2008-07-14

Malditas filmagens

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A situação de conflito inter-étnico ocorrida num bairro de realojamento em Loures no passado dia 11 está, muito justamente, a causar grande alarme social.
Nesse dia, de forma súbita, o jantar de quem tem por hábito acompanhar esta refeição com um telejornal foi violentamente apimentado com uma cena que mais parecia uma carga de infantaria num cenário de guerra.
Que diabo, então não vivemos no país mais seguro do mundo e arredores (para aqueles que ainda acreditam nos números e no discurso oficiais sobre a criminalidade em Portugal, entre os quais eu não me conto)? Aquilo só podia ser lá para as bandas do Iraque, ou do Líbano, ou do Afeganistão, ou do Sudão. Ou em alguma favela mais complicada do Rio de Janeiro.
Mas não, era aqui mesmo ao pé de nós, a dois passos de Lisboa.
Lá vieram as inevitáveis reacções das “forças vivas da Nação”, umas certeiras, outras a rematarem ao poste, outras ainda a cortarem para canto, fugindo ao problema e insistindo nos habituais lugares comuns.
Houve quem insistisse na natureza excepcional da situação. Concordo com a qualificação. Realmente, tratou-se de uma situação excepcional.
Porém, foi excepcional pela mesmíssima razão por que o foi a agressão de uma professora por uma aluna numa escola secundária do Porto ocorrida há escassos meses: porque foi filmada. Não porque tenha sido o primeiro acontecimento do género. Basta andar atento e ver aquilo que está a passar-se à nossa volta.
Estamos, portanto, perante um fenómeno novo, mas esse fenómeno não são os conflitos inter-étnicos ou a criminalidade violenta em geral: é cada vez mais cidadãos anónimos terem ao seu dispor meios para filmarem situações que habitualmente são abafadas em homenagem à piedosa intenção de aparentar que Portugal é um país muito muito muito seguro, sem tensões sociais relevantes, com uma criminalidade insignificante, enfim, ainda com uns costumes, apesar de tudo, brandos (pois é, a tentação de mascarar a face desagradável da realidade quando se está no poder toca a todos).
A força da imagem impõe-se, por muito que isso incomode alguns.
Quando eu era miúdo, havia um “cantor de intervenção” que vociferava que “a cantiga é uma arma”.
Hoje, a cantiga é outra: a câmara de filmar é uma arma!
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