Os afazeres profissionais têm sido absorventes e esgotantes e o tempo, que nunca abundou, tornou-se ainda mais escasso nos últimos meses. Chegou, porém, o momento de regressar ao Meu Monte e dedicar-lhe algum tempo.
Ao clamor que suscitaram as recentes alterações ao Código Penal e ao Código de Processo Penal nas semanas subsequentes à sua publicação seguiu-se um quase generalizado silêncio, salvo raras e honrosas excepções.
Tal silêncio surpreende-me, pois aquelas alterações suscitam numerosas perplexidades. Pelo menos a mim, suscitam.
Admito, porém – como aliás é meu hábito –, que o defeito seja meu, isto é, que a lei nova seja claríssima na sua formulação e justíssima nas soluções que consagra e tudo não passe, afinal, de incapacidade minha para vislumbrar tais qualidades.
Ainda assim, vou aqui deixando nota das dificuldades que tenho sentido na interpretação de algumas das alterações legislativas em causa e na descoberta das virtualidades que os seus defensores lhes apontam.
Uma inovação que me causa particular perplexidade é o n.º 6 do art. 215.º do Código de Processo Penal (CPP).
Um dos principais objectivos da 15.ª alteração do CPP foi a restrição da prisão preventiva, num duplo sentido: diminuição do seu âmbito de aplicação e genérica redução dos seus prazos de duração máxima.
O n.º 6 do art. 215.º contraria frontalmente esta tendência, pois abriu a porta a um alargamento do prazo de duração máxima da prisão preventiva muito para além dos limites até então fixados pela lei e – é a minha opinião – de tudo aquilo que é razoável.
É a seguinte a redacção do preceito: “No caso de o arguido ter sido condenado a pena de prisão em 1.ª instância e a sentença condenatória ter sido confirmada em sede de recurso ordinário, o prazo máximo da prisão preventiva eleva-se para metade da pena que tiver sido fixada”.
Sendo de 25 anos o limite máximo da pena de prisão (n.º 2 do art. 41.º do Código Penal), o n.º 6 do art. 215.º do CPP eleva para 12 anos e 6 meses o limite máximo da prisão preventiva.
Isto pulveriza todos os limites anteriormente existentes, viola vários ou talvez mesmo todos os princípios que a Constituição e o próprio CPP consagram em matéria de medidas de coacção e especificamente de prisão preventiva e contraria, segundo me parece, o mais elementar bom senso.
Dito de outra forma, causa-me a maior estranheza que o mesmo legislador que tão zelosamente “cortou” em alguns meses os prazos de duração máxima da prisão preventiva onde os mesmos fazem realmente falta, mormente na fase de inquérito, tenha resolvido, uma vez chegado ao n.º 6 do art. 215.º, tornar-se um verdadeiro “mãos largas”, criando um regime de prisão preventiva quase perpétua.
Perante isto, interrogo-me por onde andarão os auto-proclamados apóstolos das liberdades individuais que, antes da revisão do CPP, tanto se indignavam com os então vigentes prazos máximos de duração da prisão preventiva, considerando-os escandalosamente longos, bem como com os juízes que, limitando-se a aplicar a lei, mantinham arguidos sujeitos àquela medida de coacção durante esses mesmos prazos. Não os tenho ouvido criticar o n.º 6 do art. 215.º! Acham que um prazo máximo de 12 anos e 6 meses de prisão preventiva faz sentido? Consideram humano manter uma pessoa sujeita a esta medida de coacção durante tanto tempo? Estão à espera do primeiro caso em que isso aconteça para, como é hábito, dizerem que a culpa é dos juízes? Ou nem sequer repararam na existência daquela norma?