2008-07-29

"Esquerda Constitucional"

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No blog "Causa Nossa", Vital Moreira, com a autoridade que tem de lhe ser reconhecida na matéria, fala de uma "esquerda constitucional" no seio do Tribunal Constitucional. Foi em 1989, é coisa do passado, que já não interessa nada, mas aqui fica o LINK.
Recordo-me, entretanto, de uma mensagem relacionada com o tema, inserida no blog "Reforma da Justiça" - LINK.
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Desilusões

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O EXPRESSO do passado dia 26 publicou uma entrevista a José Faria Costa, Professor Catedrático da Faculdade de Direito de Coimbra (1.º caderno, p. 16).
A entrevista tem interesse, mas prefiro destacar o texto que a antecede, da autoria do jornalista Carlos Rodrigues Lima, que reproduzo parcialmente:
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"(...) o último ano ficou marcado pelas reformas dos Códigos Penal e do Processo Penal. Desnecessária, segundo o professor Faria da Costa (...). Certo é que a reforma lá se fez e os problemas começam a aparecer: os prazos do segredo de justiça, penas mais baixas, a polícia a fazer menos detenções.
Uma cena de um tiroteio no Bairro da Quinta da Fonte e as notícias a dar conta de que dois dos envolvidos saíram em liberdade. Ninguém ficou preso? Rui Pereira, agora com o fato de ministro da Administração Interna, deve ter ficado desiludido com o penalista Rui Pereira que liderou a Unidade de Missão para a Reforma Penal. (...)"
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2008-07-24

Contrato de seguro - rectificação da rectificação

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Foi ontem publicada uma Declaração de Rectificação de uma Declaração de Rectificação de um Decreto-Lei publicado no passado mês de Abril.
O Decreto-Lei é o n.º 72/2008, de 16 de Abril, que aprova o regime jurídico do contrato de seguro e a que me referi AQUI;
A Declaração de Rectificação daquele Decreto-Lei que ontem foi, por sua vez, rectificada, é a n.º 32-A/2008, publicada no passado dia 13 de Junho; a ela me referi AQUI;
A Declaração de Rectificação ontem publicada tem o n.º 39/2008 - LINK.
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2008-07-17

Segurança

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Paula Teixeira da Cruz:
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(...)
No meio de tudo isto, começa a ser verdadeiramente incompreensível a passividade do Governo perante a violência diária: da máquina do multibanco arrancada de um tribunal a agressões a juízes e conflitos com armas de fogo, passando pelo já vulgarizado carjacking.
Onde anda o Governo? Sempre que há um problema na sociedade portuguesa o Governo espera que ele passe e como nada – mas nada – há que não passe... passará. A que custo? O que é preciso fazer para tirar o Governo das doses de Xanax que o mergulham numa letargia profunda sempre que há um problema?
Há tanta coisa a fazer: basta começar por ter bom senso e falar verdade. Os problemas estão diagnosticados, é só dar-lhes os antibióticos adequados. Deixar uma sociedade doente e em tensão sem tratamento, à espera que a doença passe, pode levá-la ao coma profundo.
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Texto integral: LINK
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2008-07-15

Violência urbana

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Vamos ter de chegar a ISTO?
É para aí que caminhamos, disso não tenho a menor dúvida.
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Silêncios

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Recapitulando, de forma esquemática, com base naquilo que vou vendo, ouvindo e lendo:
Uma das etnias que se confrontaram no Bairro da Quinta da Fonte, Loures, expulsou a outra desse mesmo bairro.
Os membros da etnia expulsa não se atrevem a voltar para as suas residências. Para aí se deslocarem só para recolherem alguns haveres, necessitaram de forte escolta policial. Encontraram muitas dessas residências invadidas, pilhadas e vandalizadas. Neste momento, estão amontoados num pavilhão de uma localidade vizinha e ninguém sabe o que lhes há-de fazer.
Isto tem um nome: Racismo, na sua forma pura e dura.
E tem um outro nome: Limpeza étnica. No Bairro da Quinta da Fonte não entram membros da etnia expulsa porque pelo menos alguns membros da etnia que os expulsou não deixam. Estes últimos não querem viver no mesmo sítio que os primeiros; e como não tencionam, eles próprios, mudar para outro local, expulsam aqueles que consideram não merecerem viver entre eles.
É esta a situação actual.
Imaginemos este cenário mudando um dos intervenientes. Imaginemos que os membros da etnia agora expulsa o tinham sido por indivíduos pertencentes, não a outra “minoria”, mas à “maioria”. Aliás, nem é preciso imaginar, pois há exemplos disso num passado não muito distante.
Comparemos, então, as reacções que se verificaram (ou melhor, as que não se verificaram) ao que está a ocorrer em Loures com aquilo que já aconteceu e previsivelmente voltaria a acontecer no cenário descrito no parágrafo anterior.
Onde estão, neste momento, os auto-denominados “anti-racistas” de serviço quando os problemas ocorrem entre a “maioria” e uma “minoria”? Desde associações a políticos, passando por “pensadores em nome individual” que aproveitam este tipo de oportunidades para aparecerem, em bicos de pés, desbobinando os habituais lugares comuns politicamente correctos. Não os tenho ouvido! Emudeceram? Estão distraídos? Já foram de férias?
Não querem dar uma ajuda na resolução deste problema, tirando partido dos contactos privilegiados que eventualmente tenham com as "minorias" envolvidas?
Ou não aparecem para não terem de tomar partido, para não perderem apoios em qualquer dos lados, para tentarem agradar a gregos e troianos?
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2008-07-14

Malditas filmagens

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A situação de conflito inter-étnico ocorrida num bairro de realojamento em Loures no passado dia 11 está, muito justamente, a causar grande alarme social.
Nesse dia, de forma súbita, o jantar de quem tem por hábito acompanhar esta refeição com um telejornal foi violentamente apimentado com uma cena que mais parecia uma carga de infantaria num cenário de guerra.
Que diabo, então não vivemos no país mais seguro do mundo e arredores (para aqueles que ainda acreditam nos números e no discurso oficiais sobre a criminalidade em Portugal, entre os quais eu não me conto)? Aquilo só podia ser lá para as bandas do Iraque, ou do Líbano, ou do Afeganistão, ou do Sudão. Ou em alguma favela mais complicada do Rio de Janeiro.
Mas não, era aqui mesmo ao pé de nós, a dois passos de Lisboa.
Lá vieram as inevitáveis reacções das “forças vivas da Nação”, umas certeiras, outras a rematarem ao poste, outras ainda a cortarem para canto, fugindo ao problema e insistindo nos habituais lugares comuns.
Houve quem insistisse na natureza excepcional da situação. Concordo com a qualificação. Realmente, tratou-se de uma situação excepcional.
Porém, foi excepcional pela mesmíssima razão por que o foi a agressão de uma professora por uma aluna numa escola secundária do Porto ocorrida há escassos meses: porque foi filmada. Não porque tenha sido o primeiro acontecimento do género. Basta andar atento e ver aquilo que está a passar-se à nossa volta.
Estamos, portanto, perante um fenómeno novo, mas esse fenómeno não são os conflitos inter-étnicos ou a criminalidade violenta em geral: é cada vez mais cidadãos anónimos terem ao seu dispor meios para filmarem situações que habitualmente são abafadas em homenagem à piedosa intenção de aparentar que Portugal é um país muito muito muito seguro, sem tensões sociais relevantes, com uma criminalidade insignificante, enfim, ainda com uns costumes, apesar de tudo, brandos (pois é, a tentação de mascarar a face desagradável da realidade quando se está no poder toca a todos).
A força da imagem impõe-se, por muito que isso incomode alguns.
Quando eu era miúdo, havia um “cantor de intervenção” que vociferava que “a cantiga é uma arma”.
Hoje, a cantiga é outra: a câmara de filmar é uma arma!
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Violência urbana

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Francisco Moita Flores: “Isto [a violência] não vai parar. São os sinais de pequenas granadas de mão a estoirar até que haja uma grande explosão como a que aconteceu em Paris”. “São uma réplica, são manifestações que se vêm repetindo e que têm que ver com fenómenos de auto-exclusão e guetização que formam estas pequenas ilhas”.
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André Freire destaca o funcionamento da justiça como estando na base dos fenómenos violentos. “A justiça, ou porque leva muito tempo a produzir decisões ou porque não apura responsáveis, cria um sentimento de crise de autoridade do Estado.” Um incentivo à criminalidade porque “o aparelho policial/judicial não é capaz ou tem dificuldade em punir”, acrescenta o investigador do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do ISCTE.
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Texto integral: LINK
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2008-07-13

Oeste em Loures

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Eduardo Dâmaso, no Correio da Manhã de hoje:
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"O que se passa em Loures é o resultado da inexistência de políticas de integração – reduzidas a um conjunto de programas governamentais em que dominam os burocratas e a rapaziada colocada por mero critério político e não de competência.
É o resultado de sinais desastrosos que foram dados pela recente alteração das leis penais, desvalorizando o necessário exercício da autoridade democrática do Estado.
Em vez de se optar por uma lógica e uma cultura judicial que tenha meios, escolheu-se o caminho de um garantismo suicida em nome de uma alegada protecção de direitos fundamentais. Não nos iludamos: ainda só estamos a começar o caminho de um enorme descalabro."
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Texto integral: LINK
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2008-07-03

Actas da UMRP: do segredo à blindagem

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Tarde e a muito custo, lá foram publicadas as actas das reuniões da Unidade de Missão para a Reforma Penal (LINK).
Note-se, a propósito, que a 1.ª reunião se realizou em 03.10.2005 e a 31.ª e última em 26.02.2007.
Porém, as actas vêm, literalmente, blindadas: não é possível editar, copiar ou, sequer, imprimir!
Será para proteger o ambiente?
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Leitura recomendada

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A rã sem pernas não ouve - LINK
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A violência só vem depois - LINK
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2008-07-02

Finalmente!

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As actas das reuniões da Unidade de Missão para a Reforma Penal acabam de ser divulgadas no site do Ministério da Justiça (LINK).
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Mensagens relacionadas:
- O art. 30.º do Código Penal - LINK
- Art. 30.º do Código Penal - LINK
- Onde estão os trabalhos preparatórios da Reforma Penal? - LINK
- Alterações ao CP e ao CPP - LINK
- Art. 30.º do Código Penal - LINK
- Crime continuado - LINK
- Sobre o art. 30.º do Código Penal - LINK
- Por falar em segurança interna - LINK
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Tribunal de S. M. da Feira - Audiências de julgamento

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Comunicado da Juiz Presidente do Tribunal de Santa Maria da Feira, de 2.7.08, dando conta do facto de ter passado a ser possível realizar os julgamentos pelos Juízes de Círculo, nas salas de audiências dos tribunais de São João da Madeira e de Espinho.
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Com conhecimento:
Conselho Superior da Magistratura
Conselho Superior do Ministério Público
DGAJ
Ordem dos Advogados
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Santa Maria da Feira, 02 de Julho de 2008
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COMUNICADO
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Através do Provimento nº 3/2008, datado de 26 de Junho de 2008, perante a incerteza em relação à data em que seria possível a ocupação das instalações definitivas do Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira e constatadas as dificuldades diariamente sentidas no desempenho das nossas funções, decorrentes da precariedade das instalações provisórias, aliás perfeitamente evidenciadas pelo incidente ocorrido na sala de audiências que foi instalada no quartel dos Bombeiros Voluntários de Santa Maria da Feira - agressão ao colectivo de juízes durante a leitura de um acórdão – todos os magistrados deste Tribunal decidiram proceder à imediata suspensão de todas e quaisquer diligências, iniciadas ou a iniciar, designadas para as salas disponibilizadas pelos Bombeiros, Biblioteca e Junta de Freguesia, incluindo, quanto aos Juízes de Círculo, os processos de arguidos presos, excepto se fosse disponibilizada sala de audiência com condições de segurança em Tribunal limítrofe.
Hoje mesmo foi-nos comunicado pela DGAJ que as Juízes Presidentes dos Tribunais de São João da Madeira e Espinho manifestaram total disponibilidade no sentido de o Tribunal de Santa Maria da Feira utilizar as salas de audiência daqueles Tribunais, sem prejuízo, naturalmente, da necessária e prévia coordenação entre os tribunais envolvidos.
E assim, no seguimento do que já havia sido deliberado em tal Provimento, comunica-se que os Juízes do Círculo do Tribunal de Santa Maria da Feira, de forma conciliada entre si, irão providenciar pela realização, nesses Tribunais, dos julgamentos dados sem efeito, com prioridade, obviamente, para os urgentes, desde que seja possível a utilização de tais salas.
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A Juiz Presidente
(Ana Maria Ferreira)
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Retirado da revista digital IN VERBIS
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2008-06-28

Recordar um discurso

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Não me parece que careça de maior demonstração a delicadeza do momento que, de novo, o poder judicial vive. Os eventos dos últimos dias falam por si. Passaram-se coisas impensáveis há meia dúzia de anos atrás.
Todavia, não é apenas o poder judicial que está em causa. Só um irresponsável não reconhecerá que a crise de credibilidade toca a todos os poderes do Estado.
As causas desta situação?
Quem sou eu para me aventurar por esse caminho?
Limito-me a recordar um discurso proferido por um Senhor Conselheiro (o uso de maiúsculas não é simples formalidade) há tempos, em mais um dos muitos momentos difíceis por que temos passado nos últimos 3 anos - LINK.
Poderá a sua leitura contribuir para identificar algumas das causas dos eventos dos últimos dias?
Mais uma vez me escuso a responder.
Cada um que retire as suas próprias conclusões.
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Entendam-se!

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O Secretário de Estado Adjunto e da Justiça, Conde Rodrigues, considera que as agressões a dois juízes no Tribunal de Santa Maria da Feira não estão associadas “às condições das instalações provisórias”.
("24 Horas" de 27.06.2008)
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O Ministro da Justiça (…) lembrou que em Santa Maria da Feira “existe uma particularidade que convém ter presente”. O tribunal local funciona em instalações provisórias desde que, em Abril, foram detectadas falhas estruturais no Palácio da Justiça, datado de 1991. “Quem, porventura, queira retirar de um caso concreto, que todos lamentamos, elementos de perturbação e agitação de catastrofismos está enganado”, sublinhou.
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Pergunto:
Afinal, as condições em que estava a funcionar o Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira estão, ou não, "associadas" à agressão aos juízes?
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Segurança nos tribunais

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Luís Menezes Leitão:
"Parece que o Secretário de Estado acha que não é de esperar que os arguidos reajam à condenação em penas de prisão, pelo que será irrelevante o lugar onde as sentenças são proferidas. Tanto faz que o sejam num Tribunal em risco de ruína, como num quartel de bombeiros, como até ao ar livre. Quem quiser que chame a polícia." - link
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Jorge Ferreira:
"O Governo, dada a independência das magistraturas, tem pouco que fazer na área da Justiça. Uma das coisas essenciais num Estado digno desse nome é a segurança nos tribunais. O Governo tem apenas a estrita obrigação de a assegurar. Não assegura." - link
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Emídio Rangel:
“Ó senhor ministro da Justiça, o senhor está a dormir. Acorde, por favor. O País pode cair de ridículo”. - link
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Eduardo Dâmaso:
"Quando chegamos a um ponto em que já nem os tribunais são espaços seguros e os juízes podem ser alvo da ira de qualquer um, poucas esperanças restam para que o tribunal afundado num pântano não seja uma implacável imagem do próprio País." - link
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Diário de Notícias de hoje:
90% dos tribunais sem policiamento permanente - link
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Balbúrdia na Costa Oeste (2.º episódio)

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Entretanto, aqui na Costa Oeste da Europa, continuamos a morrer de tédio com tanta segurança. Para além de uns quantos arguidos terem resolvido agredir os juízes que proferiram uma sentença que não lhes agradou e um polícia que procurava manter a segurança na sala de audiências improvisada, outros factos sem importância merecem, apesar de tudo, registo aqui no monte:
- Disparos na direcção de um pavilhão cheio de gente foram "brincadeira de mau gosto" - link
- Confronto de "jovens" causa pânico na praia de Santo Amaro de Oeiras - link
- Mais de 1000 lojas assaltadas por mês - link
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2008-06-26

Juízes e polícia agredidos na sala de audiências

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Na sequência da leitura de um acórdão, alguns arguidos e respectivos familiares que assistiam à audiência de julgamento dirigiram-se aos juízes e agrediram dois deles, bem como um polícia.
Aconteceu ontem, no Tribunal Judicial da Comarca de Santa Maria da Feira.
Neste momento, não me ocorre acrescentar seja o que for àquilo que por aqui venho desabafando desde que criei este blog. O que agora se passou era previsível, como o são as próximas etapas desta escalada.
Por isso, apenas deixo aqui os links, quer para as minhas mensagens anteriores directamente relacionadas com esta problemática, quer para a reprodução de alguns dos artigos que, sobre o assunto, hoje vieram na imprensa.
Só para que aqui fique registado mais este triste passo de uma desgraçada caminhada.
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Minhas mensagens anteriores:
- Segurança dos juízes - link
- Balbúrdia na Costa Oeste - link
- Tribunal de Santa Maria da Feira em risco de colapso - link
- Foto do dia - link
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Imprensa de hoje:
- Juízes e polícia agredidos no tribunal - link
- Tribunal improvisado acaba em palco de cena de violência - link
- Juízes agredidos em Santa Maria da Feira após leitura de sentença - link
- Tribunais/Feira: Julgamentos suspensos fora do tribunal-armazém - link
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2008-06-17

Não se pode colocar a violência debaixo do tapete

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Procurador-Geral da República, hoje, na Assembleia da República:
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«Não se pode colocar debaixo do tapete a violência que existe. Se os senhores deputados quiserem punir a violência escolar, em primeiro lugar têm que perder o medo de a denunciarem».
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Notícia reproduzida AQUI.
Mensagem relacionada AQUI.
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2008-06-13

Contrato de seguro

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Foi hoje publicada a Declaração de Rectificação n.º 32-A/2008 - link.
São 3 páginas de rectificações ao Decreto-Lei n.º 72/2008, aqui referido.
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2008-06-12

APAGÃO

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Agora que o protesto dos camionistas terminou, aqui fica o meu desabafo: aquilo a que assisti nos últimos dias em matéria de segurança interna e de autoridade do Estado é extremamente grave e resume-se numa palavra:
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APAGÃO
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Ficou claro, para quem quis ver, que é fácil paralisar Portugal, nomeadamente impedindo a circulação de bens essenciais aos cidadãos e à própria segurança do Estado: basta colocar uns quantos indivíduos (desta vez foram camionistas, amanhã serão sabe-se lá quem) dispostos a recorrerem à coacção e à violência em pontos estratégicos da rede viária. Por aquilo que se viu, ninguém os impedirá de fazerem tudo aquilo que lhes apeteça.
Onde iremos parar?
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Fornecimento de seringas nas prisões - Programa fracassa

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Afinal não se tratava de boato posto a correr pelo Sindicato do Corpo da Guarda Prisional. O programa de fornecimento de seringas aos reclusos pelo Estado é mesmo um falhanço total, não tendo obtido a adesão de qualquer recluso.
Porém, os seus promotores não desarmam. Em vez de caírem na realidade e abandonarem o programa, vão realizar inquéritos aos reclusos, aos guardas prisionais e ao pessoal de saúde, para verificarem os motivos do fracasso. Pode lá perder-se uma ideia tão boa, tão progressista, tão visionária… Quando a realidade está em contradição com a cartilha, a culpa só pode ser da realidade.
Ou seja, o programa continua.
Gostaria de ver metade do interesse, do tempo e do dinheiro esbanjados neste programa utilizados naquilo que realmente interessa, que é a criação de condições para que a reinserção social dos reclusos deixe de ser um mero chavão de uma política criminal que mais não é do que abdicação do Estado perante o crime e se torne uma realidade.
Mas quem quer saber disso?
Aguardemos, entretanto, pela apresentação do relatório de avaliação intercalar previsto para o final deste mês. Quem sabe se, até lá, conseguem convencer algum recluso a injectar-se com as seringas do IDT?
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Notícia reproduzida AQUI.
Sobre o tema, veja-se ainda o blog O Sexo dos Anjos.
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2008-06-08

Portugal não tem políticas de segurança fundadas no conhecimento científico sistemático

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Deu-me hoje para recordar uma entrevista concedida por CÂNDIDO DA AGRA, Professor Catedrático de Psicologia e Criminologia da Universidade do Porto, ao Diário de Notícias.
Tem quase 3 anos, mas creio que ninguém porá em causa a sua actualidade.
É uma entrevista com respostas frontais, esclarecedoras e, sem dúvida, livres de "lugares comuns que soam bem" (link).
Deixo aqui alguns excertos:
"(As políticas de segurança em Portugal) são definidas com base em pressões da opinião pública, mediáticas ou de grupos de interesses, e não através da racionalidade baseada em estudos sobre crime e segurança."
"Lamentavelmente, não temos políticas fundadas no conhecimento científico sistemático."
"Os problemas da criminalidade são muito sérios e os governos demitem-se dos seus deveres para com os cidadãos nesta matéria. Demitem-se ou funcionam com base em esquemas já ultrapassados. Os problemas actuais da criminalidade e as suas transformações exigem, da parte dos governos, instrumentos rigorosos e permanentes de análise. Os governos não podem mais demitir-se. Não podem mais dizer às pessoas, que têm direito à segurança, que se arranjem com o mercado da segurança privada."
"Neste momento há um aumento das bolhas de segurança, que são as grandes superfícies comerciais, onde as pessoas se refugiam. A rua, o espaço público, tornou-se uma selva. E nós temos direito à liberdade, ao espaço público."
"Esta matéria é de tipo sísmico. A sociedade actual vive por cima de magma ardente. Lidamos com coisas fundamentais, que fazem parte da estrutura antropológica: o crime, a lei, o desejo. Não são fenómenos sociais que vão e voltam. Donde precisamos de uma permanente sismografia. A nossa vida decorre em permanente actividade vulcânica e sísmica."
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Entrevista integral AQUI.
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2008-06-04

Pena de morte: os lugares comuns ou a ignorância pura

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Nuno Garoupa, no blog Reforma da Justiça, a propósito deste artigo: "Mais vale disparar com os habituais lugares comuns que soam bem do que estudar realmente os assuntos."
Nem mais!
Infelizmente, é cada vez mais com base em "lugares comuns que soam bem" que se fazem as pseudo-discussões sobre a criminalidade e o Direito Penal em Portugal, com os desastrosos resultados práticos que estão à vista de quem para lá quiser dirigir o olhar.
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2008-05-24

Sobre o estado do Direito Português - 3

Honrando a nossa História, o legislador português faz questão de sulcar mares nunca antes navegados.
Depois de legislar em francês (link) e entre parêntesis (link), de remeter para normas revogadas há vários anos (link) e de alterar outras através da inserção directa do novo regime jurídico na republicação do diploma que pretendeu alterar (link), voltou a inovar.
Aqui fica a actual redacção do n.º 4 do art. 146.º do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16.04:
N.º 4 - ..........................................
Exacto, é isso mesmo:
"............................................."
Notável, não é?
Descobriu mais esta pérola legislativa o blog TREPALIUM - LINK.

2008-05-22

Falhou a prevenção da criminalidade

José Luís Fernandes, Professor do Centro de Ciências do Comportamento Desviante do Porto:

"Os crimes são cada vez mais violentos em Portugal e as autoridades pouco têm feito para os evitar."

"Há décadas que a criminalidade tem vindo a aumentar no nosso país e pouco se tem feito para inverter o sentido crescente da violência."

"Neste momento, as autoridades não estão preparadas para enfrentar o problema da criminalidade."

"Tem havido um certo laxismo e, sobretudo, falta de leitura sociológica."

LINK

2008-05-19

Insegurança? Qual insegurança?

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3 assaltos a residências por hora - LINK
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Este número tem apenas em conta aquilo que é participado às autoridades.
Como se sabe, apenas uma parte - que ninguém se preocupa em determinar com precisão, não vão os resultados ser demasiadamente assustadores - da criminalidade é participada às autoridades.
Logo, a realidade supera aquele número.
Eu sei: não podemos ser alarmistas, há países onde as estatísticas são piores (o que não quer dizer que a realidade também o seja...), etc., etc..
Contudo, à cautela, vamos colocando grades nas nossas janelas, portas blindadas, alarmes...
Vamos deixando de sair à noite, vamos olhando em volta quando entramos e saímos do automóvel...
Afinal, quem acaba privado da sua liberdade?
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2008-05-18

Relatório anual de segurança interna de 2007

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Já está acessível no site do M.A.I. - LINK
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Sobre o estado do Direito Português - 2

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O mistério do projecto de diploma desaparecido - LINK
Na Ordem - LINK
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2008-05-17

Relatório anual de segurança interna de 2007

Os partidos da oposição consideraram ontem que existe uma "divergência" entre os dados do Relatório Anual de Segurança Interna 2007 e a realidade portuguesa, tendo em conta que o sentimento de insegurança na população "é elevado" - LINK

2008-05-15

Foto do dia

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Tribunal Industrial, digo, Judicial
da Comarca de Santa Maria da Feira



Foto: Jornal de Notícias

Sobre o tema: IN VERBIS
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2008-05-12

O melhor é injectá-los à força

Parece que o programa de fornecimento de seringas nas prisões está a ser um fiasco. Em dois estabelecimentos prisionais por ele abrangidos, não houve um único recluso aderente.
Nem um!
Foi o que li, nomeadamente, aqui.
São notícias destas que me vão dando alguma esperança, algum alento.
Já que o Estado não consegue, parece que ao menos os reclusos percebem: se foi a toxicodependência que os atirou para a prisão, o melhor que têm a fazer é livrarem-se dela, é tratarem-se, para poderem reinserir-se na sociedade após a libertação e levarem uma vida decente.
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O referido programa tem natureza experimental. Fico à espera da divulgação oficial dos seus resultados.
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Sobre o tema: link.

2008-05-11

Balbúrdia na Costa Oeste

A agora designada “Costa Oeste da Europa” (“Europe’s West Coast”, na versão para inglês e americano lerem), até há pouco tempo simplesmente “Portugal”, vai de mal a pior em matéria de segurança interna.
Escassos dias depois de um bando de indivíduos ter invadido a esquadra da PSP de Moscavide (ler aqui e aqui), calhou a vez ao Tribunal de Vila Nova de Gaia (ler aqui e aqui).
Nada de extraordinário, note-se. Parece que se tratou apenas de um indivíduo que, insatisfeito com uma decisão judicial, entrou naquele tribunal, ameaçou uma juíza com uma arma de fogo, barricou-se e só se entregou às autoridades ao fim de 3 horas.
Coisa pouca, portanto. Vendo bem, o que tem de especial um indivíduo poder entrar num tribunal com uma arma de fogo sem que exista qualquer sistema de segurança que o impeça? Trata-se de um simples caso de polícia, segundo ouvi dizer.
Abordei este tema aquando de uma situação em que uma juíza foi agredida por um indivíduo que condenara tempos antes.
Foi em Agosto de 2006 (link).
Desde então, tudo na mesma, como era de esperar.
Pelo andar da carruagem, vai mesmo ter de haver mortos, um dia destes, para que o Governo reconheça a existência do problema e, talvez então, finalmente, comece a fazer alguma coisa para o resolver.

Por falar em segurança interna...

O Relatório de Segurança Interna de 2007 ainda não está no site do Ministério da Administração Interna.
Atendendo a que já estamos em meados de Maio, talvez fosse tempo de o referido relatório ser disponibilizado ao público através da internet, digo eu…
Para mais quando houve tanta pressa em divulgar antecipadamente algumas partes do mesmo, para tentar sossegar o povo (link). Parece que não se conseguiu sossegar ninguém (pois é, a realidade desmente brutalmente as estatísticas... e a liberdade de imprensa é uma chatice, os jornais dizem o que querem…), mas a tentativa foi boa.
Dizia eu que talvez seja tempo de o Relatório de Segurança Interna de 2007 ser disponibilizado à comunidade, através da internet.
Ou será que o exemplo das actas da Unidade de Missão para a Reforma Penal, cujo paradeiro permanece desconhecido (link 1, link 2), frutificou?

2008-05-02

Ainda a propósito da invasão da esquadra da PSP de Moscavide

A recente invasão da esquadra da PSP de Moscavide por um bando de indivíduos com o intuito – alcançado, segundo se noticiou – de agredir um jovem que aí pretendia apresentar uma queixa-crime suscita um problema bem mais importante do que o do número mínimo de efectivos que devem estar numa esquadra com as características daquela, o de se saber se vai haver um reforço de meios a esse nível, o de determinar quantos e quais crimes foram cometidos ou o da garantia de que os autores da proeza serão criminalmente responsabilizados (também era melhor que o não fossem!). Provavelmente por isso mesmo, foi para este nível superficial que se procurou desviar a questão.
O problema fundamental parece-me ser outro e resume-se nisto: a que ponto chegou Portugal, em matéria de segurança pública, em que um grupo de indivíduos resolve invadir uma esquadra da PSP para agredir um outro que aí se encontra?
Ainda não há muitos anos, a invasão de um edifício público com o intuito de provocar desacatos no seu interior era impensável.
Depois, começámos a ouvir falar em invasões de escolas e de serviços de saúde, geralmente com o intuito de agredir o professor que tivesse tentado pôr algum aluno na ordem ou o médico ou enfermeiro que não satisfizesse todas as exigências de algum utente, digamos, mais reivindicativo. Quando isso acontecia, chamava-se a polícia…
Agora, é a própria polícia que é invadida!
Parece-me ter chegado o momento em que devemos parar para reflectir.
Como é que chegámos a este ponto?
Como é que a autoridade do Estado se esboroou tanto e tão rapidamente, ao ponto de até uma esquadra de polícia ser invadida por um bando de marginais para agredir um cidadão que aí apresentava uma queixa-crime?
Quais são as causas de uma situação tão anómala?
Que erros foram cometidos e por quem?
O verdadeiro problema é este.

2008-04-29

Quem se queixar, leva!

Li ontem uma notícia segundo a qual uma esquadra de polícia foi invadida no passado domingo, cerca das 17 horas, por um grupo de indivíduos.
Não, não foi em Timor-Leste, ou no Quénia, ou no Zimbabué, ou sequer no Iraque.
Foi em Moscavide, arredores de Lisboa.
Transcrevo parte dessa notícia:
"A 35ª esquadra da PSP de Moscavide, em Loures, foi invadida ontem à tarde por um grupo de 10 a 15 pessoas. De acordo com a TSF, um único polícia estava na esquadra no momento da invasão, que ocorreu por volta das 17h.
O grupo, que acabou por fugir sem que fosse possível fazer a identificação dos indivíduos, entrou na esquadra para agredir um jovem que apresentava queixa de um dos membros desse mesmo grupo".
Ora aqui está uma forma eficaz de fazer descer as estatísticas do crime (que parece ser a única coisa que interessa neste domínio): quem se queixar, leva!
Continue-se, pois, a desguarnecer as esquadras e a não reprimir (R-E-P-R-I-M-I-R, não foi engano) os meliantes.
A “criminalidade-zero” está aí, já ao virar da esquina!
Estatisticamente falando, claro.

2008-04-24

A natureza e os homens

Mais um certeiro texto de Manuel Azinhal - link

Tribunal de S. M. da Feira em risco de colapso

Mais um incrível episódio ilustrativo das condições em que a Justiça Portuguesa funciona - link.

Centenário do nascimento do Prof. Paulo Cunha

Devidamente assinalado AQUI e AQUI.

Rectificando...

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Foram hoje publicadas no Diário da República duas extensas rectificações de importantes diplomas legais:
- Declaração de rectificação n.º 22/2008 - rectifica o Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26.02 (link);
- Declaração de rectificação n.º 22-A/2008 - rectifica a Lei n.º 12-A/2008, de 27.02 (link).
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Sobre o Decreto-Lei n.º 34/2008: link.
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Insegurança? Qual insegurança?

Ainda a propósito do problema da insegurança (o qual, obviamente, não existe):
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A protecção dos bandos.

2008-04-14

Pendências

A actual redacção do n.º 1 do art. 342.º do Código de Processo Penal, resultante da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, é uma delícia.
Aí se diz que, no início da audiência de julgamento, o juiz presidente deve perguntar ao arguido pelo seu nome e restantes elementos de identificação e “sobre a existência de processos pendentes” (sic).
Interpretada “à letra”, esta última expressão nada significa. Perguntar ao arguido “sobre a existência de processos pendentes” é, em rigor, o quê? Existem processos pendentes, é verdade. E muitos.
O que o legislador quis dizer é, porém, óbvio. Indagar se um arguido “tem processos pendentes” é uma forma corriqueira de designar aquilo que o cuidadoso legislador de 1987, na redacção originária do art. 342.º do CPP, expressou nos seguintes termos “o presidente pergunta ao arguido (…) por qualquer outro processo penal que contra ele nesse momento corra (…)”.
Sinto saudades do tempo em que quem elaborava leis, ciente da transcendente responsabilidade inerente a essa tarefa, se esforçava, entre outras coisas, por se expressar de forma elegante e tecnicamente rigorosa.
Hoje, fazem-se leis em cima do joelho, à pressa, à pressão, para cumprir prazos e pactos, para se conseguir ser notícia de abertura de um telejornal ou de primeira página de um jornal, para criar a ilusão de que se está a resolver problemas quando, na realidade, se está a agravá-los, e o resultado está à vista. No particular aspecto que agora tenho em vista, nem sequer era preciso inventar: teria bastado, ao legislador de 2007, dar-se ao trabalho de reler a versão originária do Código de Processo Penal para ficar a saber como deveria expressar-se.
Ou seja, hoje, até em calão se legisla. Por este andar, virá o dia em que o legislador determinará que o juiz presidente pergunte ao arguido “se já alguma vez foi dentro e porquê”.

2008-04-13

Admirável Mundo Novo

Àqueles que, como eu, vão ficando entradotes, exige-se um permanente esforço no sentido de não ficarmos desactualizados.
Com esse objectivo, deixo, aqui no meu monte, um breve apontamento sobre mais um assombroso progresso da humanidade, que recebeu a designação de "BULLYING".
Já chegou a Portugal e está disponível - pelo que oiço - em muitas das nossas escolas públicas (sim, que nas privadas a coisa fia mais fino).
Constitui mais uma prova de que a disciplina e a autoridade não fazem falta nenhuma nas escolas.
Nenhuma, mesmo!
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2008-04-04

Insegurança? Qual insegurança?

Ontem, após um encontro com o Sr. Presidente da República, o Sr. Procurador-Geral da República (PGR) afirmou ter elementos seguros de que há crianças que vão para a escola armadas com pistolas de 6,35 e 9 milímetros, fornecidas pelos próprios pais para que elas ali se defendam.
O PGR afirmou ainda que constitui obrigação dos conselhos executivos das escolas participarem os ilícitos criminais ao Ministério Público e que não pode existir um sentimento de impunidade. Pelo meio, lembrou uma coisa que tenho como óbvia mas parece fazer muita confusão a alguns espíritos: os pequenos ilícitos geram os grandes ilícitos. Precisamente porque a sua não punição gera o referido sentimento de impunidade.
Não me passa pela cabeça que o PGR proferisse aquelas afirmações sem estar absolutamente certo de que as mesmas correspondem à realidade. Até porque as mesmas correspondem àquilo que todos os dias se vai sabendo que se está a passar nas escolas portuguesas.
Também não me passa pela cabeça que as palavras do PGR não venham a ter consequências, isto é, que se finja que o PGR não disse aquilo que disse, que nos venham com as habituais estatísticas segundo as quais Portugal é o país mais seguro do mundo e arredores e que quem tem o dever de resolver o problema continue a assobiar alegremente para o lado, como se nada se passasse.

2008-03-24

Proposta de Lei n.º 124/2008

Já pode ser consultada no site do Ministério da Justiça - LINK.

2008-03-19

Reforma da Organização Judiciária

Teve ontem lugar a cerimónia de apresentação do modelo de organização judiciária que o Governo pretende implementar.
Como é natural, o evento constituiu uma das notícias principais do dia.
Porém, a informação disponível no site do Ministério da Justiça (há ligação na barra lateral) sobre este assunto é, por enquanto, quase inexistente, resumindo-se ao discurso do Sr. Ministro da Justiça e a uns mapas que, pelo aspecto, devem ter servido de apoio à apresentação pública de ontem.
Destes elementos resulta, desde já, que se apostou fortemente na especialização, o que é extremamente positivo.
Contudo, o essencial ainda está por revelar.

2008-03-10

Quando a receita contradiz o diagnóstico...

No final de Fevereiro ocorreram, num curto período, vários homicídios que alarmaram o país.
Com o confessado intuito de contrariar o clima de insegurança que então se gerou, o Ministério da Administração Interna (MAI) antecipou a divulgação de alguns números que constam do relatório de segurança interna de 2007, ainda não apresentado à Assembleia da República.
Tais números são extremamente adequados à finalidade apaziguadora da sua divulgação. Desde logo, o número de homicídios registados baixou significativamente em 2007 face ao ano anterior.
Sem prejuízo de aguardar pela divulgação pública do relatório de segurança interna de 2007, cuja leitura provavelmente me deixará mais esclarecido, vão-me surgindo algumas questões relacionadas com este tema.
Em primeiro lugar, interrogo-me sobre qual seria a atitude do MAI nas circunstâncias descritas se os números do crime não lhe fossem tão convenientes. Ainda anteciparia a sua divulgação, em nome da verdade, mesmo que esta lhe fosse inconveniente?
Em segundo lugar, interrogo-me sobre a credibilidade de números que têm origem em entidades dependentes do Governo. Se é politicamente importante, para este último, que não subam os números do crime que são divulgados ao país, a dúvida sobre a autenticidade desses números parece-me justificar-se. Até porque há várias maneiras de fazer contagens, nomeadamente de mortos, como acontece, por exemplo, no domínio dos acidentes de viação (LINK). Em função do momento em que cada contagem é feita, os resultados podem ser muito diferentes.
Todavia, aquilo que mais me intriga é o concomitante anúncio, por parte do MAI, de que, a breve trecho, serão admitidos 1000 elementos pela PSP e outros tantos pela GNR. Se a criminalidade violenta está em queda acentuada, como foi divulgado, que sentido tem o anunciado e muito significativo reforço dos meios humanos (que implicará o de meios materiais), para mais numa conjuntura de diminuição do número de funcionários públicos e de contenção da despesa pública e com os custos políticos decorrentes de se tratar de medida que contraria promessa anterior?
Se, com esta medida, se pretende apenas combater o sentimento de insegurança da população – sentimento este que, pelo que oiço, constitui o único verdadeiro problema deste país alegadamente tão seguro –, estar-se-á a errar completamente o alvo. Para combater as fobias de uma população tão paranóica como aquela que, pelos vistos, somos, que quanto mais segura está, mais insegura se sente, deviam era ser contratados 1000 psicólogos e outros tantos psiquiatras, não polícias.
Não! O diagnóstico efectuado pelo MAI não se harmoniza com a sua própria receita. Por isso, eu desconfio. Como desconfiaria do meu médico se ele me dissesse que eu estou de excelente saúde e, não obstante, me receitasse uma lista de medicamentos para uma qualquer doença grave.

2008-03-04

O n.º 6 do art. 215.º do CPP (5)

Outro problema que o n.º 6 do art. 215.º do Código de Processo Penal suscita cifra-se em saber, em caso de concurso de crimes, qual é a pena que serve de ponto de referência para o cálculo do prazo de duração máxima da prisão preventiva.
É a pena unitária?
Ou é uma das penas parcelares?
É evidente a enorme importância prática da questão que agora suscito. Por exemplo, se um cidadão for condenado em 3 penas parcelares de 8 anos de prisão por outros tantos crimes e, em resultado de cúmulo jurídico, numa pena unitária de 16 anos de prisão, e essa condenação for confirmada em sede de recurso ordinário, o prazo de duração máxima da prisão preventiva será, por força da norma em análise, de 8 anos segundo o primeiro dos entendimentos enunciados e de 4 anos de acordo com o segundo.
Também para a resposta a esta importantíssima questão o n.º 6 do art. 215.º não nos dá qualquer ajuda. Isto é, também aqui o legislador de 2007 abriu desnecessariamente a porta a divergências jurisprudenciais e à consequente possibilidade de grande diferença de tratamento de situações idênticas.

Entretanto, no país real...

Seis, aliás sete (link)

2008-02-26

Sobre o estado do Direito Português

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O PREC continua.
Foi hoje publicado na 1.ª Série do Diário da República o Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro.
O seu artigo 1.º é elucidativo sobre o estado caótico a que, reforma após reforma, chegou o Direito Português:
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Artigo 1.º
Objecto
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O presente decreto-lei aprova o Regulamento das Custas Processuais e procede à alteração dos seguintes diplomas:
a) Código de Processo Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 44 129 de 28 de Dezembro de 1961, alterado pelos Decretos-Leis n.os 47 690, de 11 de Maio de 1967, e 323/70,de 11 de Julho, pela Portaria n.º 439/74, de 10 de Julho, pelos Decretos-Leis n.os 261/75, de 27 de Maio, 165/76,de 1 de Março, 201/76, de 19 de Março, 366/76, de 5 de Maio, 605/76, de 24 de Julho, 738/76, de 16 de Outubro, 368/77, de 3 de Setembro, e 533/77, de 30 de Dezembro, pela Lei n.º 21/78, de 3 de Maio, pelos Decretos-Leis n.os 513-X/79, de 27 de Dezembro, 207/80, de 1 de Julho, 457/80, de 10 de Outubro, 400/82, de 23 de Setembro, 242/85, de 9 de Julho, 381-A/85, de 28 de Setembro, e 177/86, de 2 de Julho, pela Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto, pelos Decretos-Leis n.os 92/88, de 17 de Março, 321-B/90, de 15 de Outubro, 211/91, de 14 de Julho, 132/93, de 23 de Abril, 227/94, de 8 de Setembro, 39/95, de 15 de Fevereiro, 329-A/95, de 12 de Dezembro, 180/96, de 25 de Setembro, 375-A/99, de 20 de Setembro, e 183/2000, de 10 de Agosto, pela Lei n.º 30-D/2000, de 20 de Dezembro, pelos Decretos-Leis n.os 272/2001, de 13 de Outubro, e 323/2001, de 17 de Dezembro, pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, pelos Decretos-Leis n.os 38/2003, de 8 deMarço, 199/2003, de 10 de Setembro, 324/2003, de 27 de Dezembro, 53/2004, de 18 de Março, e 76-A/2006, de 29 de Março, pelas Leis n.os 6/2006, de 27 de Fevereiro, 14/2006, de 26 de Abril, e 53-A/2006 de 29 de Dezembro, e pelos Decretos -Leis n.os 8/2007, de 17 de Janeiro, e 303/2007, de 24 de Agosto;
b) Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto -Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro, alterado pela Lei n.º 17/87, de 1 de Junho, pelos Decretos -Leis n.os 387-E/87, de 29 de Dezembro, 212/89, de 30 de Junho, 17/91, de 10 de Janeiro, e 57/91, de 13 de Agosto, pela Lei n.º 57/91, de 13 de Agosto, pelos Decretos-Leis n.os 423/91, de 30 de Outubro, 343/93, de 1 de Outubro, e 317/95, de 28 de Novembro, pelas Leis n.os 59/98, de 25 de Agosto, 3/99, de 13 de Janeiro, 7/2000, de 27 de Maio, e 30 -E/2000, de 20 de Dezembro, pelo Decreto -Lei n.º 320-C/2000, de 15 de Dezembro, pela Lei n.º 52/2003, de 22 de Agosto, pelo Decreto -Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, pela Lei Orgânica n.º 2/2004, de 12 de Maio, e pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto;
c) Código de Procedimento e de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto -Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro, alterado pelas Leis n.os 3-B/2000, de 4 de Abril, 30-G/2000, de 29 de Dezembro, 15/2001, de 5 de Junho, 109 -B/2001, de 27 de Dezembro, e 32 -B/2002, de 30 de Dezembro, pelos Decretos -Leis n.os 38/2003, de 8 de Março, e 160/2003, de 19 de Julho, pelas Leis n.os 55-B/2004, de 30 de Dezembro, e 60-A/2005, de 30 de Dezembro, pelos Decretos-Leis n.os 76-A/2006, de 29 de Março, e 238/2006, de 20 de Dezembro, e pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro;
d) O regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª instância, aprovado em anexo pelo Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, alterado pelos Decretos-Leis n.os 383/99, de 23 de Setembro, 183/2000, de 10 deAgosto, 323/2001, de 17 de Dezembro, 32/2003, de 17 de Fevereiro, 38/2003, de 8 de Março, 324/2003, de 27 de Dezembro, 107/2005, de 1 de Julho, 14/2006, de 26 de Abril, e 303/2007 de 24 de Agosto;
e) Código do Registo Comercial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 403/86, de 3 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelos Decretos-Leis n.os 7/88, de 15 de Janeiro, 349/89, de 13 de Outubro, 238/91, de 2 de Julho, 31/93, de 12 de Fevereiro, 267/93, de 31 de Julho, 216/94, de 20 de Agosto, 328/95, de 9 de Dezembro, 257/96, de 31 deDezembro, 368/98, de 23 de Novembro, 172/99, de 20 deMaio, 198/99, de 8 de Junho, 375-A/99, de 20 de Setembro, 410/99, de 15 de Outubro, 533/99, de 11 de Dezembro, 273/2001, de 13 de Outubro, 323/2001, de 17 de Dezembro, 107/2003, de 4 de Junho, 53/2004, de 18 de Março, 70/2004, de 25 de Março, 2/2005, de 4 de Janeiro, 35/2005, de 17 de Fevereiro, 111/2005, de 8 de Julho, 52/2006, de 15 de Março, 76 -A/2006, de 29 de Março, 8/2007 de 17 de Janeiro, e 303/2007, de 24 de Agosto;
f) Código do Registo Predial, aprovado pelo Decreto -Lei n.º 224/84, de 6 de Julho, com as alterações decorrentes dos Decretos-Leis n.os 355/85, de 2 de Setembro, 60/90, de 14 de Fevereiro, 80/92, de 7 de Maio, 30/93, de 12 de Fevereiro, 255/93, de 15 de Julho, 227/94, de 8 de Setembro, 267/94, de 25 de Outubro, 67/96, de 31 de Maio, 375 -A/99, de 20 de Setembro, 533/99, de 11 de Dezembro, 272/2001, de 13 de Outubro, 323/2001, de 17 de Dezembro, 38/2003, de 8 de Março, e 194/2003, de 23 de Agosto, pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, e pelo Decreto-Lei n.º 263-A/2007, de 23 de Julho;
g) O regime jurídico das associações de imigrantes, aprovado pela Lei n.º 115/99, de 3 de Agosto, regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 75/2000, de 9 de Maio;
h) Decreto-Lei n.º 35781, de 5 de Agosto de 1946, alterado pelo Decreto-Lei n.º 193/97, de 29 de Julho;
i) Decreto-Lei n.º 108/2006, de 8 de Junho.
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Realço mais uma alteração do infortunado Código de Processo Penal, ainda há escassos meses alterado pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, rectificada pelas Declarações n.ºs 100-A/2007 e 105/2007, publicadas, respectivamente, em 26 de Outubro e 9 de Novembro de 2007.
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2008-02-22

Sobre a mediatização da Justiça

Acerca da forma paradoxal como frequentemente acaba por funcionar a garantia da publicidade da audiência de julgamento em processo penal, recordemos o que, já em 1994, observava TERESA PIZARRO BELEZA:
“A publicidade dos julgamentos penais, introduzida como forma de assegurar a defesa do arguido por contraposição à justiça secreta e insindicável do modelo inquisitório puro, transformou-se em boa medida num agravamento da situação do arguido. Ou porque a própria Lei manda que se publicite na imprensa a condenação em certos processos, ou, sobretudo, porque muitas vezes o princípio democrático da liberdade de informação e do carácter público, «visível» da Justiça se transvestiza em julgamentos sumários pelos mass-media e pela opinião pública, face aos quais a possibilidade de defesa dos visados ou o seu direito de resposta são irónica irrealidade.”
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(Teresa Pizarro Beleza, Apontamentos de Direito Processual Penal, vol. III, AAFDL 1995, páginas 7 e 8)

2008-02-10

O perdigoto certeiro, a cuspidela na sopa e as ignorâncias crassas

O dia 19 de Novembro recorda-se pela notícia de que o Tribunal da Relação de Lisboa confirmara o despedimento de cozinheiro de um hotel, por ser seropositivo. Afirmou-se, exuberantemente, que os juízes que proferiram tal decisão não atenderam aos pareceres médicos existentes no processo, dos quais resultava não haver risco de transmissão de tal doença a terceiros.
Muito se disse e se escreveu, nesse dia e nos dias seguintes. E a quase todos que opinaram sobre o assunto pareceu mal que um cidadão pudesse ficar sem trabalho pelo simples facto de estar doente.
Houve, no entanto, quem tenha imaginado um juiz seropositivo a atirar um perdigoto para a cara de um advogado, acertando-lhe precisamente em ferida proveniente de escanhoamento matinal. Quem tenha encontrado os juízes entrincheirados na sua ignorância e preconceito e desejado ao cozinheiro a sorte de, no restaurante onde entretanto arranjou emprego, poder cuspir na sopa de um dos que o despediu, quando ele por lá aparecer. Quem afirme que os juízes garantem a sua independência quando não dão importância às opiniões dos especialistas nas matérias que devem decidir.
E tudo isto para concluir pela incompetência dos juízes e para, novamente, desancar em tais personagens, responsabilizando-os, desta vez, pelo silêncio a que os cidadãos seropositivos terão que se remeter…para conservar os empregos.
Já a ninguém interessa avaliar a justeza de tal imputação, apesar da incoerência que a suporta – a inutilidade de dar a conhecer o que não tem qualquer importância. Se o desempenho de uma actividade profissional não envolve o risco de transmissão do VIH, qual a vantagem de dar a conhecer, ou a desvantagem de não revelar, que se é portador do vírus ?
A voragem do tempo fará esquecer o cozinheiro, mas não irá melhorar a opinião sobre os juízes “que lhe tiraram o salário no fim do mês”.
Em 22 de Novembro de 2007, o Conselho Superior da Magistratura, a pedido dos Juízes Desembargadores que subscreveram a mencionada decisão, emitiu comunicado, com vista à reposição da verdade. Esclarecimento que, junto dos órgãos de comunicação social, não teve a divulgação que se impunha e do qual consta que:
- o cidadão em questão não foi objecto de despedimento com justa causa, antes a entidade empregadora considerou a existência de caducidade do contrato de trabalho;
- do processo não consta qualquer parecer médico-científico, mas apenas cópia impressa de um “site” do governo dos Estados Unidos da América, destinado a informação genérica à população sobre doenças transmissíveis;
- entre os factos considerados como provados, após realização do julgamento, com gravação da prova, com base na documentação junta ao processo e nos depoimentos de médicos ouvidos como testemunhas, consta que o vírus VIH pode ser transmitido no caso de haver derrame de sangue, saliva, suor ou lágrimas sobre alimentos servidos em cru ou consumidos por quem tenha na mucosa da boca uma ferida de qualquer espécie”;
- no recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, o cidadão em causa não pediu a alteração do facto acabado de mencionar.
A decisão do Tribunal da Relação e o comunicado referidos, com manifesto interesse para o esclarecimento do “caso”, podem ser consultados in http://www.asjp.pt./
Restará concluir que verdade não interessou a quem dissertou sobre um determinado acontecimento. E a quem, no desempenho de actividade profissional que deve ser pautada pelo rigor, divulgou informação sem ter tido o elementar cuidado de a confirmar.
A verdade estragaria a notícia e não permitiria a opinião dos que imaginam “perdigotos certeiros”, “cuspidelas na sopa” e “ignorâncias crassas”. Verdade é também que as “realidades virtuais” são protectoras das íntimas razões que movem quem as cria e de quem as aproveita para opinar de forma tão incorrecta.
:
ANA BACELAR
(Juiz de Direito - Círculo Judicial de Beja)
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Nota: Este texto foi publicado na revista "MAIS ALENTEJO"
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2008-02-06

Sobre o art. 30.º do Código Penal...

... as ACTAS DA UMRP e outros assuntos sem importância, leia-se ESTA MENSAGEM do blog INCURSÕES.

O n.º 6 do art. 215.º do CPP (4)

Imaginemos a situação contrária àquela que refiro na mensagem anterior. O tribunal de 1.ª instância condena o arguido numa pena de 9 anos de prisão, o Ministério Público recorre pugnando pelo agravamento da pena e o tribunal superior fixa esta última em 12 anos. Mais uma vez, a sentença não é confirmada. Todavia, também aqui não faria sentido deixar de aplicar o regime do n.º 6 do art. 215.º do Código de Processo Penal, elevando-se o prazo máximo da prisão preventiva para metade da pena fixada.
Porém, nesta última hipótese, surge um problema adicional: metade de que pena?
Da pena fixada pela 1.ª instância, que foi alterada?
Ou da pena fixada pelo tribunal superior?
É ocioso salientar a importância prática da questão. No exemplo supra, o prazo máximo da prisão preventiva seria de 4 anos e 6 meses segundo o primeiro entendimento e de 6 anos de acordo com o segundo.
À partida, somos tentados a responder que é a pena fixada pelo tribunal superior, cuja decisão revoga a que foi proferida pelo tribunal de primeira instância.
A própria letra do preceito parece fornecer algum suporte a esta tese, ao falar em “pena que tiver sido fixada”. Quando uma pena é alterada em sede de recurso, a pena “fixada” passa a ser a constante do acórdão do tribunal superior, não a que resultava da decisão da 1.ª instância.
Porém, deve ponderar-se, em contrário, que a letra do n.º 6 do art. 215.º se cinge indevidamente à hipótese de confirmação da sentença da 1.ª instância pelo tribunal superior (cfr. mensagem anterior), o que relativiza o argumento literal.
E se atentarmos naquela que parece constituir a razão de ser do alargamento (a todos os títulos excepcional) do prazo máximo de prisão preventiva estabelecido pela norma em análise, parece que a pena a ter em conta para o cálculo daquele prazo deverá ser a mais curta, pois é apenas nessa medida que existem decisões concordantes dos dois tribunais.
Independentemente da minha opção por um ou outro entendimento, que é aquilo que menos interessa, mais uma vez registo a insuficiência e a falta de clareza do novo n.º 6 do art. 215.º do CPP. Ao consagrar um regime tão marcadamente inovador e tão susceptível de afectar gravemente a liberdade das pessoas, é incompreensível que o legislador de 2007 se tenha esquecido de resolver, com a clareza que se impunha, mais esta questão, assim abrindo, também aqui, a porta a divergências jurisprudenciais e às consequentes – e a todos os títulos indesejáveis – situações de tratamento diferente de situações iguais.

2008-01-20

O n.º 6 do art. 215.º do CPP (3)

Estabelece o n.º 6 do art. 215.º do Código de Processo Penal que, no caso de o arguido ter sido condenado em pena de prisão em primeira instância e a sentença condenatória ter sido confirmada em sede de recurso ordinário, o prazo máximo da prisão preventiva se eleva para metade da pena que tiver sido fixada.
O primeiro problema que o preceito suscita resulta da exigência de que a sentença condenatória tenha sido confirmada. Parece-me evidente a infelicidade desta terminologia e que o âmbito de aplicação daquele não se cinge às hipóteses de confirmação da sentença da primeira instância pelo tribunal superior.
Suponhamos que o arguido é condenado numa pena de 14 anos de prisão na primeira instância. Interpõe recurso ordinário, pugnando pela graduação da pena em 10 anos de prisão e o tribunal superior julga o recurso totalmente procedente, fixando a pena em 10 anos de prisão, ou parcialmente procedente, fixando a pena em 12 anos de prisão. Em qualquer destas duas hipóteses, a sentença não foi confirmada. Logo, numa interpretação literal do n.º 6 do art. 215.º, ambas estariam fora do âmbito de aplicação deste preceito legal.
Porém, parece-me evidente que essa interpretação é inaceitável. Que sentido faria tratar, por exemplo, um arguido condenado em 12 anos de prisão nas duas instâncias de forma diferente de um outro que o fosse em 13 anos na 1.ª instância e em 12 anos pelo tribunal superior, apesar de apenas no 1.º caso a sentença ter sido confirmada? Não existe qualquer razão de ordem substancial para deixar de tratar de forma igual estas duas situações, elevando o prazo máximo de prisão preventiva para 6 anos.
Ou seja, lá terá o intérprete de andar a suprir a inabilidade do legislador para se exprimir correctamente, encontrando uma solução justa que, porém, não é aquela que decorre da letra do preceito.
Essa interpretação, atenta a teleologia do n.º 6 do art. 215.º, só poderá ser aquela que tenha por resultado o entendimento do termo “confirmada” no sentido de a decisão do tribunal superior também condenar numa pena de prisão efectiva, ainda que impondo uma pena mais leve e que, ao fazê-lo, esteja a julgar total ou parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido ou pelo Ministério Público no interesse deste.
É estranha e lamentável esta inabilidade do legislador para se exprimir de forma adequada, assim causando dúvidas e indefinições ao nível da interpretação da lei, tão mais graves e indesejáveis quanto é certo que nos encontramos num domínio particularmente sensível do Direito Processual Penal e onde, por isso, se exige um cuidado acrescido, não só a quem julga, mas também e desde logo a quem legisla.

O n.º 6 do art. 215.º do CPP (2)

O n.º 6 do art. 215.º do CPP estabeleceu um regime fortemente inovador.
Inovou, por um lado, ao fixar o prazo máximo de duração da prisão preventiva também em função da duração da pena de prisão em que o arguido for condenado. Este critério de cálculo daquele prazo não tinha sido utilizado pelo CPP até agora.
Inovou, por outro lado, ao possibilitar a manutenção da prisão preventiva durante períodos extremamente longos, por comparação com aquilo que até agora acontecia, como salientei na mensagem anterior.
Por tudo isto, ou seja, porque introduziu soluções marcadamente inovadoras e porque pode determinar a sujeição do arguido a longos períodos de prisão preventiva, seria de esperar que o preceito em causa contivesse uma regulamentação precisa e pormenorizada dos problemas principais que a solução que estabelece suscita.
Porém, aconteceu precisamente o contrário. O n.º 6 do art. 215.º surge algo desgarrado entre as restantes normas deste artigo, com uma redacção enganadora e com omissões incompreensíveis, como procurarei demonstrar nas mensagens seguintes.

2008-01-13

O n.º 6 do art. 215.º do CPP (1)

Os afazeres profissionais têm sido absorventes e esgotantes e o tempo, que nunca abundou, tornou-se ainda mais escasso nos últimos meses. Chegou, porém, o momento de regressar ao Meu Monte e dedicar-lhe algum tempo.
Ao clamor que suscitaram as recentes alterações ao Código Penal e ao Código de Processo Penal nas semanas subsequentes à sua publicação seguiu-se um quase generalizado silêncio, com raras e honrosas excepções.
Tal silêncio surpreende-me, pois aquelas alterações suscitam numerosas perplexidades. Pelo menos a mim, suscitam.
Admito, porém – como aliás é meu hábito –, que o defeito seja meu, isto é, que a lei nova seja claríssima na sua formulação e justíssima nas soluções que consagra e tudo não passe, afinal, de incapacidade minha para vislumbrar tais qualidades.
Ainda assim, vou aqui deixando nota das dificuldades que tenho sentido na interpretação de algumas das alterações legislativas em causa e na descoberta das virtualidades que os seus defensores lhes apontam.
*
Uma inovação que me causa particular perplexidade é o n.º 6 do art. 215.º do Código de Processo Penal (CPP).
Um dos principais objectivos da 15.ª alteração do CPP foi a restrição da prisão preventiva, num duplo sentido: diminuição do seu âmbito de aplicação e genérica redução dos seus prazos de duração máxima.
O n.º 6 do art. 215.º contraria frontalmente esta tendência, pois abriu a porta a um alargamento do prazo de duração máxima da prisão preventiva muito para além dos limites até então fixados pela lei e – é a minha opinião – de tudo aquilo que é razoável.
É a seguinte a redacção do preceito: “No caso de o arguido ter sido condenado a pena de prisão em 1.ª instância e a sentença condenatória ter sido confirmada em sede de recurso ordinário, o prazo máximo da prisão preventiva eleva-se para metade da pena que tiver sido fixada”.
Sendo de 25 anos o limite máximo da pena de prisão (n.º 2 do art. 41.º do Código Penal), o n.º 6 do art. 215.º do CPP eleva para 12 anos e 6 meses o limite máximo da prisão preventiva.
Isto pulveriza todos os limites anteriormente existentes, viola vários ou talvez mesmo todos os princípios que a Constituição e o próprio CPP consagram em matéria de medidas de coacção e especificamente de prisão preventiva e contraria, segundo me parece, o mais elementar bom senso.
Dito de outra forma, causa-me a maior estranheza que o mesmo legislador que tão zelosamente “cortou” em alguns meses os prazos de duração máxima da prisão preventiva onde os mesmos fazem realmente falta, mormente na fase de inquérito, tenha resolvido, uma vez chegado ao n.º 6 do art. 215.º, tornar-se um verdadeiro “mãos largas”, criando um regime de prisão preventiva quase perpétua.
Perante isto, interrogo-me por onde andarão os auto-proclamados apóstolos das liberdades individuais que, antes da revisão do CPP, tanto se indignavam com os então vigentes prazos máximos de duração da prisão preventiva, considerando-os escandalosamente longos, bem como com os juízes que, limitando-se a aplicar a lei, mantinham arguidos sujeitos àquela medida de coacção durante esses mesmos prazos. Não os tenho ouvido criticar o n.º 6 do art. 215.º! Acham que um prazo máximo de 12 anos e 6 meses de prisão preventiva faz sentido? Consideram humano manter uma pessoa sujeita a esta medida de coacção durante tanto tempo? Estão à espera do primeiro caso em que isso aconteça para, como é hábito, dizerem que a culpa é dos juízes? Ou nem sequer repararam na existência daquela norma?