2025-08-07

Imigração e criminalidade – O critério da composição da população prisional (1)


Concluí, aqui, pela necessidade de afinar os critérios de recolha e tratamento de dados a utilizar na análise da relação entre imigração e criminalidade. A esse propósito, critiquei o recurso ao critério da composição da população prisional, em função da nacionalidade dos reclusos, com a referida finalidade. Este critério não proporciona dados rigorosos, por diversas razões.

A primeira dessas razões é a não coincidência entre as qualidades de imigrante e de estrangeiro.

Nesta intervenção, o Director Nacional da Polícia Judiciária (DNPJ) salientou essa não coincidência, apontando diversas situações em que, no seu entendimento, reclusos estrangeiros não podem ser considerados imigrantes em Portugal. Tais situações seriam, segundo ele, as seguintes: organizações criminosas transnacionais, cibercrime, tráfico de estupefacientes (nomeadamente as «mulas» que transportam tais substâncias) e criminalidade contra o património que tenha conexões internacionais.

Mais recentemente, no passado mês de Fevereiro, ao ser ouvido, na Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, a propósito dos dados sobre a criminalidade em Portugal, o DNPJ reiterou tal distinção entre as qualidades de estrangeiro e de imigrante, salientando que «as cadeias têm muita gente que é estrangeira, mas não é imigrante».

Estas duas intervenções públicas do DNPJ mereceram ampla divulgação mediática, sendo, ainda hoje, referências frequentes quando se fala sobre o tema da relação entre imigração e criminalidade. Porém, deturpam a realidade.

O DNPJ tem razão quando afirma que nem todos os estrangeiros presos podem ser qualificados como imigrantes. É óbvio que um estrangeiro não residente em Portugal que seja preso ao aqui entrar com produtos estupefacientes, ou que aqui permaneça durante um curto período para cometer um ou mais crimes e, em seguida, sair do território nacional, não é um imigrante. Não obstante, se for preso, figurará nas estatísticas da população prisional como estrangeiro.

Já a genérica exclusão, da qualificação como imigrante, dos membros de organizações criminosas transnacionais e de quem se dedique ao cibercrime, ao tráfico de estupefacientes fora das hipóteses que acima referi e à criminalidade contra o património que tenha conexões internacionais, carece de fundamento. Um estrangeiro que passe a residir em Portugal de forma estável será um imigrante ainda que a sua única actividade no nosso país seja a prática de crimes, sejam estes de que natureza forem. Também o será se residir em Portugal de forma estável e aqui exercer, simultaneamente, actividades lícitas e ilícitas, nomeadamente de natureza criminal.

Restringir a qualidade de imigrante aos estrangeiros que não cometam crimes, ou não cometam determinados tipos de crimes, carece, pois, de sentido. É imigrante quem, sendo nacional de outro país, passe a residir em Portugal de forma estável, independentemente de, aqui, trabalhar ou não, cometer crimes ou não.

É este o primeiro erro do DNPJ.

O seu segundo erro é o de apenas mencionar os estrangeiros que não são imigrantes, omitindo a hipótese inversa: a dos imigrantes que, entretanto, adquiriram a nacionalidade portuguesa, mantendo, ou não, a sua nacionalidade de origem e, eventualmente, outra ou outras.

Um estrangeiro que imigre para Portugal e, posteriormente, adquira a nacionalidade portuguesa, não deixa de ser imigrante. Sendo originário de outro país, será sempre um imigrante em Portugal, ainda que adquira a nacionalidade portuguesa. Deixa de ser considerado estrangeiro, mas não imigrante.

Concepção diversa de imigrante deixaria de descrever a realidade de forma útil, sendo, por isso, de afastar. No limite, se se atribuísse a nacionalidade portuguesa a todos os estrangeiros logo que estes entrassem em Portugal com a finalidade de aqui passarem a residir, não teríamos imigrantes. Estes perderiam essa qualidade no preciso momento da sua aquisição. Salta à vista o absurdo de tal entendimento.

Ou seja, o DNPJ destacou a discrepância entre os conceitos de estrangeiro e de imigrante no sentido de restringir o segundo face ao primeiro, mas omitiu a discrepância entre esses conceitos no sentido de ampliar o segundo face ao primeiro. Mais, o DNPJ não se limitou a omitir esta última discrepância, antes tendo negado expressamente a sua existência, ao afirmar que «um imigrante é estrangeiro, mas um estrangeiro não é necessariamente um imigrante». Isto é errado. Sendo verdade que um estrangeiro não é necessariamente um imigrante, não é menos verdade que um imigrante não é necessariamente um estrangeiro.

Na estatística da composição da população prisional, um imigrante que tenha adquirido a nacionalidade portuguesa contará como português. Por essa razão, a utilização da referida estatística como instrumento de análise da relação entre imigração e criminalidade será duplamente enganadora: uma pessoa que devia contar como imigrante, não só deixa de o ser, como, mais que isso, acaba por contar como não imigrante, em paridade com os portugueses realmente não imigrantes.

Devido aos dois erros que acabei de apontar, a argumentação apresentada pelo DNPJ sobre a relação entre imigração e criminalidade carece de validade. Ele procurou inculcar a ideia de que o recurso ao critério da composição da população prisional, em função da nacionalidade, para a determinação do número de imigrantes presos, peca necessariamente por excesso, ou seja, aponta sempre para um número de imigrantes presos superior ao real, mas não é assim. Poderá pecar, quer por excesso, quer por defeito. Daí que aquele critério seja inadequado para a formulação de um juízo rigoroso sobre a relação entre imigração e criminalidade em medida substancialmente maior que aquela que o DNPJ referiu. Apenas poderá fornecer uma imagem aproximada da realidade.