2008-03-10

Quando a receita contradiz o diagnóstico...

No final de Fevereiro ocorreram, num curto período, vários homicídios que alarmaram o país.
Com o confessado intuito de contrariar o clima de insegurança que então se gerou, o Ministério da Administração Interna (MAI) antecipou a divulgação de alguns números que constam do relatório de segurança interna de 2007, ainda não apresentado à Assembleia da República.
Tais números são extremamente adequados à finalidade apaziguadora da sua divulgação. Desde logo, o número de homicídios registados baixou significativamente em 2007 face ao ano anterior.
Sem prejuízo de aguardar pela divulgação pública do relatório de segurança interna de 2007, cuja leitura provavelmente me deixará mais esclarecido, vão-me surgindo algumas questões relacionadas com este tema.
Em primeiro lugar, interrogo-me sobre qual seria a atitude do MAI nas circunstâncias descritas se os números do crime não lhe fossem tão convenientes. Ainda anteciparia a sua divulgação, em nome da verdade, mesmo que esta lhe fosse inconveniente?
Em segundo lugar, interrogo-me sobre a credibilidade de números que têm origem em entidades dependentes do Governo. Se é politicamente importante, para este último, que não subam os números do crime que são divulgados ao país, a dúvida sobre a autenticidade desses números parece-me justificar-se. Até porque há várias maneiras de fazer contagens, nomeadamente de mortos, como acontece, por exemplo, no domínio dos acidentes de viação (LINK). Em função do momento em que cada contagem é feita, os resultados podem ser muito diferentes.
Todavia, aquilo que mais me intriga é o concomitante anúncio, por parte do MAI, de que, a breve trecho, serão admitidos 1000 elementos pela PSP e outros tantos pela GNR. Se a criminalidade violenta está em queda acentuada, como foi divulgado, que sentido tem o anunciado e muito significativo reforço dos meios humanos (que implicará o de meios materiais), para mais numa conjuntura de diminuição do número de funcionários públicos e de contenção da despesa pública e com os custos políticos decorrentes de se tratar de medida que contraria promessa anterior?
Se, com esta medida, se pretende apenas combater o sentimento de insegurança da população – sentimento este que, pelo que oiço, constitui o único verdadeiro problema deste país alegadamente tão seguro –, estar-se-á a errar completamente o alvo. Para combater as fobias de uma população tão paranóica como aquela que, pelos vistos, somos, que quanto mais segura está, mais insegura se sente, deviam era ser contratados 1000 psicólogos e outros tantos psiquiatras, não polícias.
Não! O diagnóstico efectuado pelo MAI não se harmoniza com a sua própria receita. Por isso, eu desconfio. Como desconfiaria do meu médico se ele me dissesse que eu estou de excelente saúde e, não obstante, me receitasse uma lista de medicamentos para uma qualquer doença grave.