O art. 90.º-C do projecto de revisão do Código Penal estabelece que se à pessoa colectiva ou entidade equiparada dever ser aplicada pena de multa em medida não superior a 240 dias, pode o tribunal limitar-se a proferir uma admoestação, aplicando-se correspondentemente o disposto nos números 2 e 3 do art. 60.º.
Confesso que se há coisa que nunca me tinha passado pela cabeça poder vir a fazer é admoestar uma pessoa colectiva.
Admito, porém, que se tenha tratado de mera falta de imaginação da minha parte e existam exemplos de tal prática por esse mundo fora e com excelentes resultados.
O n.º 2 pretende explicar como isso se faz – a admoestação consiste numa solene censura oral feita em audiência, pelo tribunal, ao representante legal da pessoa colectiva ou entidade equiparada ou, na sua falta, a outra pessoa que nela ocupe uma posição de liderança.
Creio que a aplicação prática deste regime vai suscitar algumas dificuldades.
Vou referir a primeira que me ocorreu, no tom ligeiro que este tipo de comunicação permite.
Imaginemos que a condenada é uma sociedade anónima cujo conselho de administração é constituído por 5 membros.
Qual deles deverá ser o «depositário» (destinatária é a sociedade) da admoestação?
Obrigatoriamente todos os membros do conselho de administração?
Apenas o presidente deste órgão social?
Poderá o conselho de administração delegar em qualquer dos membros a «tarefa» de ir ao tribunal ouvir a admoestação? Na hipótese afirmativa, a escolha é livre? Ou deverá recair, se possível, sobre o ou os membros que eventualmente respondam criminalmente a título individual?
Poderá essa delegação ser feita em alguém que não seja membro do conselho de administração, que até poderia ser uma espécie de «admoestando profissional», que «iria a todas», assim poupando os membros daquele órgão ao incómodo que necessariamente implica ser «depositário» de uma admoestação?
Em qualquer das referidas hipóteses, o ou os «depositários» da admoestação dirigida à sociedade ficam vinculados a algum específico dever de comunicação formal do conteúdo desta última aos outros membros do órgão social a que eventualmente pertença e/ou aos restantes órgãos, como parece impor-se tendo em conta que são meros «portadores» de uma pena destinada a outrem?
No meio disto tudo, onde fica a realização do fim da pena?
Por fim, a minha verdadeira dúvida – fará algum sentido admoestar uma pessoa colectiva ou entidade equiparada?
Não será essa pena incompatível com a natureza meramente jurídica dessas entidades, tal como acontece com a prisão?
E será adequado sujeitar-se um representante de uma pessoa colectiva ou entidade equiparada ao estigma de suportar, num tribunal, numa audiência pública, no «banco dos réus», uma admoestação que não é dirigida a si e por factos a que até pode ser totalmente alheio? Não poderá tal prática violar a dignidade pessoal desse representante?