2013-03-28

Interesses corporativos (2)


PAULO MORAIS:

«A legislação mais importante, a de maior relevância económica, já não é elaborada no Parlamento, como deveria, mas sim nas grandes sociedades de advogados.

Estas têm sido contratadas pelos sucessivos governos para produzir leis nas áreas do urbanismo e do ordenamento do território, da construção, ou até de toda a contratação.

Por norma, estas poderosas firmas produzem maus diplomas, que sempre padecem de três falhas. Têm inúmeras regras, para que ninguém as perceba, muitas excepções para beneficiar os amigos; e, ainda por cima, atribuem um enorme poder discricionário a quem as aplica, o que evidentemente convida à corrupção.

De seguida, estas sociedades ainda emitem pareceres para as mais diversas entidades, a explicar as omissões de que eles próprios são os responsáveis. E voltam a ganhar milhões.

E, finalmente, ainda podem ir aos grupos privados vender os métodos de ultrapassar a Lei, através dos alçapões que eles próprios introduziram na legislação.

Ganham assim em três carrinhos. Mas o povo, esse, perde em toda a linha.»

Ao ler este artigo de opinião, que aqui guardei, lembrei-me das graves acusações (que ficaram sem resposta, tanto quanto me apercebi) que MENDES BOTAdeputado do PSD e presidente da comissão de ética da Assembleia da República, fez há tempos, acusações essas que aqui transcrevi e agora vou, de novo, reproduzir: 

- Mais de metade dos deputados acumulam funções no sector privado, como consultores ou advogados de grandes escritórios;

- Há situações de conflito de interesses;

- Os referidos deputados transformaram o Parlamento num palco de jogos privados;

- Os deputados advogados "assaltaram" os lugares-chave da Assembleia da República.

Tudo isto é sabido e não é de hoje. Basta visitar os sites das grandes sociedades de advogados. É esta gente que ainda tem o descaramento de acusar outros de prosseguirem interesses corporativos. Ao menos, tenham vergonha.

2013-03-26

Ainda sobre a alegada "judicialização da política"


O artigo de opinião de José Mouraz Lopes ontem publicado (LINK) sobre a alegada "judicialização da política" põe o dedo na ferida. As seguintes frases são lapidares (o realce é da minha autoria):

"Os "acusadores" são, sobretudo, os que exercem poderes de facto do alto de uma aparente intocabilidade mediática e que, com a insinuação de que os tribunais estão a ir para caminhos que não são os seus, pretendem apenas inibir a actuação judicial sobre aqueles que sempre se viram como intocáveis."

"Diz-se, por isso, em regra, "à justiça o que é da justiça, à política o que é da política"! O discurso da judicialização da política é, assim, um discurso manipulado e que serve apenas aqueles que deles se queixam, porque por eles são ou podem ser afectados."

Pois, era tão bom, para essa gente, um espaço livre do Direito onde pudessem fazer tudo aquilo que quisessem (entenda-se, ainda mais que aquilo que já fazem) sem limites jurídicos e livres do incómodo que é a actuação do sistema judicial...

Era bom, mas não pode ser, ao menos enquanto houver Estado de Direito.

Porém, como não pode ser, toca a agitar o papão da "judicialização da política", que, como é bom de ver, não passa de mais um chavão sem qualquer sentido e, por isso, facilmente se desmonta, como ontem fez José Mouraz Lopes.

A essa tarefa também se dedicou, há alguns meses, João Lemos Esteves, em artigo de opinião que guardei no meu Casão (LINK). O resultado foi o esperado: a alegada "judicialização da política" não passa de um rematado disparate que se desfaz através de uma abordagem jurídica simples, em meia dúzia de parágrafos. Não passa, no fundo, de um castelo de cartas que se desmorona com um simples sopro. Realço a parte final desse artigo:

"(...) a estruturação do sistema fiscal português não é uma questão apenas política: comporta uma dimensão jurídica bastante relevante.

Posto isto, cumpre assinalar que, de facto, nos parece que o Governo terá muitas dificuldades para nos convencer que as medidas de redução dos escalões do IRS não violam o princípio segundo o qual os impostos sobre o rendimento têm de ser progressivos e atender aos rendimentos auferidos pelos portugueses. Ora, quer o princípio da progressividade, quer o princípio da capacidade contributiva são princípios constitucionais e, logo, jurídicos: o Tribunal Constitucional poderá fiscalizar o seu respeito pelo legislador. O que os Tribunais - nunca! - poderão fazer é formular juízos de mérito: esta medida não deveria ser adoptada porque há outra melhor. Neste último caso, e só neste, estaríamos perante uma violação do princípio da separação de poderes."

Óbvio!

Entretanto, também guardei, num canto esconso do meu Casão, três exemplos da dificuldade que algumas pessoas (respectivamente, um economista, um banqueiro e um jornalista) sentem em perceber uma coisa tão simples:

Deliberação do Tribunal Constitucional sobre os subsídios vai penalizar Portugal aos olhos internacionais - LINK

Veto do Tribunal Constitucional é perigosíssimo para o futuro de Portugal - LINK

É de doidos os juízes terem tanto poder - LINK

Moral da história: Ninguém caia no erro de pensar que o Estado de Direito Democrático é um dado adquirido. A cada passo nos surge gente aparentemente insuspeita que, afinal, convive mal com esse modelo, parecendo preferir outros, de pendor autoritário.


2013-03-25

A judicialização da política


Gostava de ter escrito isto:

Artigo de opinião de José Mouraz LopesPresidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, publicado hoje, 25 de Março, no jornal Público:

"É recorrente a acusação pública sobre o fenómeno da judicialização da política onde, em regra, estão no banco dos réus as magistraturas. Falamos, naturalmente, de questões tão diversificadas como a investigação criminal que envolve titulares de cargos políticos, a legítima iniciativa de cidadãos que nos tribunais administrativos contestam por via cautelar decisões políticas ou mesmo a intervenção do Tribunal Constitucional no exercício dos seus poderes de fiscalização da constitucionalidade, sobretudo na dimensão preventiva de leis controversas à luz do Estado de direito.

Os "acusadores" são, sobretudo, os que exercem poderes de facto do alto de uma aparente intocabilidade mediática e que, com a insinuação de que os tribunais estão a ir para caminhos que não são os seus, pretendem apenas inibir a actuação judicial sobre aqueles que sempre se viram como intocáveis.

Diz-se, por isso, em regra, "à justiça o que é da justiça, à política o que é da política"! O discurso da judicialização da política é, assim, um discurso manipulado e que serve apenas aqueles que deles se queixam, porque por eles são ou podem ser afectados.

Para o cidadão, em regra, sobra sempre o juízo crítico sobre os tribunais e o consequente desgaste da imagem pública da justiça. O episódio da lei das incompatibilidades eleitorais é, claramente, mais uma pedra na construção do desgaste sobre a actuação dos tribunais nos sistemas democráticos.

Os autarcas "ex-presidentes" e futuros candidatos a municípios diversos daqueles em que exerceram já funções e os seus adversários políticos, certamente que verão nas decisões dos tribunais relativas à sua elegibilidade ou inelegibilidade eleitoral um excelente motivo para verberar a "incompetência", a "falta de cuidado" ou, quiçá, a "juventude" dos juízes que decidiram da exclusão ou da não exclusão de determinados candidatos das listas eleitorais.

Deixando, propositadamente, aos tribunais, o ónus de interpretar uma lei que o legislador não quis clarificar e que a doutrina também não reflectiu devidamente, remete-se para a justiça uma decisão que terá sempre um reflexo político-partidário imediato. Os juízes, aplicando a lei, decidirão sempre de forma livre e independente, ainda que de forma diversa, segundo a sua consciência.

Num tempo onde a justiça deve ser objecto de outras preocupações, os tribunais não podem ser empurrados para um jogo partidário que não lhes pertence. Apenas cumprirão as leis e a Constituição".