2025-08-26

Imigração e criminalidade – Os segredos mais secretos


Ao ser ouvido, no passado mês de Fevereiro, na Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, a propósito dos dados sobre a criminalidade em Portugal, o Director Nacional da Polícia Judiciária (DNPJ) afirmou que esta última «conhece a nacionalidade de todos os nossos detidos, mas não partilhamos porque não nos tem sido permitido partilhar».

Esta afirmação suscita-me três observações.

1.ª observação:

Em algum momento, o Ministério da Justiça proibiu a Polícia Judiciária de divulgar a nacionalidade das pessoas que são detidas, mantendo-se tal proibição na data da referida audição parlamentar.

Numa primeira análise, não se percebe porquê. Se são divulgados os números relativos à nacionalidade das pessoas que se encontram presas, parece que, por igualdade de razão, nada obstaria à dos números relativos à nacionalidade das pessoas que são detidas.

Uma análise mais cuidadosa leva-me a suspeitar que a razão que leva a permitir a divulgação dos números relativos à nacionalidade das pessoas que se encontram presas, mas não a dos números relativos à nacionalidade das pessoas que são detidas em determinado período, se prende com aquilo que aqui escrevi. É que, por enquanto, a diluição dos números relativos à população prisional mais recente nos números globais dessa população poderá ir permitindo disfarçar uma maior incidência de estrangeiros entre os reclusos mais recentes. Já a divulgação da nacionalidade dos detidos no último ano não permitiria esse expediente, revelando, inexoravelmente, a percentagem exacta de portugueses e de estrangeiros.

Reforça esta ideia o facto de ser divulgada a percentagem dos estrangeiros que integram a população prisional global, mas não a dos estrangeiros que ingressaram no sistema prisional no último ano. Este último número permitiria uma informação muito mais actualizada e rigorosa acerca da relação entre a criminalidade e a nacionalidade dos criminosos. Tudo me leva a supor que, não obstante ser muito mais esclarecedor, tal número não é divulgado pela mesma razão por que o não é o da nacionalidade das pessoas detidas em determinado período. Os portugueses ficariam a conhecer uma realidade que o poder político tudo tem feito para lhes ocultar.

2.ª observação:

Como é natural, o DNPJ divulgou, na comissão parlamentar, apenas a informação que a tutela lhe permitia, então, divulgar. Contudo, avançou conclusões que tal informação não sustenta, pelas razões que acima referi, bem como por estas. É nessa medida que o critico. Com base na informação que disponibilizou, é impossível afirmar, de forma sustentada, aquilo que o DNPJ afirmou.

3.ª observação:

Independentemente da questão da sua divulgação, nem sequer os números relativos à nacionalidade das pessoas detidas em determinado período são inteiramente esclarecedores acerca da possibilidade de estabelecer uma relação entre imigração e criminalidade. A razão é aquela que aqui referi, a propósito da nacionalidade dos reclusos: a não coincidência entre as qualidades de estrangeiro e de imigrante. Apenas será possível analisar, com rigor, se existe uma relação entre imigração e criminalidade, com base em dados recolhidos especificamente para esse efeito, ou seja, apurando se os autores de crimes são, ou não, imigrantes, independentemente de terem, ou não, nacionalidade portuguesa.

2025-08-15

Imigração e criminalidade – O critério da composição da população prisional (2)


Além desta, existe uma outra razão para que os resultados da aplicação do critério da composição da população prisional, em função da nacionalidade dos reclusos, com a finalidade de analisar a relação entre imigração e criminalidade, devam ser encarados de forma cautelosa.

Para analisarmos essa razão com total independência em relação à da não coincidência das qualidades de imigrante e de estrangeiro, ficcionemos que tal coincidência se verifica, ou seja, que todos os estrangeiros presos, mas só eles, são imigrantes. Nem assim o critério da composição da população prisional, em função da nacionalidade dos reclusos, proporcionaria resultados rigorosos, ao menos num primeiro momento.

A actual vaga migratória iniciou-se recentemente, tendo atingido proporções dramáticas na última meia dúzia de anos. Apurou-se, já no decurso deste ano, que, no final de 2024, o número de imigrantes em Portugal era de 1,6 milhões. Sensivelmente quatro vezes mais que em 2017. Sendo certo que, antes do surgimento deste número, se estimava que o número de imigrantes fosse de pouco mais de um milhão. Uma divergência com esta dimensão (cerca de meio milhão de imigrantes) é bem demonstrativa do absoluto descontrolo do Estado Português relativamente à imigração. O Estado não sabe quantos estrangeiros se instalam em Portugal, quem são eles, onde estão e o que fazem. Se soubesse, não teria acordado, de repente, para a realidade agora descoberta.

Nestas circunstâncias, mesmo na hipótese de a população imigrante cometer, proporcionalmente, mais crimes que a população portuguesa, isso só teria repercussões sensíveis na composição da população prisional dentro de alguns anos e de forma progressiva.

As razões são óbvias.

Excepto na hipótese de ser aplicada prisão preventiva, entre o momento da prática do crime e o da entrada do autor deste num estabelecimento prisional, para cumprir a pena em que for condenado, decorrerão, normalmente, alguns anos.

Por outro lado, o número dos reclusos mais recentes dilui-se num universo de pessoas presas há mais tempo, só adquirindo peso estatístico significativo ao fim de alguns anos, que acrescem ao tempo que decorreu entre a prática do crime e a entrada do seu autor num estabelecimento prisional.

Imaginemos que, em determinado ano: 1) Deram entrada no sistema prisional 500 reclusos imigrantes e 500 reclusos não imigrantes; 2) No início desse ano, a população prisional era constituída exclusivamente por reclusos não imigrantes; 3) No final desse ano, a população prisional total era de 10.000 reclusos. Estatisticamente, esta população será constituída por 95% (correspondente a 9500 reclusos) de não imigrantes e 5% (correspondente aos 500 que entraram no último ano) de imigrantes.

Assim se mascara grosseiramente a realidade de, no último ano, 50% das pessoas que ingressaram no sistema prisional serem imigrantes, que é aquilo que verdadeiramente interessa quando se trata de saber se uma vaga migratória está a causar um aumento da criminalidade cometida por imigrantes. 

Mais, com base naqueles números, pode até aproveitar-se para ensaiar a «demonstração» de que os estudos que aqui referi permanecem actuais. Se, no final do ano em causa, a população imigrante for de 10% da população total do país, poderá dizer-se que a percentagem da população prisional imigrante é inferior à da população total imigrante. Para concluir, claro, que os imigrantes cometem menos crimes que os não imigrantes. Escondendo a realidade de, no último ano, 50% dos novos reclusos serem imigrantes, que é aquilo que realmente interessa para aferir se determinada vaga migratória está a causar um aumento da criminalidade.

2025-08-07

Imigração e criminalidade – O critério da composição da população prisional (1)


Concluí, aqui, pela necessidade de afinar os critérios de recolha e tratamento de dados a utilizar na análise da relação entre imigração e criminalidade. A esse propósito, critiquei o recurso ao critério da composição da população prisional, em função da nacionalidade dos reclusos, com a referida finalidade. Este critério não proporciona dados rigorosos, por diversas razões.

A primeira dessas razões é a não coincidência entre as qualidades de imigrante e de estrangeiro.

Nesta intervenção, o Director Nacional da Polícia Judiciária (DNPJ) salientou essa não coincidência, apontando diversas situações em que, no seu entendimento, reclusos estrangeiros não podem ser considerados imigrantes em Portugal. Tais situações seriam, segundo ele, as seguintes: organizações criminosas transnacionais, cibercrime, tráfico de estupefacientes (nomeadamente as «mulas» que transportam tais substâncias) e criminalidade contra o património que tenha conexões internacionais.

Mais recentemente, no passado mês de Fevereiro, ao ser ouvido, na Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, a propósito dos dados sobre a criminalidade em Portugal, o DNPJ reiterou tal distinção entre as qualidades de estrangeiro e de imigrante, salientando que «as cadeias têm muita gente que é estrangeira, mas não é imigrante».

Estas duas intervenções públicas do DNPJ mereceram ampla divulgação mediática, sendo, ainda hoje, referências frequentes quando se fala sobre o tema da relação entre imigração e criminalidade. Porém, deturpam a realidade.

O DNPJ tem razão quando afirma que nem todos os estrangeiros presos podem ser qualificados como imigrantes. É óbvio que um estrangeiro não residente em Portugal que seja preso ao aqui entrar com produtos estupefacientes, ou que aqui permaneça durante um curto período para cometer um ou mais crimes e, em seguida, sair do território nacional, não é um imigrante. Não obstante, se for preso, figurará nas estatísticas da população prisional como estrangeiro.

Já a genérica exclusão, da qualificação como imigrante, dos membros de organizações criminosas transnacionais e de quem se dedique ao cibercrime, ao tráfico de estupefacientes fora das hipóteses que acima referi e à criminalidade contra o património que tenha conexões internacionais, carece de fundamento. Um estrangeiro que passe a residir em Portugal de forma estável será um imigrante ainda que a sua única actividade no nosso país seja a prática de crimes, sejam estes de que natureza forem. Também o será se residir em Portugal de forma estável e aqui exercer, simultaneamente, actividades lícitas e ilícitas, nomeadamente de natureza criminal.

Restringir a qualidade de imigrante aos estrangeiros que não cometam crimes, ou não cometam determinados tipos de crimes, carece, pois, de sentido. É imigrante quem, sendo nacional de outro país, passe a residir em Portugal de forma estável, independentemente de, aqui, trabalhar ou não, cometer crimes ou não.

É este o primeiro erro do DNPJ.

O seu segundo erro é o de apenas mencionar os estrangeiros que não são imigrantes, omitindo a hipótese inversa: a dos imigrantes que, entretanto, adquiriram a nacionalidade portuguesa, mantendo, ou não, a sua nacionalidade de origem e, eventualmente, outra ou outras.

Um estrangeiro que imigre para Portugal e, posteriormente, adquira a nacionalidade portuguesa, não deixa de ser imigrante. Sendo originário de outro país, será sempre um imigrante em Portugal, ainda que adquira a nacionalidade portuguesa. Deixa de ser considerado estrangeiro, mas não imigrante.

Concepção diversa de imigrante deixaria de descrever a realidade de forma útil, sendo, por isso, de afastar. No limite, se se atribuísse a nacionalidade portuguesa a todos os estrangeiros logo que estes entrassem em Portugal com a finalidade de aqui passarem a residir, não teríamos imigrantes. Estes perderiam essa qualidade no preciso momento da sua aquisição. Salta à vista o absurdo de tal entendimento.

Ou seja, o DNPJ destacou a discrepância entre os conceitos de estrangeiro e de imigrante no sentido de restringir o segundo face ao primeiro, mas omitiu a discrepância entre esses conceitos no sentido de ampliar o segundo face ao primeiro. Mais, o DNPJ não se limitou a omitir esta última discrepância, antes tendo negado expressamente a sua existência, ao afirmar que «um imigrante é estrangeiro, mas um estrangeiro não é necessariamente um imigrante». Isto é errado. Sendo verdade que um estrangeiro não é necessariamente um imigrante, não é menos verdade que um imigrante não é necessariamente um estrangeiro.

Na estatística da composição da população prisional, um imigrante que tenha adquirido a nacionalidade portuguesa contará como português. Por essa razão, a utilização da referida estatística como instrumento de análise da relação entre imigração e criminalidade será duplamente enganadora: uma pessoa que devia contar como imigrante, não só deixa de o ser, como, mais que isso, acaba por contar como não imigrante, em paridade com os portugueses realmente não imigrantes.

Devido aos dois erros que acabei de apontar, a argumentação apresentada pelo DNPJ sobre a relação entre imigração e criminalidade carece de validade. Ele procurou inculcar a ideia de que o recurso ao critério da composição da população prisional, em função da nacionalidade, para a determinação do número de imigrantes presos, peca necessariamente por excesso, ou seja, aponta sempre para um número de imigrantes presos superior ao real, mas não é assim. Poderá pecar, quer por excesso, quer por defeito. Daí que aquele critério seja inadequado para a formulação de um juízo rigoroso sobre a relação entre imigração e criminalidade em medida substancialmente maior que aquela que o DNPJ referiu. Apenas poderá fornecer uma imagem aproximada da realidade.