2008-02-26

Sobre o estado do Direito Português

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O PREC continua.
Foi hoje publicado na 1.ª Série do Diário da República o Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro.
O seu artigo 1.º é elucidativo sobre o estado caótico a que, reforma após reforma, chegou o Direito Português:
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Artigo 1.º
Objecto
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O presente decreto-lei aprova o Regulamento das Custas Processuais e procede à alteração dos seguintes diplomas:
a) Código de Processo Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 44 129 de 28 de Dezembro de 1961, alterado pelos Decretos-Leis n.os 47 690, de 11 de Maio de 1967, e 323/70,de 11 de Julho, pela Portaria n.º 439/74, de 10 de Julho, pelos Decretos-Leis n.os 261/75, de 27 de Maio, 165/76,de 1 de Março, 201/76, de 19 de Março, 366/76, de 5 de Maio, 605/76, de 24 de Julho, 738/76, de 16 de Outubro, 368/77, de 3 de Setembro, e 533/77, de 30 de Dezembro, pela Lei n.º 21/78, de 3 de Maio, pelos Decretos-Leis n.os 513-X/79, de 27 de Dezembro, 207/80, de 1 de Julho, 457/80, de 10 de Outubro, 400/82, de 23 de Setembro, 242/85, de 9 de Julho, 381-A/85, de 28 de Setembro, e 177/86, de 2 de Julho, pela Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto, pelos Decretos-Leis n.os 92/88, de 17 de Março, 321-B/90, de 15 de Outubro, 211/91, de 14 de Julho, 132/93, de 23 de Abril, 227/94, de 8 de Setembro, 39/95, de 15 de Fevereiro, 329-A/95, de 12 de Dezembro, 180/96, de 25 de Setembro, 375-A/99, de 20 de Setembro, e 183/2000, de 10 de Agosto, pela Lei n.º 30-D/2000, de 20 de Dezembro, pelos Decretos-Leis n.os 272/2001, de 13 de Outubro, e 323/2001, de 17 de Dezembro, pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, pelos Decretos-Leis n.os 38/2003, de 8 deMarço, 199/2003, de 10 de Setembro, 324/2003, de 27 de Dezembro, 53/2004, de 18 de Março, e 76-A/2006, de 29 de Março, pelas Leis n.os 6/2006, de 27 de Fevereiro, 14/2006, de 26 de Abril, e 53-A/2006 de 29 de Dezembro, e pelos Decretos -Leis n.os 8/2007, de 17 de Janeiro, e 303/2007, de 24 de Agosto;
b) Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto -Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro, alterado pela Lei n.º 17/87, de 1 de Junho, pelos Decretos -Leis n.os 387-E/87, de 29 de Dezembro, 212/89, de 30 de Junho, 17/91, de 10 de Janeiro, e 57/91, de 13 de Agosto, pela Lei n.º 57/91, de 13 de Agosto, pelos Decretos-Leis n.os 423/91, de 30 de Outubro, 343/93, de 1 de Outubro, e 317/95, de 28 de Novembro, pelas Leis n.os 59/98, de 25 de Agosto, 3/99, de 13 de Janeiro, 7/2000, de 27 de Maio, e 30 -E/2000, de 20 de Dezembro, pelo Decreto -Lei n.º 320-C/2000, de 15 de Dezembro, pela Lei n.º 52/2003, de 22 de Agosto, pelo Decreto -Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, pela Lei Orgânica n.º 2/2004, de 12 de Maio, e pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto;
c) Código de Procedimento e de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto -Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro, alterado pelas Leis n.os 3-B/2000, de 4 de Abril, 30-G/2000, de 29 de Dezembro, 15/2001, de 5 de Junho, 109 -B/2001, de 27 de Dezembro, e 32 -B/2002, de 30 de Dezembro, pelos Decretos -Leis n.os 38/2003, de 8 de Março, e 160/2003, de 19 de Julho, pelas Leis n.os 55-B/2004, de 30 de Dezembro, e 60-A/2005, de 30 de Dezembro, pelos Decretos-Leis n.os 76-A/2006, de 29 de Março, e 238/2006, de 20 de Dezembro, e pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro;
d) O regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª instância, aprovado em anexo pelo Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, alterado pelos Decretos-Leis n.os 383/99, de 23 de Setembro, 183/2000, de 10 deAgosto, 323/2001, de 17 de Dezembro, 32/2003, de 17 de Fevereiro, 38/2003, de 8 de Março, 324/2003, de 27 de Dezembro, 107/2005, de 1 de Julho, 14/2006, de 26 de Abril, e 303/2007 de 24 de Agosto;
e) Código do Registo Comercial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 403/86, de 3 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelos Decretos-Leis n.os 7/88, de 15 de Janeiro, 349/89, de 13 de Outubro, 238/91, de 2 de Julho, 31/93, de 12 de Fevereiro, 267/93, de 31 de Julho, 216/94, de 20 de Agosto, 328/95, de 9 de Dezembro, 257/96, de 31 deDezembro, 368/98, de 23 de Novembro, 172/99, de 20 deMaio, 198/99, de 8 de Junho, 375-A/99, de 20 de Setembro, 410/99, de 15 de Outubro, 533/99, de 11 de Dezembro, 273/2001, de 13 de Outubro, 323/2001, de 17 de Dezembro, 107/2003, de 4 de Junho, 53/2004, de 18 de Março, 70/2004, de 25 de Março, 2/2005, de 4 de Janeiro, 35/2005, de 17 de Fevereiro, 111/2005, de 8 de Julho, 52/2006, de 15 de Março, 76 -A/2006, de 29 de Março, 8/2007 de 17 de Janeiro, e 303/2007, de 24 de Agosto;
f) Código do Registo Predial, aprovado pelo Decreto -Lei n.º 224/84, de 6 de Julho, com as alterações decorrentes dos Decretos-Leis n.os 355/85, de 2 de Setembro, 60/90, de 14 de Fevereiro, 80/92, de 7 de Maio, 30/93, de 12 de Fevereiro, 255/93, de 15 de Julho, 227/94, de 8 de Setembro, 267/94, de 25 de Outubro, 67/96, de 31 de Maio, 375 -A/99, de 20 de Setembro, 533/99, de 11 de Dezembro, 272/2001, de 13 de Outubro, 323/2001, de 17 de Dezembro, 38/2003, de 8 de Março, e 194/2003, de 23 de Agosto, pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, e pelo Decreto-Lei n.º 263-A/2007, de 23 de Julho;
g) O regime jurídico das associações de imigrantes, aprovado pela Lei n.º 115/99, de 3 de Agosto, regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 75/2000, de 9 de Maio;
h) Decreto-Lei n.º 35781, de 5 de Agosto de 1946, alterado pelo Decreto-Lei n.º 193/97, de 29 de Julho;
i) Decreto-Lei n.º 108/2006, de 8 de Junho.
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Realço mais uma alteração do infortunado Código de Processo Penal, ainda há escassos meses alterado pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, rectificada pelas Declarações n.ºs 100-A/2007 e 105/2007, publicadas, respectivamente, em 26 de Outubro e 9 de Novembro de 2007.
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2008-02-22

Sobre a mediatização da Justiça

Acerca da forma paradoxal como frequentemente acaba por funcionar a garantia da publicidade da audiência de julgamento em processo penal, recordemos o que, já em 1994, observava TERESA PIZARRO BELEZA:
“A publicidade dos julgamentos penais, introduzida como forma de assegurar a defesa do arguido por contraposição à justiça secreta e insindicável do modelo inquisitório puro, transformou-se em boa medida num agravamento da situação do arguido. Ou porque a própria Lei manda que se publicite na imprensa a condenação em certos processos, ou, sobretudo, porque muitas vezes o princípio democrático da liberdade de informação e do carácter público, «visível» da Justiça se transvestiza em julgamentos sumários pelos mass-media e pela opinião pública, face aos quais a possibilidade de defesa dos visados ou o seu direito de resposta são irónica irrealidade.”
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(Teresa Pizarro Beleza, Apontamentos de Direito Processual Penal, vol. III, AAFDL 1995, páginas 7 e 8)

2008-02-10

O perdigoto certeiro, a cuspidela na sopa e as ignorâncias crassas

O dia 19 de Novembro recorda-se pela notícia de que o Tribunal da Relação de Lisboa confirmara o despedimento de cozinheiro de um hotel, por ser seropositivo. Afirmou-se, exuberantemente, que os juízes que proferiram tal decisão não atenderam aos pareceres médicos existentes no processo, dos quais resultava não haver risco de transmissão de tal doença a terceiros.
Muito se disse e se escreveu, nesse dia e nos dias seguintes. E a quase todos que opinaram sobre o assunto pareceu mal que um cidadão pudesse ficar sem trabalho pelo simples facto de estar doente.
Houve, no entanto, quem tenha imaginado um juiz seropositivo a atirar um perdigoto para a cara de um advogado, acertando-lhe precisamente em ferida proveniente de escanhoamento matinal. Quem tenha encontrado os juízes entrincheirados na sua ignorância e preconceito e desejado ao cozinheiro a sorte de, no restaurante onde entretanto arranjou emprego, poder cuspir na sopa de um dos que o despediu, quando ele por lá aparecer. Quem afirme que os juízes garantem a sua independência quando não dão importância às opiniões dos especialistas nas matérias que devem decidir.
E tudo isto para concluir pela incompetência dos juízes e para, novamente, desancar em tais personagens, responsabilizando-os, desta vez, pelo silêncio a que os cidadãos seropositivos terão que se remeter…para conservar os empregos.
Já a ninguém interessa avaliar a justeza de tal imputação, apesar da incoerência que a suporta – a inutilidade de dar a conhecer o que não tem qualquer importância. Se o desempenho de uma actividade profissional não envolve o risco de transmissão do VIH, qual a vantagem de dar a conhecer, ou a desvantagem de não revelar, que se é portador do vírus ?
A voragem do tempo fará esquecer o cozinheiro, mas não irá melhorar a opinião sobre os juízes “que lhe tiraram o salário no fim do mês”.
Em 22 de Novembro de 2007, o Conselho Superior da Magistratura, a pedido dos Juízes Desembargadores que subscreveram a mencionada decisão, emitiu comunicado, com vista à reposição da verdade. Esclarecimento que, junto dos órgãos de comunicação social, não teve a divulgação que se impunha e do qual consta que:
- o cidadão em questão não foi objecto de despedimento com justa causa, antes a entidade empregadora considerou a existência de caducidade do contrato de trabalho;
- do processo não consta qualquer parecer médico-científico, mas apenas cópia impressa de um “site” do governo dos Estados Unidos da América, destinado a informação genérica à população sobre doenças transmissíveis;
- entre os factos considerados como provados, após realização do julgamento, com gravação da prova, com base na documentação junta ao processo e nos depoimentos de médicos ouvidos como testemunhas, consta que o vírus VIH pode ser transmitido no caso de haver derrame de sangue, saliva, suor ou lágrimas sobre alimentos servidos em cru ou consumidos por quem tenha na mucosa da boca uma ferida de qualquer espécie”;
- no recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, o cidadão em causa não pediu a alteração do facto acabado de mencionar.
A decisão do Tribunal da Relação e o comunicado referidos, com manifesto interesse para o esclarecimento do “caso”, podem ser consultados in http://www.asjp.pt./
Restará concluir que verdade não interessou a quem dissertou sobre um determinado acontecimento. E a quem, no desempenho de actividade profissional que deve ser pautada pelo rigor, divulgou informação sem ter tido o elementar cuidado de a confirmar.
A verdade estragaria a notícia e não permitiria a opinião dos que imaginam “perdigotos certeiros”, “cuspidelas na sopa” e “ignorâncias crassas”. Verdade é também que as “realidades virtuais” são protectoras das íntimas razões que movem quem as cria e de quem as aproveita para opinar de forma tão incorrecta.
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ANA BACELAR
(Juiz de Direito - Círculo Judicial de Beja)
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Nota: Este texto foi publicado na revista "MAIS ALENTEJO"
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2008-02-06

Sobre o art. 30.º do Código Penal...

... as ACTAS DA UMRP e outros assuntos sem importância, leia-se ESTA MENSAGEM do blog INCURSÕES.

O n.º 6 do art. 215.º do CPP (4)

Imaginemos a situação contrária àquela que refiro na mensagem anterior. O tribunal de 1.ª instância condena o arguido numa pena de 9 anos de prisão, o Ministério Público recorre pugnando pelo agravamento da pena e o tribunal superior fixa esta última em 12 anos. Mais uma vez, a sentença não é confirmada. Todavia, também aqui não faria sentido deixar de aplicar o regime do n.º 6 do art. 215.º do Código de Processo Penal, elevando-se o prazo máximo da prisão preventiva para metade da pena fixada.
Porém, nesta última hipótese, surge um problema adicional: metade de que pena?
Da pena fixada pela 1.ª instância, que foi alterada?
Ou da pena fixada pelo tribunal superior?
É ocioso salientar a importância prática da questão. No exemplo supra, o prazo máximo da prisão preventiva seria de 4 anos e 6 meses segundo o primeiro entendimento e de 6 anos de acordo com o segundo.
À partida, somos tentados a responder que é a pena fixada pelo tribunal superior, cuja decisão revoga a que foi proferida pelo tribunal de primeira instância.
A própria letra do preceito parece fornecer algum suporte a esta tese, ao falar em “pena que tiver sido fixada”. Quando uma pena é alterada em sede de recurso, a pena “fixada” passa a ser a constante do acórdão do tribunal superior, não a que resultava da decisão da 1.ª instância.
Porém, deve ponderar-se, em contrário, que a letra do n.º 6 do art. 215.º se cinge indevidamente à hipótese de confirmação da sentença da 1.ª instância pelo tribunal superior (cfr. mensagem anterior), o que relativiza o argumento literal.
E se atentarmos naquela que parece constituir a razão de ser do alargamento (a todos os títulos excepcional) do prazo máximo de prisão preventiva estabelecido pela norma em análise, parece que a pena a ter em conta para o cálculo daquele prazo deverá ser a mais curta, pois é apenas nessa medida que existem decisões concordantes dos dois tribunais.
Independentemente da minha opção por um ou outro entendimento, que é aquilo que menos interessa, mais uma vez registo a insuficiência e a falta de clareza do novo n.º 6 do art. 215.º do CPP. Ao consagrar um regime tão marcadamente inovador e tão susceptível de afectar gravemente a liberdade das pessoas, é incompreensível que o legislador de 2007 se tenha esquecido de resolver, com a clareza que se impunha, mais esta questão, assim abrindo, também aqui, a porta a divergências jurisprudenciais e às consequentes – e a todos os títulos indesejáveis – situações de tratamento diferente de situações iguais.