2013-01-22

Interesses corporativos (1)


Em entrevista à RTP, Mendes Bota, deputado do PSD e presidente da comissão de ética, produziu afirmações que merecem registo:

- Mais de metade dos deputados acumulam funções no sector privado, como consultores ou advogados de grandes escritórios;

- Há situações de conflito de interesses;

- Os referidos deputados transformaram o Parlamento num palco de jogos privados;

- Os deputados advogados "assaltaram" os lugares-chave da Assembleia da República.

Fico aguardar as reacções, certamente muito indignadas, dos visados, alguns deles, aliás, sempre prontos para acusarem outros de prosseguirem interesses corporativos.

A notícia está reproduzida AQUI.

2013-01-16

Dano morte (4)


Não obstante a já apontada evolução jurisprudencial no sentido do aumento do valor da indemnização pelo dano morte, acredito que ainda não se chegou ao fim desse caminho, isto é, que o valor de € 80 000 ainda poderá ser excessivamente modesto quando está em causa a perda de uma vida humana. Numa Ordem Jurídica que coloca a vida humana como bem jurídico supremo, avaliar esse bem, em sede de cálculo da indemnização, em apenas € 80.000, ainda poderá ser pouco.

Dir-se-á, em contrário, que, não tendo a vida humana preço, a continuarmos a trilhar este caminho, não mais pararemos, pois o mesmo não tem fim.

Não é assim.

Neste domínio, como noutros em que a busca da solução jurídica do caso concreto assente num juízo de equidade (artigo 496.º, n.º 3, do Código Civil), não podemos deixar de procurar pontos de referência normativos que possam ser considerados aceitáveis. Só a consideração desses pontos de referência, caso existam, permitirá transcender o puro subjectivismo de cada juiz, ainda que balizado pela prática jurisprudencial, e encontrar uma solução que se harmonize com opções do próprio legislador noutros domínios, ainda que aparentemente distantes do instituto da responsabilidade civil extra-obrigacional.

Um ponto de referência que me parece útil é o montante das sanções em quantia (e não em dias, como acontece, no Direito Penal, com a pena de multa) que a lei estabelece no domínio do Direito Contra-Ordenacional. Aí transparece o critério da própria lei no que toca ao valor do dinheiro em função de outros bens jurídicos.

Não ignoro que o instituto da responsabilidade civil tem uma finalidade fundamentalmente (embora não exclusivamente, saliento) de ressarcimento do prejuízo sofrido pelo lesado, ao passo que o Direito Contra-Ordenacional possui uma finalidade sancionatória. Ainda assim, invocar esta diferença para afastar liminarmente o recurso àquele critério para o restrito fim que agora tenho em vista poderá ser um argumento tentadoramente fácil, mas improcedente. Ao apelar ao Direito Contra-Ordenacional, procuro fundamentalmente indagar o que é “muito dinheiro”, “pouco dinheiro”, ou “a quantia justa” para o legislador. Ou, se quisermos, o valor que este último dá a cada euro, se bem que noutro ponto da Ordem Jurídica. O que, parece-me, faz sentido e abrirá caminho para decisões mais justas, que é aquilo que se pretende no Direito.

2013-01-13

Dano morte (3)


Dois advogados meus amigos reagiram de forma pronta e certeira à segunda parte DESTA MENSAGEM, onde observo que a advocacia terá de cumprir o seu papel no sentido de levar os tribunais a fixarem a indemnização pelo dano morte em valores dignos, ou seja, mais elevados que aqueles que habitualmente são atribuídos, e que apenas o fará se não se coibir de reclamar indemnizações justas em vez de se conformar, por exemplo, com uma indemnização de apenas € 50.000 pela perda do direito à vida de uma criança de 6 anos, cingindo o pedido a tal valor.

A resposta, como dizia, veio pronta e curta: O facto de os advogados não pedirem valores acima da média fixada pelos tribunais tem uma explicação muito simples: as custas judiciais. Se não se litigar com apoio judiciário e o cliente não for rico, é melhor não arriscar, pois o custo da sucumbência pode consumir o valor indemnizatório.

Nada que eu não merecesse ouvir e de que não estivesse à espera…

Lá respondi reconhecendo que eles têm toda a razão, atendendo aos valores proibitivos que atingiram as custas judiciais. Aliás, eu estava a escrever a mensagem em causa e a pensar que qualquer advogado que a lesse pensaria imediatamente algo como: se você pagasse custas, ou tivesse que dizer ao cliente quanto ele vai ter de pagar de custas e visse a cara incrédula dele... Tive plena consciência disso, apenas não quis desviar-me do tema. Aproveito o reparo que me foi feito e trato agora da questão em mensagem autónoma.

Acredito que o legislador também tenha consciência de que o valor astronómico das custas judiciais limita em medida intolerável o acesso aos tribunais e o pleno exercício dos direitos, só que dá prevalência aos números em detrimento da substância, à estatística em detrimento daquilo que realmente interessa, que é a realização da Justiça e, desde logo, o acesso à mesma por todos aqueles que dela necessitam. Não só aqui, mas também aqui. Com efeito, do ponto de vista estatístico, não há dúvida de que, quando mais se dificultar o acesso à Justiça, menor tenderá a ser o número de processos entrados nos tribunais e, a prazo, o número de processos pendentes. O que, politicamente, constitui um trunfo.

Politicamente, cada vez mais apenas a estatística é valorizada. É a tal gestão por objectivos ultimamente muito em voga. Objectivos exclusivamente quantitativos, entenda-se. Interessa é “matar” processos ou, melhor ainda, evitar que eles “nasçam”, fixando as custas judiciais em níveis incomportáveis. Os mais pobres poderão beneficiar de apoio judiciário e os mais ricos podem pagar esse bem de luxo em que o acesso aos tribunais se transformou. Os mais prejudicados são os do costume: a classe média, se é que isso ainda existe.

2013-01-12

Organização Judiciária - As voltas e reviravoltas de uma reforma (3)


Ontem e anteontem aconteceram-me duas coisas que me trouxeram à memória aquilo que escrevi AQUI e AQUI.

Na passada 5.ª Feira, no decurso de uma audiência de julgamento, determinei uma inspecção judicial a um local a meia dúzia de quilómetros do tribunal. Má ideia: informou o senhor secretário que não havia dinheiro para pagar o táxi. Nem o táxi, nem nada, aliás. Não havia dinheiro, ponto final.

Ontem, num outro tribunal, quando decorria a inquirição de uma testemunha numa audiência de julgamento, falhou a electricidade durante uma fracção de segundo. Alto, que tem de parar tudo! O sistema de gravação foi-se abaixo. Lá tiveram os funcionários do tribunal de arrancar com aquilo novamente, o que ainda demorou um bom bocado. Entretanto, toda a gente, incluindo um juiz e quatro advogados, na expectativa de saber se a coisa tinha arranjo, a testemunha com um ar incrédulo, provavelmente a pensar que no seu estaleiro de madeiras as coisas funcionam melhor, senão já estaria na falência. Vá lá, nem tudo foi mau, salvou-se a gravação, senão teríamos de voltar ao princípio da sessão, cerca de duas horas antes, repetindo os depoimentos até então prestados.

Um funcionário lá me explicou a causa do fenómeno, que é a segunda vez que acontece durante um julgamento meu naquele tribunal (e só fui colocado no Círculo de Évora no passado mês de Setembro…). O tribunal em causa não tem actualmente uma UPS (uninterruptible power supply). Por isso, cada vez que existe uma quebra de energia eléctrica (o que, pelos vistos, é ali frequente, certamente mais um custo da interioridade), perdem-se os trabalhos que no momento se estão a realizar, diligências processuais, gravação, videoconferência e outras coisas que os tribunais fazem através do computador. A UPS que o tribunal tinha “pifou”, após mais de 10 anos de ininterrupto e dedicado serviço à justiça, sendo que o prazo razoável de duração da maquineta é de aproximadamente 5 anos. Desde então, não há € 1.000 para comprar uma UPS nova.

Ah, já agora, no mesmo tribunal, como nos restantes de que tenho notícia, o orçamento está a zero. Não dinheiro nem sequer para papel, envelopes e outros luxos.

Lá me vieram, pois, à ideia as perguntas que AQUI fiz:

1.ª - Quanto vai custar a reforma da organização judiciária em torno da qual vejo tanto entusiasmo no Ministério da Justiça?

2.ª - Onde tencionam ir buscar o dinheiro para a pagar?

É que o país judiciário real é aquele que descrevi, bem diferente daquele que parecem imaginar os autores DESTE ou DESTE artigo. Não há dinheiro, meus senhores! Ainda não se tinham apercebido disso?
 
 

2013-01-05

Dano morte (2)


Espero, entretanto, que o Acórdão do STJ de 31.01.2012 (processo n.º 875/05.7TBILH.C1.S1), referenciado em último lugar na mensagem anterior, não venha a induzir ou a marcar um novo compasso de espera no caminho que vinha sendo seguido (com hesitações e retrocessos, é certo) no sentido de fixar a indemnização pelo dano morte em valores progressivamente mais elevados, até se atingir um patamar que – no meu entendimento – proporcione uma efectiva compensação pelo referido dano. Isto é, que não comece a raciocinar-se como se se estivesse a calcular um valor entre um mínimo e um máximo pré-estabelecidos, à semelhança do que acontece, por exemplo, com a fixação de uma pena concreta dentro de uma moldura penal. Na realidade, apesar de se tratar de um caminho argumentativo cómodo e, por isso, tentador para quem goste de navegar à vista, tais mínimo e máximo não existem. Os montantes anteriormente fixados pela jurisprudência não valem mais que qualquer outro precedente na nossa Ordem Jurídica, ou seja, quase nada. Parece-me desejável que se prossiga no caminho de atribuir valores mais elevados pela perda do direito à vida que os € 80.000 concedidos pela mais ousada jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, por razões que adiante referirei.

Claro que, para isso, a advocacia terá de cumprir o seu papel. Nem sempre o conservadorismo provém dos tribunais. Assim, na situação julgada pelo Acórdão do STJ de 05.06.2012 (processo n.º 100/10.9YFLSB), a fixação de uma indemnização de apenas € 50.000 pela perda do direito à vida do filho dos autores, uma criança com apenas 6 anos de idade e, logo, com uma esperança de vida especialmente longa, parece ter-se devido exclusivamente à excessiva modéstia do pedido. É o que resulta do seguinte segmento do acórdão: “É perfeitamente aceitável a quantia peticionada pelos autores de € 50.000 pela perda do direito à vida do seu filho, uma criança de seis anos”. Mesmo tendo como referência a ilusória “moldura” dos € 50.000 a € 80.000, é francamente pouco.

2013-01-02

Dano morte (1)


Rompendo com uma má tradição de fixação das indemnizações por danos não patrimoniais em montantes geralmente baixos, a jurisprudência tem vindo a evoluir, nos anos mais recentes, no sentido da elevação desses montantes.

Porém, essa evolução tem sido lenta e, em alguma medida, hesitante.

Assim, para o dano morte, referencio a seguinte jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, ilustrativa da bitola seguida por este tribunal, nos tempos mais recentes, na avaliação daquele dano:

Acórdão do STJ de 05.02.2009 (processo n.º 08B4093): Não merece censura a decisão da Relação que fixou em € 60.000 a indemnização devida pela supressão do direito à vida do sinistrado em acidente de viação.

Acórdão do STJ de 27.10.2010 (processo n.º 488/07.9 GBLSA.C1.S1): O STJ tem vindo a ressarcir o dano da morte, necessariamente centrando-se nas circunstâncias do caso concreto – “a vida não tem preço fixo” (Ac. do STJ de 17.12.2009) –, pelo apego à vida, saúde do seu titular, idade, expectativa de vida, sem ser despiciendo ter em atenção o papel uniformizante da jurisprudência dos tribunais superiores para casos similares, particularmente do STJ, reservando o valor de € 60.000 para um escalão etário inferior, nem sequer atingindo o de € 65.000 peticionado. Por isso, considerando que o falecido, de 40 anos à data da sua morte, era pessoa robusta, sendo reputado como trabalhador, não se lhe sendo conhecida qualquer doença, alegre e com gosto pela vida, a supressão do seu direito à vida compensada com € 50.000 mostra-se justa.

Acórdão do STJ de 23.02.2011 (processo n.º 395/03.4 GTSTB.L1.S1): Mostra-se ajustada a fixação de uma indemnização de € 80.000 referente ao dano morte.

Acórdão do STJ de 31.01.2012 (processo n.º 875/05.7 TBILH.C1.S1): No que respeita ao dano morte, que representa o bem mais valioso da pessoa e simultaneamente o direito de que todos os outros dependem, a compensação atribuída pelo STJ tem oscilado, nos últimos anos, entre € 50.000 e € 80.000, com ligeiras e raras oscilações para menos ou para mais. Considerando a juventude da vítima, com 27 anos de idade à data do acidente, e o futuro radioso que tinha à sua frente, e atendendo a que não há, no caso, que ponderar a situação económica do lesante, visto que não é o seu património, mas sim o da seguradora, que suportará o pagamento da indemnização, entende-se que é de elevar para € 75.000 a compensação de € 60.000, fixada pela 1.ª instância e mantida pela Relação, pelo dano da morte.