2008-04-14

Pendências

A actual redacção do n.º 1 do art. 342.º do Código de Processo Penal, resultante da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, é uma delícia.
Aí se diz que, no início da audiência de julgamento, o juiz presidente deve perguntar ao arguido pelo seu nome e restantes elementos de identificação e “sobre a existência de processos pendentes” (sic).
Interpretada “à letra”, esta última expressão nada significa. Perguntar ao arguido “sobre a existência de processos pendentes” é, em rigor, o quê? Existem processos pendentes, é verdade. E muitos.
O que o legislador quis dizer é, porém, óbvio. Indagar se um arguido “tem processos pendentes” é uma forma corriqueira de designar aquilo que o cuidadoso legislador de 1987, na redacção originária do art. 342.º do CPP, expressou nos seguintes termos “o presidente pergunta ao arguido (…) por qualquer outro processo penal que contra ele nesse momento corra (…)”.
Sinto saudades do tempo em que quem elaborava leis, ciente da transcendente responsabilidade inerente a essa tarefa, se esforçava, entre outras coisas, por se expressar de forma elegante e tecnicamente rigorosa.
Hoje, fazem-se leis em cima do joelho, à pressa, à pressão, para cumprir prazos e pactos, para se conseguir ser notícia de abertura de um telejornal ou de primeira página de um jornal, para criar a ilusão de que se está a resolver problemas quando, na realidade, se está a agravá-los, e o resultado está à vista. No particular aspecto que agora tenho em vista, nem sequer era preciso inventar: teria bastado, ao legislador de 2007, dar-se ao trabalho de reler a versão originária do Código de Processo Penal para ficar a saber como deveria expressar-se.
Ou seja, hoje, até em calão se legisla. Por este andar, virá o dia em que o legislador determinará que o juiz presidente pergunte ao arguido “se já alguma vez foi dentro e porquê”.