2006-01-06

Casa roubada, trancas nas portas


O que aconteceu ao infeliz bebé de Viseu provocou as inevitáveis reacções ainda em curso, nomeadamente nos meios de comunicação social.

Essas reacções são naturais e, porventura, reveladoras de que, ao contrário do que, em dias de maior pessimismo, sou tentado a pensar, o chamado «país real» ainda está, na essência, de boa saúde.

Mal de nós no dia em que, perante acontecimentos trágicos como aquele, o cidadão comum e a comunicação social ficarem indiferentes.

O problema é outro.

Já se anda a fazer diagnósticos apressados do que funciona mal e a anunciar medidas. Segundo li, estas últimas serão em número de 10 - não fazem a coisa por menos!

Ora, se há coisa que não se deve fazer – mas, infelizmente, se faz – é legislar «a quente» e sob a pressão dos meios de comunicação social, só para tentar calar estes últimos, mais não seja fingindo que se faz alguma coisa. Normalmente, sai asneira – as camadas mais recentes da nossa Ordem Jurídica são a prova disso.

Ao contrário, o que me parece aconselhável é, sem prejuízo do apuramento de responsabilidades no caso concreto (que terão de abranger quem não fornece meios para que as coisas funcionem bem, se for o caso), deixar a poeira assentar e, só depois, ver o que há a melhorar e tomar as medidas de carácter genérico necessárias, por via legislativa se for caso disso.

Legislar só para calar ou satisfazer a comunicação social é que não pode (continuar a) ser.

Mas, mais do que isso, importa, antes que haja mais desgraças, desta ou de outra natureza, tomar as medidas necessárias para minimizar o risco de as mesmas acontecerem.

Importa inverter o ditado, muito português e para portugueses, que serve de título a este post.

Sobretudo quando, cada vez mais, as alegadas trancas nem trancas são.

Quantas vezes quem está no terreno, nos mais variados sectores (saúde, ensino, justiça, segurança pública, etc), defrontando-se diariamente com uma desesperante escassez de meios para o desempenho da sua missão, só encontra indiferença e o discurso da «austeridade» (que é sempre só para alguns – parece que, pelo menos em determinados departamentos do Estado, não há falta de dinheiro) quando se queixa e solicita tais meios a quem tem a obrigação de os fornecer?

Depois, quando as desgraças acontecem, é que todos levam as mãos à cabeça.

P.s. Muito havia a dizer acerca do problema dos menores em risco, nomeadamente sobre o acerto da doutrina, que entre nós tem prevalecido, de que importa manter aqueles menores nas famílias biológicas até ao limite, e sobre as reais motivações dos progenitores quando insistem em manter os menores consigo – é sabido que as regras de cálculo do antigo rendimento mínimo garantido e do actual rendimento social de inserção estimulam muita gente a resistir à retirada dos filhos, pois, quantos mais têm, mais dinheiro e outros apoios recebem. Um dia destes, talvez escreva umas linhas sobre isto.