Foi ontem notícia a agressão de um recluso, por um outro, ocorrida no Estabelecimento Prisional de Santa Cruz do Bispo. A vítima encontrava-se deitada no chão, a apanhar sol, quando o agressor lhe desferiu um violentíssimo pontapé na cabeça, deixando-a inanimada. Não satisfeito com isso, o agressor urinou e cuspiu para cima da vítima. Nenhum dos inúmeros reclusos que assistiram à agressão esboçou o mínimo gesto no sentido de auxiliar a vítima.
Escusado será dizer que não se encontrava presente qualquer guarda prisional, espécie que vai escasseando cada vez mais no interior dos estabelecimentos prisionais. A situação só foi detectada pelos serviços prisionais posteriormente, através do visionamento das imagens captadas pelo sistema de videovigilância, imagens essas divulgadas na televisão.
Entretanto, a vítima teve de ser sujeita a uma intervenção cirúrgica. Atenta a violência da agressão, certamente ficou com lesões graves.
É este o dia-a-dia nas prisões portuguesas. Reclusos entregues a si próprios, sujeitos a serem assassinados, agredidos, sexualmente abusados, ameaçados, extorquidos, sem que o sistema lhes conceda a protecção a que eles têm direito. Há relatos de familiares de reclusos que, a troco da «protecção» deste, pagam a grupos organizados de companheiros de prisão. É a lei da selva.
Que uma pessoa que ingressa num estabelecimento prisional tem o direito de exigir, ao Estado que o priva da liberdade, que garanta a sua segurança no interior daquele estabelecimento, constitui uma evidência. Essa pessoa não pode ser, pura e simplesmente, encarcerada e abandonada à sua sorte, num ambiente hostil, sujeita à lei do mais forte. Cada situação de agressão como a descrita constitui uma violação, pelo Estado, do seu dever de protecção do recluso agredido.
Noutra perspectiva, um ambiente prisional como aquele que descrevi é a antítese daquele que é necessário para a reinserção social dos reclusos. O instinto de sobrevivência destes impeli-los-á, não a ressocializarem-se, mas sim a procurarem integrar-se num grupo criminoso que, dentro da prisão, lhes garanta a protecção que o Estado lhes recusa. Organizações criminosas como o brasileiro PCC, que se encontra a recrutar reclusos nas prisões portuguesas, agradecem.
Ao permitir que isto aconteça, o Estado abdica vergonhosamente do objectivo de ressocializar quem ingressa no seu sistema prisional. As enfáticas proclamações, no Código Penal e no discurso político, da ressocialização como fim da pena, nomeadamente da pena de prisão, estatelam-se ingloriamente contra a sórdida realidade das prisões portuguesas.
Em suma, também em matéria de garantia da segurança dos reclusos, o estado das prisões portuguesas é, há muito tempo, de calamidade.