2007-08-16

Reincidência, essa desconhecida.


Para se tentar justificar o generalizado e muito significativo abrandamento da punição pela prática de crimes (incluindo crimes graves) que a 21.ª alteração do Código Penal, ao que tudo indica, imporá, tem-se usado e abusado da ideia de reinserção social, como aqui sublinhei.

Esquematicamente, o raciocínio dos defensores da referida alteração legislativa é este: as prisões não reinserem o delinquente na sociedade, muito pelo contrário; logo, quanto menos prisão, mais reinserção.

Deixando de lado o primarismo deste raciocínio, que o torna, logo à partida, imprestável para encarar de frente tão complexa problemática (ainda que «passe bem» em órgãos de comunicação generalistas, precisamente devido ao seu simplismo), ocorre-me lembrar que quem assim fala, fala daquilo que desconhece.

Alguém, em Portugal, possui dados que permitam avaliar se o cumprimento de penas de prisão efectiva contribui ou não para a reinserção social dos reclusos? Ou se esse objectivo tem sido conseguido com maior sucesso através do cumprimento de penas diversas da prisão efectiva?

Por outras palavras, alguém, em Portugal, conhece com rigor as taxas de reincidência (em sentido amplo)? Alguém possui dados rigorosos sobre eventuais diferenciações dessas taxas em função da natureza da pena anteriormente cumprida pelo delinquente reincidente, por forma a sustentar a tão propalada ideia de que a aplicação de penas de prisão efectiva é a negação da ideia de reinserção social?

Ou andarão os defensores da 21.ª alteração do Código Penal a sustentar a sua tese e - o que é grave - a baixar significativamente o nível da punição do crime apenas com base numa «impressão» pessoal ou numa ideia feita e até simpática para muitos, mas não devidamente fundamentada?

A propósito, transcrevo excertos de um artigo de NATÁLIA FARIA inserido no jornal Público de 19.11.2006:

«Um número: no ano passado, as cadeias portuguesas libertaram 5880 reclusos. Quantos destes reincidiram no crime? Nenhuma resposta. Em Portugal, ao contrário do que acontece em Espanha, na Alemanha ou no Reino Unido, não há estudos sobre a reincidência.

Só no ano passado, as cadeias portuguesas libertaram 5880 detidos. Mas quantos destes conseguiram reintegrar-se e quantos voltaram para a cadeia é algo que ninguém arrisca avançar. "Era fundamental que se fizesse esse estudo sobre a taxa de reincidência que permitisse avaliar e corrigir as políticas de reinserção social que têm vindo a ser seguidas", aconselha Conceição Gomes, directora executiva do Observatório Permanente de Justiça.

"A experiência diz-me que há uma percentagem elevada de indivíduos reincidentes, que voltam ao crime e que voltam à prisão, mas efectivamente não temos nenhum levantamento sobre isso", confirma Fernando Mariz, director do departamento de coordenação e apoio técnico da Delegação Regional do Norte do Instituto de Reinserção Social.

Em Espanha, que detinha em Outubro 16.800 reclusos, a taxa de reincidência varia entre os 37 e os 70 por cento, de acordo com os crimes cometidos. Em Portugal, o Estado, que gasta uma média de 40 euros/dia por cada recluso (e eram 12.846, no passado dia 16), continua sem saber até que ponto o sistema prisional cumpre um dos seus pressupostos, ou seja, "a ressocialização do condenado, como meio de evitar a reincidência e desse modo proteger a sociedade dos agentes do crime", conforme se lê no estudo A Reinserção Social do Recluso - Um contributo para o debate sobre a reforma do sistema prisional, elaborado em 2003 a pedido do Ministério da Justiça, então tutelado por Celeste Cardona, mas que acabou por cair no esquecimento.»