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Pelas razões que referi nesta mensagem, tenho, por princípio, as maiores reservas relativamente a artigos de jornal sobre questões jurídicas. Mais, numa matéria tão complexa como esta, impossível de resumir em duas ou três frases como os jornalistas gostam, talvez o melhor fosse os entrevistados invocarem o direito ao silêncio e, no caso de MANUEL DA COSTA ANDRADE, de longe o nosso maior especialista na mesma (humilde opinião deste bloguista de trazer pela província), remeter para os escritos que dedicou ao tema, de entre os quais sobressai o clássico SOBRE AS PROIBIÇÕES DE PROVA EM PROCESSO PENAL , ainda hoje, quase duas décadas volvidas sobre a sua 1.ª edição, uma obra – ou melhor, A OBRA – de referência sobre o mesmo tema, sem esquecer as suas preciosas anotações aos artigos 192.º e 199.º do Código Penal incluídas no COMENTÁRIO CONIMBRICENSE DO CÓDIGO PENAL.
Com estas reservas, vou tentar sintetizar as teses dos entrevistados e os respectivos argumentos.
Começo pela opinião de GERMANO MARQUES DA SILVA, professor catedrático de Direito Penal, que é, em síntese, a seguinte:
- Os vídeos particulares feitos sem consentimento dos participantes são prova proibida;
- O registo de imagens só pode ser feito com autorização prévia de um juiz ou com o consentimento dos visados;
- O filme só pode ser utilizado como prova do crime de gravações e fotografias ilícitas, não do crime que foi filmado;
- Nem sequer como ponto de partida para uma investigação criminal o filme pode servir, pois não se pode partir de uma prova proibida para buscar outros meios de prova.
Argumentos:
- Demorámos décadas a conquistar determinados direitos, como o direito à imagem e à privacidade; admitir a gravação de imagens e conversas ou fotografias sem autorização dos próprios é recuar ao tempo de Salazar;
- Embora, em algumas situações, a exclusão deste tipo de prova seja chocante, trata-se de um custo da democracia; ou queremos uma sociedade regida por valores fundamentais da democracia, ou queremos uma sociedade securitária e policial;
- As provas proibidas surgiram devido, em parte, aos excessos da polícia; as garantias que existem são gerais e abstractas, com o objectivo de proteger as pessoas; admite que, por vezes, aplicadas a casos concretos, "arrepiam".
MANUEL DA COSTA ANDRADE, professor catedrático de Direito Penal, embora com argumentação diferente da de GERMANO MARQUES DA SILVA, não diverge significativamente deste último no que toca às soluções que propõe, excepto quanto à utilizabilidade do filme como meio de investigação:
- Ninguém pode fotografar ou filmar ninguém sem o seu consentimento; a lei diz que as gravações obtidas sem consentimento são ilícitas;
- Existe um conflito de direitos, mas não entre o direito à imagem e o direito que terá sido violado pelos actos que foram fotografados ou filmados (por exemplo, o direito à integridade física), violação essa que já se consumou; o verdadeiro conflito verifica-se, sim, entre o direito à imagem e a perseguição criminal;
- Ora, nestes casos, por expressa determinação da lei, o direito à imagem prevalece;
- Os vídeos podem ser utilizados como notícia de um crime, podendo as autoridades depois procurar outras provas.
Opinião diametralmente oposta tem MARIA JOSÉ MORGADO, directora do Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa:
- Os vídeos particulares podem ser utilizados como prova quando interesses de valor superior estão em causa;
- Quando há direitos em colisão, a Constituição consagra que prevalece o mais importante; ora, os direitos à vida e à integridade física sobrepõem-se ao direito à imagem;
- Por exemplo, se tivéssemos a imagem de um homicídio e não a pudéssemos utilizar, seria um absurdo.
Também admite a utilização de imagens captadas por particulares MAIA COSTA, juiz conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça:
- Não há obstáculo à utilização de vídeos particulares como meio de prova se os mesmos forem gravados no espaço público, circunstância que exclui qualquer intromissão na vida privada;
- O princípio geral é o de que todas as provas são permitidas a não ser que sejam prova proibida e os vídeos feitos por particulares no espaço público não fazem parte desse grupo;
- Tratando-se de um normal meio de prova, o vídeo vai ser livremente avaliado pelo juiz do caso, em conjunto com a restante prova.
Ou seja, a seguir-se as opiniões daqueles dois professores catedráticos, o nosso bem intencionado cidadão apenas teria arranjado sarilhos para si próprio e o seu precioso filme não poderia ser utilizado como meio de prova da prática do assalto, fosse este um furto ou um roubo.
Apesar de as opiniões dos quatro entrevistados se encontrarem expressas na meia dúzia de palavras que o formato de um artigo de jornal generalista exige, temos aqui um conjunto interessante de tópicos, que vale a pena analisar. É o que irei fazendo à medida que o tempo mo permitir.