2025-10-14

Imigração e criminalidade: Apurar a verdade para quê?


A resposta instintiva à questão formulada no título deste texto é óbvia: porque a verdade constitui, em si mesma, um valor. É da natureza humana aspirar a conhecê-la.

Porém, para que o apuramento de determinada verdade possa corresponder a um interesse público, aquela resposta é insuficiente. Terá de haver fundamento para concluir que aquele conhecimento possui uma utilidade qualificada. O Estado não é obrigado a desperdiçar meios escassos com o exclusivo objectivo de satisfazer a curiosidade da população, ou de uma parte dela.

Afirmei, aqui, que existe um interesse público em que a verdade sobre a existência, ou não, de uma relação entre imigração e criminalidade seja apurada e divulgada. Cumpre fundamentar tal afirmação.

Ao contrário do que sustentam aqueles que a tanto se opõem, a recolha e o tratamento de dados relevantes para se saber se é possível estabelecer uma relação entre imigração e criminalidade não visa a estigmatização dos imigrantes na sua globalidade, ou de um determinado grupo de imigrantes (por exemplo, dos que sejam originários do país A ou dos que professem a religião B). Existe, evidentemente, o risco de utilização dos dados obtidos com essa finalidade por parte de algumas pessoas, mas, se tal acontecer, a forma de lidar com isso é o debate e não a camuflagem da realidade, como aqui referi.

A recolha e o tratamento daqueles dados são essenciais para delinear e avaliar políticas públicas, pelo menos em dois domínios: política criminal e política de imigração. Por exemplo, sem os referidos dados, é impossível avaliar o sucesso das políticas de integração adoptadas em Portugal ao longo das últimas quatro décadas, avaliação essa que me parece ter o maior interesse. Se se apurar que os imigrantes, ou determinado grupo de imigrantes, ou os seus descendentes no 1.º grau, cometem mais crimes e/ou crimes mais graves que a restante população, aquelas políticas terão de ser reavaliadas, pois algo terá falhado e carecerá de correcção, sob pena de se insistir nos mesmos erros. Os exemplos poderiam multiplicar-se. Indagações desta natureza são correntes noutros países, sem o menor problema.

No Reino Unido, a importância da recolha e tratamento de dados desta natureza foi recentemente reconhecida pelo Governo, na sequência do «Relatório Casey». Lamentavelmente, isso apenas aconteceu, após anos de resistência, na sequência do escândalo decorrente da revelação da existência de redes organizadas de abusadores sexuais de crianças – link. Espero que o mesmo venha a ser feito em Portugal sem necessidade de que algo semelhante ocorra.