2011-10-15

ACIDENTE DE VIAÇÃO EM AUTO-ESTRADA (4)

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Em princípio, a lei só dispõe para o futuro (artigo 12.º, n.º 1, do Código Civil). Porém, se a norma tiver natureza interpretativa, “integra-se na lei interpretada” (artigo 13.º, n.º 1, do mesmo código), ou seja, aplicar-se-á retroactivamente.
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Quando, como é o caso do artigo 12.º da Lei n.º 24/2007, de 18 de Julho, a lei nova não atribui a si própria natureza interpretativa, cabe ao intérprete resolver a dúvida que a esse propósito se suscite. Nessas circunstâncias, a qualificação de uma norma como interpretativa depende da verificação de certos pressupostos.
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Dou a palavra a quem sabe:
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JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito – Introdução e Teoria Geral, 2.ª edição, páginas 198 e 199: 
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“Para termos interpretação autêntica é também necessário que a nova lei tenha por fim interpretar a lei antiga. Não basta pois que em relação a um ponto duvidoso surja uma lei posterior que consagre uma das interpretações possíveis para que se possa dizer que há interpretação autêntica: tal lei pode ser inovadora. 
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Como se sabe então que a lei é interpretativa?
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(…) Se a fonte expressamente nada determinar, o carácter interpretativo pode resultar ainda do texto, quando for flagrante a tácita referência da nova fonte a uma situação normativa duvidosa preexistente. Não vemos razão para exigir que o carácter interpretativo seja expressamente afirmado, quando a retroactividade não tem de o ser.
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Isto não impede que a fonte não se presuma interpretativa (…). Significa apenas que a presunção no sentido do carácter não interpretativo pode ser afastada quando militarem razões em contrário.”
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J. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 1.ª edição, páginas 246 e 247:
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“(…) a razão pela qual a lei interpretativa se aplica a factos e situações anteriores reside fundamentalmente em que ela, vindo consagrar e fixar uma das interpretações possíveis da LA com que os interessados podiam e deviam contar, não é susceptível de violar expectativas seguras e legitimamente fundadas. Poderemos consequentemente dizer que são de sua natureza interpretativas aquelas leis que, sobre pontos ou questões em que as regras jurídicas aplicáveis são incertas ou o seu sentido controvertido, vêm consagrar uma solução que os tribunais poderiam ter adoptado. Não é preciso que a lei venha consagrar uma das correntes jurisprudenciais anteriores ou uma forte corrente jurisprudencial anterior. Tanto mais que a lei interpretativa surge muitas vezes antes que tais correntes jurisprudenciais se cheguem a formar. Mas, se é este o caso, e se entretanto se formou uma corrente jurisprudencial uniforme que tornou praticamente certo o sentido da norma antiga, então a LN que venha consagrar uma interpretação diferente da mesma norma já não pode ser considerada realmente interpretativa (embora o seja porventura por determinação do legislador), mas inovadora.
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Para que uma LN possa ser realmente interpretativa são necessários portanto dois requisitos: que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; e que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei. Se o julgador ou o intérprete, em face de textos antigos, não podiam sentir-se autorizados a adoptar a solução que a LN vem consagrar, então esta é decididamente inovadora.”
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