, da autoria do jornalista Carlos Rodrigues Lima, que reproduzo parcialmente:

"(...) o último ano ficou marcado pelas reformas dos Códigos Penal e do Processo Penal. Desnecessária, segundo o professor Faria da Costa (...). Certo é que a reforma lá se fez e os problemas começam a aparecer: os prazos do segredo de justiça, penas mais baixas, a polícia a fazer menos detenções.

Uma cena de um tiroteio no Bairro da Quinta da Fonte e as notícias a dar conta de que dois dos envolvidos saíram em liberdade. Ninguém ficou preso? Rui Pereira, agora com o fato de ministro da Administração Interna, deve ter ficado desiludido com o penalista Rui Pereira que liderou a Unidade de Missão para a Reforma Penal. (...)"

2008-07-13

Oeste em Loures

.
Eduardo Dâmaso, no Correio da Manhã de hoje:

«O que se passa em Loures é o resultado da inexistência de políticas de integração – reduzidas a um conjunto de programas governamentais em que dominam os burocratas e a rapaziada colocada por mero critério político e não de competência.

É o resultado de sinais desastrosos que foram dados pela recente alteração das leis penais, desvalorizando o necessário exercício da autoridade democrática do Estado.

Em vez de se optar por uma lógica e uma cultura judicial que tenha meios, escolheu-se o caminho de um garantismo suicida em nome de uma alegada protecção de direitos fundamentais. Não nos iludamos: ainda só estamos a começar o caminho de um enorme descalabro.»

Texto integral: LINK

2008-07-03

Actas da UMRP: do segredo à blindagem

.
Tarde e a muito custo, lá foram publicadas as actas das reuniões da Unidade de Missão para a Reforma Penal.

Note-se, a propósito, que a 1.ª reunião se realizou em 03.10.2005 e a 31.ª e última em 26.02.2007.

Porém, as actas vêm, literalmente, blindadas: não é possível editar, copiar ou, sequer, imprimir!

Será para proteger o ambiente?


2008-07-02

Finalmente!

-
As actas das reuniões da Unidade de Missão para a Reforma Penal acabam de ser divulgadas no site do Ministério da Justiça.

2008-05-11

Por falar em segurança interna...


O Relatório de Segurança Interna de 2007 ainda não está no site do Ministério da Administração Interna.

Atendendo a que já estamos em meados de Maio, talvez fosse tempo de o referido relatório ser disponibilizado ao público através da internet, digo eu…

Para mais quando houve tanta pressa em divulgar antecipadamente algumas partes do mesmo, para tentar sossegar o povo (link). Parece que não se conseguiu sossegar ninguém (pois é, a realidade desmente brutalmente as estatísticas... e a liberdade de imprensa é uma chatice, os jornais dizem o que querem…), mas a tentativa foi boa.

Dizia eu que talvez seja tempo de o Relatório de Segurança Interna de 2007 ser disponibilizado à comunidade, através da internet.

Ou será que o exemplo das actas da Unidade de Missão para a Reforma Penal, cujo paradeiro permanece desconhecido (link), frutificou?

2008-04-29

Quem se queixar, leva!


Li ontem uma notícia segundo a qual uma esquadra de polícia foi invadida no passado domingo, cerca das 17 horas, por um grupo de indivíduos.

Não, não foi em Timor-Leste, ou no Quénia, ou no Zimbabué, ou sequer no Iraque. Foi em Moscavide, arredores de Lisboa.

Transcrevo parte dessa notícia:

«A 35ª esquadra da PSP de Moscavide, em Loures, foi invadida ontem à tarde por um grupo de 10 a 15 pessoas. De acordo com a TSF, um único polícia estava na esquadra no momento da invasão, que ocorreu por volta das 17h.

O grupo, que acabou por fugir sem que fosse possível fazer a identificação dos indivíduos, entrou na esquadra para agredir um jovem que apresentava queixa de um dos membros desse mesmo grupo.»

Ora aqui está uma forma eficaz de fazer descer as estatísticas do crime (que parece ser a única coisa que interessa neste domínio): quem se queixar, leva!

Continue-se, pois, a desguarnecer as esquadras e a não reprimir (R-E-P-R-I-M-I-R, não foi engano) os meliantes.

A «criminalidade-zero» está aí, já ao virar da esquina!

Estatisticamente falando, claro.

2008-04-24

Insegurança? Qual insegurança?


Ainda a propósito do problema da insegurança (o qual, obviamente, não existe):

A protecção dos bandos.


2008-04-14

Pendências


A actual redacção do n.º 1 do art. 342.º do Código de Processo Penal, resultante da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, é uma delícia.

Aí se diz que, no início da audiência de julgamento, o juiz presidente deve perguntar ao arguido pelo seu nome e restantes elementos de identificação e «sobre a existência de processos pendentes» (sic).

Interpretada literalmente, esta última expressão nada significa. Perguntar ao arguido «sobre a existência de processos pendentes» é, em rigor, o quê? Existem processos pendentes, é verdade. E muitos.

O que o legislador quis dizer é, porém, óbvio. Indagar se um arguido «tem processos pendentes» é uma forma corriqueira de designar aquilo que o cuidadoso legislador de 1987, na redacção originária do art. 342.º do CPP, expressou nos seguintes termos «o presidente pergunta ao arguido (…) por qualquer outro processo penal que contra ele nesse momento corra (…)».

Sinto saudades do tempo em que quem elaborava leis, ciente da transcendente responsabilidade inerente a essa tarefa, se esforçava, entre outras coisas, por se expressar de forma elegante e tecnicamente rigorosa.

Hoje, fazem-se leis em cima do joelho, à pressa, à pressão, para cumprir prazos e pactos, para se conseguir ser notícia de abertura de um telejornal ou de primeira página de um jornal, para criar a ilusão de que se está a resolver problemas quando, na realidade, se está a agravá-los, e o resultado está à vista. No particular aspecto que agora tenho em vista, nem sequer era preciso inventar: teria bastado, ao legislador de 2007, dar-se ao trabalho de reler a versão originária do Código de Processo Penal para ficar a saber como deveria expressar-se.

Ou seja, hoje, até em calão se legisla. Por este andar, virá o dia em que o legislador determinará que o juiz presidente pergunte ao arguido «se já alguma vez foi dentro e porquê».

2008-02-26

Sobre o estado do Direito Português


O PREC continua.

Foi hoje publicado na 1.ª Série do Diário da República o Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de FevereiroO seu artigo 1.º é elucidativo sobre o estado caótico a que, reforma após reforma, chegou o Direito Português:

Artigo 1.º
Objecto

O presente decreto-lei aprova o Regulamento das Custas Processuais e procede à alteração dos seguintes diplomas:

a) Código de Processo Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 44 129 de 28 de Dezembro de 1961, alterado pelos Decretos-Leis n.os 47 690, de 11 de Maio de 1967, e 323/70,de 11 de Julho, pela Portaria n.º 439/74, de 10 de Julho, pelos Decretos-Leis n.os 261/75, de 27 de Maio, 165/76,de 1 de Março, 201/76, de 19 de Março, 366/76, de 5 de Maio, 605/76, de 24 de Julho, 738/76, de 16 de Outubro, 368/77, de 3 de Setembro, e 533/77, de 30 de Dezembro, pela Lei n.º 21/78, de 3 de Maio, pelos Decretos-Leis n.os 513-X/79, de 27 de Dezembro, 207/80, de 1 de Julho, 457/80, de 10 de Outubro, 400/82, de 23 de Setembro, 242/85, de 9 de Julho, 381-A/85, de 28 de Setembro, e 177/86, de 2 de Julho, pela Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto, pelos Decretos-Leis n.os 92/88, de 17 de Março, 321-B/90, de 15 de Outubro, 211/91, de 14 de Julho, 132/93, de 23 de Abril, 227/94, de 8 de Setembro, 39/95, de 15 de Fevereiro, 329-A/95, de 12 de Dezembro, 180/96, de 25 de Setembro, 375-A/99, de 20 de Setembro, e 183/2000, de 10 de Agosto, pela Lei n.º 30-D/2000, de 20 de Dezembro, pelos Decretos-Leis n.os 272/2001, de 13 de Outubro, e 323/2001, de 17 de Dezembro, pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, pelos Decretos-Leis n.os 38/2003, de 8 deMarço, 199/2003, de 10 de Setembro, 324/2003, de 27 de Dezembro, 53/2004, de 18 de Março, e 76-A/2006, de 29 de Março, pelas Leis n.os 6/2006, de 27 de Fevereiro, 14/2006, de 26 de Abril, e 53-A/2006 de 29 de Dezembro, e pelos Decretos -Leis n.os 8/2007, de 17 de Janeiro, e 303/2007, de 24 de Agosto;

b) Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto -Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro, alterado pela Lei n.º 17/87, de 1 de Junho, pelos Decretos -Leis n.os 387-E/87, de 29 de Dezembro, 212/89, de 30 de Junho, 17/91, de 10 de Janeiro, e 57/91, de 13 de Agosto, pela Lei n.º 57/91, de 13 de Agosto, pelos Decretos-Leis n.os 423/91, de 30 de Outubro, 343/93, de 1 de Outubro, e 317/95, de 28 de Novembro, pelas Leis n.os 59/98, de 25 de Agosto, 3/99, de 13 de Janeiro, 7/2000, de 27 de Maio, e 30 -E/2000, de 20 de Dezembro, pelo Decreto -Lei n.º 320-C/2000, de 15 de Dezembro, pela Lei n.º 52/2003, de 22 de Agosto, pelo Decreto -Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, pela Lei Orgânica n.º 2/2004, de 12 de Maio, e pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto;

c) Código de Procedimento e de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto -Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro, alterado pelas Leis n.os 3-B/2000, de 4 de Abril, 30-G/2000, de 29 de Dezembro, 15/2001, de 5 de Junho, 109 -B/2001, de 27 de Dezembro, e 32 -B/2002, de 30 de Dezembro, pelos Decretos -Leis n.os 38/2003, de 8 de Março, e 160/2003, de 19 de Julho, pelas Leis n.os 55-B/2004, de 30 de Dezembro, e 60-A/2005, de 30 de Dezembro, pelos Decretos-Leis n.os 76-A/2006, de 29 de Março, e 238/2006, de 20 de Dezembro, e pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro;

d) O regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª instância, aprovado em anexo pelo Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, alterado pelos Decretos-Leis n.os 383/99, de 23 de Setembro, 183/2000, de 10 deAgosto, 323/2001, de 17 de Dezembro, 32/2003, de 17 de Fevereiro, 38/2003, de 8 de Março, 324/2003, de 27 de Dezembro, 107/2005, de 1 de Julho, 14/2006, de 26 de Abril, e 303/2007 de 24 de Agosto;

e) Código do Registo Comercial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 403/86, de 3 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelos Decretos-Leis n.os 7/88, de 15 de Janeiro, 349/89, de 13 de Outubro, 238/91, de 2 de Julho, 31/93, de 12 de Fevereiro, 267/93, de 31 de Julho, 216/94, de 20 de Agosto, 328/95, de 9 de Dezembro, 257/96, de 31 deDezembro, 368/98, de 23 de Novembro, 172/99, de 20 deMaio, 198/99, de 8 de Junho, 375-A/99, de 20 de Setembro, 410/99, de 15 de Outubro, 533/99, de 11 de Dezembro, 273/2001, de 13 de Outubro, 323/2001, de 17 de Dezembro, 107/2003, de 4 de Junho, 53/2004, de 18 de Março, 70/2004, de 25 de Março, 2/2005, de 4 de Janeiro, 35/2005, de 17 de Fevereiro, 111/2005, de 8 de Julho, 52/2006, de 15 de Março, 76 -A/2006, de 29 de Março, 8/2007 de 17 de Janeiro, e 303/2007, de 24 de Agosto;

f) Código do Registo Predial, aprovado pelo Decreto -Lei n.º 224/84, de 6 de Julho, com as alterações decorrentes dos Decretos-Leis n.os 355/85, de 2 de Setembro, 60/90, de 14 de Fevereiro, 80/92, de 7 de Maio, 30/93, de 12 de Fevereiro, 255/93, de 15 de Julho, 227/94, de 8 de Setembro, 267/94, de 25 de Outubro, 67/96, de 31 de Maio, 375 -A/99, de 20 de Setembro, 533/99, de 11 de Dezembro, 272/2001, de 13 de Outubro, 323/2001, de 17 de Dezembro, 38/2003, de 8 de Março, e 194/2003, de 23 de Agosto, pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, e pelo Decreto-Lei n.º 263-A/2007, de 23 de Julho;

g) O regime jurídico das associações de imigrantes, aprovado pela Lei n.º 115/99, de 3 de Agosto, regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 75/2000, de 9 de Maio;

h) Decreto-Lei n.º 35781, de 5 de Agosto de 1946, alterado pelo Decreto-Lei n.º 193/97, de 29 de Julho;

i) Decreto-Lei n.º 108/2006, de 8 de Junho.

Realço mais uma alteração do infortunado Código de Processo Penal, ainda há escassos meses alterado pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, rectificada pelas Declarações n.ºs 100-A/2007 e 105/2007, publicadas, respectivamente, em 26 de Outubro e 9 de Novembro de 2007.

2007-11-03

O PREC e o PACTO


No meio da bagunça em que se transformou a «Reforma Penal», tem interesse reler o «Pacto para a Justiça», para vermos quão longe estamos dos objectivos que o mesmo se propôs.

Transcrevo a parte pertinente desse «Pacto» (os realces são da minha autoria):

«O êxito da reforma da justiça é fundamental para o desenvolvimento do País. Para se poder concretizar esse objectivo é importante que as leis que a Assembleia da República venha a aprovar neste domínio disponham de um apoio mais amplo do que uma maioria de governo, e muito em especial do principal partido da oposição. Será assim possível assegurar a desejável estabilidade de opções legislativas de efeitos estruturantes, cujos resultados só se consolidam para lá do âmbito duma legislatura.

Neste quadro, com vista a assegurar um contributo eficaz da acção legislativa para o desenvolvimento da reforma da justiça, os signatários celebram o seguinte acordo: (...)»

Qualquer semelhança com a realidade será mera coincidência.

2007-10-14

Responsabilidade criminal das pessoas colectivas


Os bons textos não podem cair no esquecimento.

Aqui fica a reprodução de um artigo de opinião publicado no semanário EXPRESSO de 29 de Setembro de 2007, da autoria de TERESA SERRA, sobre o tema da responsabilidade criminal das pessoas colectivas.

«Desde 15 de Setembro, passou a estar prevista no Código Penal a responsabilidade criminal de pessoas colectivas relativamente a certos tipos de crimes. Assim, pela prática de certos crimes, ao contrário do que acontecia até agora, as pessoas colectivas, em especial as empresas, rectius, algumas pessoas colectivas e empresas!, poderão ser responsabilizadas criminalmente, nos termos do novo artigo 11.º.

Em causa, estão designadamente crimes de maus tratos, tráfico de pessoas, contra a liberdade e autodeterminação sexual de menores, falsificação, crimes ambientais, associação criminosa, tráfico de influência, suborno, favorecimento pessoal, branqueamento ou corrupção (artigo 11.º, n.º 2). De fora deste lote, ficam o homicídio negligente, sinal de que não se pretendeu enfrentar a sinistralidade estradal, laboral, ou relativa à saúde, e a burla, um dos crimes mais cometidos no âmbito das empresas.

Surpreendentemente, a responsabilidade pela prática destes crimes está apenas prevista para pessoas colectivas e empresas... privadas! E nem todas! Numa solução que não encontra paralelo em qualquer ordem jurídica do nosso universo, são excluídas da responsabilidade criminal, além do Estado, outras pessoas colectivas públicas e organizações internacionais de direito público (art. 11.º, n.º 2). O legislador foi específico: para efeitos da lei penal a expressão pessoas colectivas públicas abrange: a) Pessoas colectivas de direito público, nas quais se incluem as entidades públicas empresariais; b) Entidades concessionárias de serviços públicos, independentemente da sua titularidade; c) Demais pessoas colectivas que exerçam prerrogativas de poder público.

Até agora, os crimes previstos no Código Penal só podiam ser cometidos por pessoas singulares, de carne e osso. Pelo contrário, em diversas leis avulsas, relativas à criminalidade económica, fiscal e informática, foi prevista, paulatinamente, a partir de meados da década de 80, a responsabilidade criminal de quaisquer entidades colectivas públicas ou privadas, incluindo o Estado. O que significa ainda que o novo artigo 11.º do Código Penal vem introduzir uma dualidade de critérios que nada justifica.

Num país em que o poder do Estado e do sector público tem um peso que é de todos conhecido, a solução agora vertida no artigo 11.º do Código Penal tem o condão de excluir da responsabilidade criminal milhares de pessoas colectivas públicas e de empresas públicas e privadas, estas últimas na medida em que sejam concessionárias de serviços públicos ou recebam prerrogativas de poder público.

Esta solução coloca evidentes problemas no plano da concorrência. Sabendo-se que, em termos económicos, é, por exemplo, mais rentável a violação dos deveres e normas ambientais, uma isenção total de responsabilidade criminal origina uma importante vantagem competitiva para quem dela beneficia. O que, em última análise, pode resultar em violação flagrante de princípios constitucionais.

A Holanda foi, na Europa continental, o primeiro país a introduzir a responsabilidade criminal de pessoas colectivas no Código Penal. Fê-lo, em 1976, de uma forma muito ampla: os crimes podem ser cometidos por pessoas singulares e por pessoas colectivas, incluindo o Estado.

Em 1987, há vinte anos portanto, um hospital foi condenado por homicídio negligente depois de um paciente ter morrido durante uma operação em virtude da utilização de equipamento de anestesia ultrapassado, numa decisão que constituiu o primeiro caso de condenação de uma pessoa colectiva por homicídio na Holanda. Não se discutiu se o hospital era público ou privado, dada a sua irrelevância face ao Código Penal holandês. Em Portugal também isso não se discutiria ainda hoje: o nosso Código Penal agora alterado continua a não prever a responsabilidade criminal de pessoas colectivas pelo cometimento de um crime de homicídio negligente! A nossa distância relativamente aos outros também se mede pela legislação que produzimos...»

2007-09-15

A previsão da impunidade


Ainda a propósito da libertação maciça de reclusos neste fim-de-semana, decorrente das alterações agora introduzidas na legislação penal, cito PEDRO SOARES MARTINEZ:

«A previsão da impunidade

Poderá acontecer que, minados embora os alicerces morais e de civilidade do estado social, este se mantenha, por algum tempo, na base do receio das punições estaduais, que garantirão o tal mínimo ético, definido pelo poder. Desde que, pela sua dureza, ou pela solidez da rede preventiva estabelecida, as sanções legais sejam, efectivamente, temidas.

Não sendo assim, a previsão de que as infracções ficarão impunes começará por alargar a esfera da marginalidade, dentro de qualquer Estado. E, por autodefesa contra os marginais, ou por natural propensão dos homens para claudicarem, lesando o seu semelhante e renunciando ao próprio aperfeiçoamento, alastrará a convicção de que tudo é permitido. Porque não há Deus e porque, sem apoio numa ordem divina ou natural, o próprio Estado renuncia às suas funções, duvidando da legitimidade, do fundamento, para exercê-las. Também não haverá castigos humanos.

Essa convicção de que tudo é permitido passa. Até, mais que não seja, pelo instinto de conservação dos homens, que terá influenciado a construção de HOBBES. Mas não passa sem ter gerado profundas involuções no processo cultural dos povos, forçados a reencontrarem-se, no meio das maiores ruínas e misérias, dos corpos e dos espíritos.»

(Filosofia do Direito, Almedina, 1991, páginas 556-557)

Objectivo: esvaziar prisões (3)


Começo este post com a transcrição de uma notícia da LUSA:

«Lisboa, 15 Set (Lusa) - Cento e quinze presos preventivos foram hoje libertados e sujeitos a medidas de coacção alternativas, disse à Lusa fonte da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais (DGSP).

Uma nota da DGSP refere que "por decisão judicial, no âmbito da aplicação das alterações introduzidas na legislação penal (que entrou hoje em vigor), foram libertados 115 reclusos até às 17 horas de hoje".

Destes, "38 saíram por terem ultrapassado a duração máxima da prisão preventiva e os restantes 77 por não se aplicar prisão preventiva aos crimes pelos quais se encontram indiciados", refere a nota.

A DGSP explica também que os reclusos agora libertados, e, por determinação judicial, além do Termo de Identidade e Residência (TIR), "ficaram na sua maioria sujeitos a medidas de coacção alternativas à prisão preventiva".

De entre essas medidas aplicadas estão a obrigação de permanência na habitação - em alguns casos através da vigilância electrónica - prestação de caução, proibição de contactos e obrigação de apresentação periódica".

O Código de Processo Penal, que entrou hoje em vigor, restringe a prisão preventiva, passando esta medida de coacção a poder ser aplicada apenas a crimes cuja pena prevista é superior a cinco anos.

Porém, no mesmo código está expressamente previsto que para crimes como corrupção, terrorismo e outros altamente organizados possa ser aplicada a prisão preventiva aos arguidos, independentemente da pena respectiva não atingir os cinco anos de prisão.»

Isto é apenas o início.

O objectivo das alterações ao Código Penal e ao Código de Processo Penal que entram em vigor neste fim-de-semana atribulado para a Justiça é mais vasto, conforme salientei AQUI e AQUI.

É natural que, nos próximos dias e semanas, muitos mais reclusos sejam libertados por terem atingido os novos prazos máximos de prisão preventiva.

E é inevitável que cada vez menos criminosos sejam condenados em penas de prisão efectiva, por força das alterações ao Código Penal.

Ou seja, mais criminosos - e estou a falar em criminalidade grave e muito grave, não na bofetada ou na injúria, que não levam ninguém para a prisão - em liberdade.

Espero para ver a evolução da criminalidade grave e muito grave nos próximos tempos.