2011-07-31

Avaliação da eficácia das leis – 1


O discurso da Ministra da Justiça contém uma ideia interessante, aliás reiterada em entrevista posteriormente concedida: “todas as leis do Estado necessitam de avaliação da sua eficácia”. O contexto desta afirmação consta da mensagem anterior.
Não posso estar mais de acordo, desde que o Estado encarregue dessa avaliação pessoas credíveis. Tal credibilidade dependerá, nomeadamente, de essas pessoas possuírem, além de conhecimentos profundos sobre a área em questão, abertura de espírito para chegarem a conclusões rigorosas, sejam elas quais forem e ainda que ponham em causa algumas verdades indiscutíveis com pés de barro que povoam o actual Direito Português. Ou seja, têm de ser pessoas intelectualmente honestas e politicamente descomprometidas, que não sucumbam à tentação de “vetar” conclusões que, à luz dos seus dogmas, sejam inaceitáveis, e/ou de, através de caminhos sinuosos e contra todas as evidências, erigir como correctas conclusões impostas por esses mesmos dogmas. Disso, já temos que chegue.
É claro que não acredito que isto venha a acontecer. Por muito boas que sejam as intenções de quem pense em solicitar as referidas avaliações, há peças que há muito ocuparam casas estratégicas do tabuleiro onde estas coisas se jogam e que tudo farão no sentido de obstar a qualquer veleidade de avaliação rigorosa da eficácia da legislação portuguesa contemporânea. Gostaria de estar enganado, mas tenho a certeza de que não estou.

2011-07-22

O discurso da Ministra da Justiça - 2

Outro trecho importante do discurso da Ministra da Justiça por ocasião da discussão do programa do Governo (o realce é da minha autoria):

“Estado de Direito não se confunde com Estado de leis. A constante alteração das leis está a minar o fundamento do Estado de Direito. Deve seguir-se como orientação o princípio, inclusivamente adoptado como norma na Constituição Federal Suíça, segundo o qual todas as leis do Estado necessitam de avaliação da sua eficácia.
No campo da Justiça são muitos os exemplos de reformas legislativas precipitadas:
- A reforma da legislação penal e processual penal
- A reforma da acção executiva
- As constantes alterações da legislação da insolvência
- O regime de inventário.”

Afirmar-se que a reforma da legislação penal e processual penal de 2007 (é obviamente essa que a Ministra da Justiça tem em vista) foi precipitada, nada tem de especial. Muitos o têm feito ao longo dos quase 4 anos que desde então decorreram. É o mínimo que dela se pode dizer. Há quem vá mais longe e afirme, sem rodeios, que aquela reforma enfermou do pecado original de visar um processo concreto – o “processo Casa Pia” –, que é o pecado mais grave que um acto legislativo pode praticar. Dediquei inúmeras mensagens ao tema, que podem ser encontradas através da lista temática à direita.
Já uma Ministra da Justiça dizer com toda a clareza, no primeiro discurso que nessa qualidade proferiu na Assembleia da República, que a reforma da legislação penal e processual penal de 2007 foi precipitada, assume uma relevância transcendente.
Por isso, aqui fica o registo.
Escusado será dizer que estou totalmente de acordo.

2011-07-16

As rendas da Justiça (ou como o Estado tem espatifado o dinheiro dos contribuintes e atirado Portugal para o lixo)

  
Li no “Público” do passado dia 13 que o Secretário de Estado Fernando Santo revelou que o Ministério da Justiça, apesar de ser titular de 1.100 imóveis, paga anualmente € 38.000.000 de rendas.
Segundo Fernando Santo, ainda está a ser feito um levantamento da situação para, a partir daí, se fazer uma gestão mais correcta.

Ocorrem-me 3 comentários:

1.º - 38 milhões de euros por ano em rendas!
Falta saber quantos milhões já foram gastos a esse título até agora. Há situações recentes, mas há outras bastante antigas.
Quantos tribunais se poderia ter construído com todo esse dinheiro?
O Estado não tinha edifícios onde instalar os tribunais que funcionam em imóveis arrendados?

2.º - Espero que o objectivo do levantamento da situação não seja apenas fazer uma gestão mais correcta. Se se descobrirem irregularidades, sejam elas de que natureza forem, têm de ser denunciadas, investigadas e punidas, como é próprio de um Estado de Direito.

3.º - Não há normas penais adormecidas, conceito que há tempos vi, pela primeira vez, proposto num artigo publicado no Correio da Manhã. É figura que não existe na ciência jurídica. Há normas penais, ponto final. Que são para aplicar, como acontece com todas as normas, penais ou não, que vigorem numa determinada Ordem Jurídica. O Direito não dorme. Quem parece adormecer de vez em quando é quem tem o dever de o implementar (conceito mais abrangente que o de aplicar).   

2011-07-08

Das palavras aos actos


Na sequência da mensagem anterior sobre o discurso da Senhora Ministra da Justiça, aqui fica o registo de um comunicado que encontrei no site do ministério:

"Esclarecimento       
Todo o processo relativo ao contrato de arrendamento outorgado a 20 de Junho do corrente ano, para a instalação do Tribunal e outros serviços de Justiça da Maia, está a ser reavaliado, com vista à sua suspensão, estando ainda em curso o apuramento de eventuais responsabilidades.
Mais se informa que foi iniciado o processo tendente ao levantamento, avaliação e estudo de todos os contratos de adjudicação de obras, serviços, equipamentos e arrendamentos, relativos ao Ministério da Justiça.   
Gabinete de Imprensa do Ministério da Justiça"

 

2011-07-03

O discurso da Ministra da Justiça – 1

 
 
Novo Governo, nova Ministra da Justiça, um novo ciclo que se inicia. A esperança de melhores dias e a certeza de que, aqui chegados, não há margem para mais erros. O que nos resta disputar é mesmo o “campeonato dos aflitos”. É o “mata mata” de que falava Scolari, mas aplicado a uma coisa muito mais séria que o futebol.
Vale a pena salientar algumas passagens do discurso da Ministra da Justiça. Não é apenas mais um discurso, isso é certo.

“A existência de pesadas estruturas administrativas, com duplicação de serviços e consultorias; um património sem gestão centralizada, vários sistemas informáticos – com prejuízo de um sistema único –, arrendamentos onerosos que convivem com tribunais semi-ocupados ou vazios, tudo isto absorve recursos.”

Arrendamentos onerosos que convivem com tribunais semi-ocupados ou vazios, sublinho.

Em cheio, Senhora Ministra. Um bom diagnóstico é meio caminho andado para a cura. Que não lhe falte energia para a outra metade.