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2025-07-10

Segurança dos reclusos


Foi ontem notícia a agressão de um recluso, por um outro, ocorrida no Estabelecimento Prisional de Santa Cruz do Bispo. A vítima encontrava-se deitada no chão, a apanhar sol, quando o agressor lhe desferiu um violentíssimo pontapé na cabeça, deixando-a inanimada. Não satisfeito com isso, o agressor urinou e cuspiu para cima da vítima. Nenhum dos inúmeros reclusos que assistiram à agressão esboçou o mínimo gesto no sentido de auxiliar a vítima.

Escusado será dizer que não se encontrava presente qualquer guarda prisional, espécie que vai escasseando cada vez mais no interior dos estabelecimentos prisionais. A situação só foi detectada pelos serviços prisionais posteriormente, através do visionamento das imagens captadas pelo sistema de videovigilância, imagens essas divulgadas na televisão.

Entretanto, a vítima teve de ser sujeita a uma intervenção cirúrgica. Atenta a violência da agressão, certamente ficou com lesões graves.

É este o dia-a-dia nas prisões portuguesas. Reclusos entregues a si próprios, sujeitos a serem assassinados, agredidos, sexualmente abusados, ameaçados, extorquidos, sem que o sistema lhes conceda a protecção a que eles têm direito. Há relatos de familiares de reclusos que, a troco da «protecção» destes, pagam a grupos organizados de companheiros de prisão. É a lei da selva.

Que uma pessoa que ingressa num estabelecimento prisional tem o direito de exigir, ao Estado que o priva da liberdade, que garanta a sua segurança no interior daquele estabelecimento, constitui uma evidência. Essa pessoa não pode ser, pura e simplesmente, encarcerada e abandonada à sua sorte, num ambiente hostil, sujeita à lei do mais forte. Cada situação de agressão como a descrita constitui uma violação, pelo Estado, do seu dever de protecção do recluso agredido.

Noutra perspectiva, um ambiente prisional como aquele que descrevi é a antítese daquele que é necessário para a reinserção social dos reclusos. O instinto de sobrevivência destes impeli-los-á, não a ressocializarem-se, mas sim a procurarem integrar-se num grupo criminoso que, dentro da prisão, lhes garanta a protecção que o Estado lhes recusa. Organizações criminosas como o brasileiro PCC, que se encontra a recrutar reclusos nas prisões portuguesas, agradecem.

Ao permitir que isto aconteça, o Estado abdica vergonhosamente do objectivo de ressocializar quem ingressa no seu sistema prisional. As enfáticas proclamações, no Código Penal e no discurso político, da ressocialização como fim da pena, nomeadamente da pena de prisão, estatelam-se ingloriamente contra a sórdida realidade das prisões portuguesas.

Em suma, também em matéria de garantia da segurança dos reclusos, o estado das prisões portuguesas é, há muito tempo, de calamidade.

2025-07-08

Fuga da prisão de Alcoentre


Lá fugiram mais dois reclusos, desta vez do Estabelecimento Prisional de Alcoentre. Cumpriam penas por tráfico de estupefacientes e roubo. Aconteceu ontem, ao final da tarde. À semelhança destes, saltaram o muro e foram às vidas deles, sem mais. Para tanto, bastou-lhes uma corda, que terão arranjado sabe-se lá como. As circunstâncias conhecidas são as habituais: uma torre de vigia inactiva e um sistema de videovigilância que não funcionou. Só por ocasião da contagem dos reclusos se verificou que faltavam dois.

Novamente se constata que o sistema prisional português se encontra num estado miserável. Além de frequentes, as fugas de reclusos nem sequer requerem um mínimo de sofisticação. Basta uma corda, ou uma escada, e não há muro que os detenha, nem guarda prisional que os detecte. 

Recordo o que, a este propósito, aqui escrevi anteriormente:






2025-01-02

Relatório sobre o sistema prisional e tutelar


Artigo 299.º da Lei n.º 45-A/2024, de 31.12 (Orçamento do Estado para 2025):

(Actualização do relatório sobre o sistema prisional e tutelar)

1 - Até ao final do primeiro trimestre de 2025, o Governo actualiza o relatório sobre o sistema prisional e tutelar «Olhar para o futuro para guiar a acção presente — Uma estratégia plurianual de requalificação e modernização do sistema de execução de penas e medidas tutelares educativas», e faz um balanço da sua execução.

2 — O relatório referido no número anterior deve ser apresentado publicamente até ao final de Abril de 2025.


2024-10-25

Prisões: o preço a pagar


É claro que isto terá enormes custos, materiais e políticos.

Contará, seguramente, com a oposição daqueles que, por cegueira ideológica ou interesses mais prosaicos, rejeitam sistematicamente qualquer solução que aumente a eficácia do sistema de justiça penal, de que o sistema prisional constitui um elemento fundamental.

Lá virá a habitual «poesia jurídico-penal», linda de recitar mas absolutamente desfasada da realidade, cujo mote preferido é o mais que estafado argumento de que se deve apostar na «ressocialização» e não na prisão, como se a colocação destes dois termos em alternativa fizesse algum sentido.

Lá virá a queixa de que os tribunais portugueses aplicam demasiada prisão, seja a título de pena ou de medida de coacção, com a inerente proposta de alterações legislativas que limitem mais e mais tal possibilidade.

E lá virá, como proposta de «solução» para os problemas do nosso sistema prisional, a continuação destas práticasassim deixando tudo na mesma.

Em suma, a reforma do sistema prisional que se impõe implicará sobrepor decididamente o interesse nacional ao interesse partidário. O que, como se sabe, não é para todos os estômagos políticos.


2024-10-21

Prisões: por que ponta pegar?


O sistema prisional de um país não passa de um elemento, fundamental é certo, do sistema de justiça penal. Deve, por isso, ser configurado de forma a adequar-se ao cumprimento dos fins que a lei penal aponta à pena de prisão.

Por aquilo que aqui afirmei, o Direito Penal português precisa de ser repensado, se se quiser que ele volte a ser levado a sério. O que, a acontecer, teria de se repercutir sobre a configuração do sistema prisional.

Porém, não podemos estar à espera disso, desde logo porque é altamente improvável que haja lucidez, saber, vontade e coragem para empreender tal tarefa. O estado deplorável a que o poder político deixou o sistema prisional chegar impõe urgência na tomada de medidas «mínimas» que evitem que este entre em ruptura.

Por onde pegar, então, neste imenso problema?

Por aquilo que se mostre necessário em qualquer quadro jurídico-penal. A saber, aumentar a capacidade do sistema prisional, reforçar a segurança das prisões e melhorar substancialmente as condições em que os reclusos cumprem as suas penas. Ou seja, construir novas prisões, adequadas às actuais exigências, e reabilitar as existentes. E com urgência. Para mais quando o encerramento do Estabelecimento Prisional de Lisboa, que é o que alberga o maior número de reclusos em Portugal, está para breve.

Já não existe margem para mascarar o problema com os truques habituais. A evolução da criminalidade no nosso país não se compadece com a reiteração da concessão de medidas de clemência, ou com sucessivas alterações legislativas de pendor laxista, entenda-se, cada uma mais laxista que a anterior. Laxismo sobre laxismo só poderá conduzir à falência do Estado enquanto garante da segurança pública e protector dos mais fracos contra a violência dos mais fortes. Quando o Estado recua no combate ao crime, é este que avança, ocupando o território por aquele deixado livre. Em vez disso, impõe-se reafirmar a autoridade do Estado, com a maior firmeza possível.


2024-10-20

Eloquentes omissões


Se há omissões plenas de significado, são aquelas que se verificam perante situações de evidente emergência. Se quem tem o dever de zelar pelo bom funcionamento de determinada realidade nada fizer no sentido de resolver situações dessa natureza que nesta ocorram, estará a demonstrar que não reconhece a sua existência ou, ao menos, a sua importância. A menos que seja tão louco ou incompetente que, reconhecendo embora tais existência e importância, confie que o problema se resolverá por si próprio. Ou tão destituído de escrúpulos que, por ocupar o cargo que lhe impõe aquele dever de zelo de forma meramente temporária, funde a sua inércia na expectativa de que, quando a coisa estoirar, já estará noutras paragens.

Pois bem, há cerca de 50 anos que o poder político omite ostensivamente o seu dever de cuidar do sistema prisional português, não obstante a magnitude dos problemas que este vem apresentando. Como aqui e aqui afirmei, o poder político tem-se limitado a ir gerindo a crise, empurrando os problemas com a barriga. Quando, por efeito dessa omissão das medidas que se impõem, a pressão dentro do sistema é de tal ordem que o perigo de explosão se torna iminente, o poder político inventa um pretexto para conceder uma amnistia e um perdão de penas, assumidos ou encapotados. Uma vez aliviada a pressão por meio destes expedientes, o poder político não volta a pensar no assunto até que a pressão volte a subir a níveis demasiadamente perigosos, o que, em princípio, só ocorrerá dali a alguns anos, quando a batata quente já estiver nas mãos de outros. Nunca o poder político conseguiu fazer melhor que isto.

Esta omissão é inadmissível, vergonhosa e imperdoável.

Se, diante de um incêndio, um corpo de bombeiros, em vez de procurar extingui-lo, cruzasse os braços e deixasse arder, seria crucificado. O mesmo aconteceria a um nadador-salvador que, diante de um banhista em risco de afogamento, nada fizesse.

Já os políticos que, no último meio século, deixaram os problemas do sistema prisional avolumar-se diante dos seus olhos sem esboçarem qualquer tentativa séria e consistente de os resolver e, muitas vezes, ainda se atrevendo a debitar discursos completamente desfasados da realidade para tentarem esconder a sua incompetência e o seu desleixo, como o de que a causa dos problemas do sistema prisional é os juízes decretarem demasiadas prisões preventivas, proferirem demasiadas condenações em penas de prisão efectiva e estenderem estas por tempo excessivo, nunca foram chamados a responder (politicamente, claro) pelos seus erros e omissões. Seria justo e, seguramente, pedagógico que o fossem, mas é claro que isso nunca irá acontecer. Este tipo de escrutínio não faz parte dos nossos hábitos.

Da descrita omissão, que se traduziu num verdadeiro «deixa arder», ou «deixa afogar», aquilo que resulta, com toda a clareza, é uma absoluta incapacidade e falta de vontade política para resolver os problemas do sistema prisional por parte de quem governou o nosso país no último meio século. Trata-se, pois, de uma omissão verdadeiramente eloquente.


2024-09-23

Bipolaridade jurídico-penal


No rescaldo de mais uma trágica vaga de incêndios florestais, são muitas as vozes que reclamam a imediata aplicação de prisão preventiva a tudo o que for suspeito de ser incendiário e a sua ulterior condenação em pesadas penas de prisão efectiva, manifestando indignação por uma alegada brandura dos tribunais nesta matéria, nomeadamente por suspenderem a execução das penas de prisão numa percentagem excessiva de casos.

Há até quem sustente que, no início de cada época de incêndios, se deveria prender os «incendiários habituais» antes de estes entrarem em acção. Tanto quanto consegui perceber, tratar-se-ia de uma espécie de «prisão ultra-preventiva», que anteciparia, não apenas o trânsito em julgado de uma decisão condenatória, mas a própria prática do crime.

Pela minha parte, concordo com a condenação dos incendiários em penas severas, desde que justas, e com a aplicação de prisão preventiva quando os respectivos pressupostos legais se verificarem, nunca esquecendo, porém, que um deles é a existência de fortes indícios da prática do crime, coisa que, no calor do momento, tende a ser menosprezada por quem clama por «justiça firme e pronta». Já a «prisão ultra-preventiva» apenas poderá terá lugar num «anedotário jurídico-penal».

Registo, porém, que muitos daqueles que agora reclamam, dos tribunais, «mão pesada» em relação aos incendiários, são os mesmos que, uma vez apagados os incêndios, clamam que há presos a mais em Portugal, que os tribunais aplicam demasiada prisão preventiva e demasiadas penas de prisão efectiva e que estas são excessivamente longas.

São também os mesmos que, fora da época de incêndios, se dizem contra a pena de prisão porquanto há que apostar é na ressocialização, como se se tratasse de realidades antinómicas.

Aguardemos, pois, que, com a entrada do Outono, os hoje fogosos adeptos da «mão pesada» percam o gás. Não tarda, voltarão à habitual conversa mole dos «presos a mais» e da «ressocialização em vez de prisão». Também a este filme, já assisti vezes demais.


2024-09-11

A execução de penas segundo Carlos Rato

 

Um efeito colateral da fuga de Vale de Judeus tem sido a passagem, pelos canais de televisão, de pessoas que, mal abrem a boca, revelam a sua ignorância sobre aquilo de que falam. Por vezes, uma arrogante ignorância.

Foi o caso de Carlos Rato, Director da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso, em entrevista à SIC.

Transcrevo um curto excerto:

«Nas prisões, um dos grandes problemas que existem são os juízes de execução de penas. Temos aqui um problema gravíssimo. Temos na execução de penas pessoas que estão lá porque ficaram no final da classificação, são os últimos da lista de juízes. Quem não consegue entrar para mais lado nenhum, vai para juiz de execução de penas. Quando as pessoas que são juízes de execução de penas não estão preparadas ou vocacionadas para fazer isso, claro que depois temos as penas maiores da Europa em execução. Temos as cadeias cheias de gente que não tem carta de condução.»

É notável conseguir-se errar tanto com tão poucas palavras.

1.º - É rotundamente falso que os juízes de execução de penas o sejam por se encontrarem no final da «lista de juízes» (Carlos Rato tem certamente em vista a lista de antiguidade dos magistrados judiciais, que pode ser consultada no site do Conselho Superior da Magistratura). Numa rápida consulta à lista mais recente, respeitante ao ano de 2023, contei 4 juízes de execução de penas entre os 100 primeiros juízes de direito, nomeadamente a minha colega que, segundo tem sido noticiado, proferiu a decisão que terá determinado a transferência de um dos fugitivos do Estabelecimento Prisional de Monsanto para o de Vale de Judeus. Já entre os 100 juízes de direito constantes do final daquela lista, não vi qualquer juiz de execução de penas. Resta esclarecer que constam da lista 1398 juízes de direito.

2.º - Não são os juízes de execução de penas que condenam os reclusos nas penas que estes cumprem. Os juízes de execução de penas limitam-se a proferir decisões respeitantes à fase de execução das penas de prisão em que outros juízes, colocados noutros tribunais, condenaram os reclusos. Nada têm a ver com a natureza e a medida das penas em que os reclusos foram condenados, nomeadamente com a duração das penas de prisão.

Portanto, Carlos Rato errou em toda a linha. Nem os juízes de execução de penas são «os últimos da lista», nem, ainda que o fossem, isso poderia ter qualquer influência na duração das penas que os reclusos cumprem. Ou seja, tratou-se de mais um episódio de poluição jurídica.

Sobre a alegação de que «temos as penas maiores da Europa em execução» e de que «temos as cadeias cheias de gente que não tem carta de condução», que também ouvi, por estes dias, a Vítor Ilharco, secretário-geral da APAR, escreverei um dia destes.


2024-09-10

Como mascarar os problemas do sistema prisional


Escrevi aqui que, ao longo dos últimos 50 anos, o poder político se tem limitado a «gerir a crise» e a empurrar com a barriga os problemas do nosso sistema prisional, em vez de os resolver. Pior, especializou-se em mascará-los.

O expediente para o efeito mais utilizado tem sido a concessão de amnistias e perdões de penas quando a pressão resultante da sobrelotação das prisões se torna insuportável, colocando-se em liberdade, de um dia para o outro, algumas centenas de reclusos. As visitas papais a Portugal são o pretexto preferido, mas até a Covid-19 serviu para conceder um perdão de penas encapotado.

Noutras ocasiões, a máquina político-mediática é posta em marcha no sentido de espalhar a ideia de que há demasiados presos em Portugal. Uma vez preparado, dessa forma, o terreno, sai uma alteração da legislação penal que tem por efeito a imediata libertação de mais algumas centenas de reclusos. A «Reforma Penal de 2007» foi um flagrante exemplo disso. Embora não assumido (obviamente…), um dos objectivos centrais dessa reforma foi esvaziar prisões, fosse a que preço fosse, como em devido tempo salientei:

- Objectivo: esvaziar prisões (1) – link

- Objectivo: esvaziar prisões (2) – link

- Objectivo: esvaziar prisões (3) – link

A enfrentar os reais problemas do sistema prisional, reformando-o de alto a baixo, é que todos têm fugido. É complicado, é demorado, requer investimentos significativos e, ainda por cima, não dá votos.


2024-09-08

A propósito da fuga de Vale de Judeus

 

Ontem de manhã, evadiram-se do Estabelecimento Prisional de Vale de Judeus, classificado como de alta segurança, 5 reclusos, 4 dos quais considerados muito perigosos. Saltaram o muro e foram às vidas deles, sem oposição e sem serem, sequer, detectados por quem os guardava.

A comunicação social não fala de outra coisa desde que a fuga foi conhecida. Subitamente, toda a gente acordou para o facto de as prisões, à semelhança da generalidade dos restantes sectores do Estado Português, se encontrarem numa situação de ruptura. Sobrelotadas, em péssimas condições, com um número insuficiente de guardas prisionais e com graves falhas de segurança.

Os problemas do sistema prisional não são de hoje, nem do último ano, nem sequer dos últimos 10 anos. Nos últimos 50 anos, o sistema prisional tem sido, pura e simplesmente, desprezado pelos sucessivos governos. O país vive de costas voltadas para as suas prisões, fingindo que elas não existem, e só se lembra delas quando ocorre uma evasão mais aparatosa, como a de ontem, ou quando algum cidadão mais ilustre é preso. O mesmo tem feito o poder político, que, em vez de enfrentar os inúmeros problemas existentes, se limita a «gerir a crise», empurrando os problemas com a barriga. É assim há 50 anos, repito.

Enfim, pode ser que seja desta que o país acorde para a gravíssima situação das nossas prisões. Plagiando o «Manifesto dos 50», que obviamente se concentra em questões mais selectas que a do sistema prisional, pode ser que se verifique um «sobressalto cívico» que leve o Estado Português a, 50 anos depois, voltar a cuidar das suas prisões.