2006-06-10

Segurança rodoviária e impunidade – 2

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Condução de veículo em estado de embriaguez
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A actual versão do Código Penal
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É sabido que uma das causas principais de acidentes de viação é a condução em estado de embriaguez.
Actualmente, o n.º 1 do art. 292.º do Código Penal pune o crime de condução de veículo em estado de embriaguez com pena principal de prisão até 1 ano ou multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
Por força do art. 69.º, n.º 1, al. a), do mesmo código, o mesmo crime é ainda punível com pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre 3 meses e 3 anos.
A questão que coloco é a de saber se a moldura legal da pena principal é suficientemente severa, tendo em conta a gravidade do crime.
Dirão os mais indulgentes que sim e os mais severos que não; a partir daí, a discussão será estéril.
O caminho mais seguro para aferir o lugar que o crime de condução de veículo em estado de embriaguez ocupa na hierarquia de preocupações do legislador é o de comparar a pena principal do art. 292.º, n.º 1, do Código Penal, com as de outros crimes.
São as seguintes as molduras penais estabelecidas pelo Código Penal para alguns outros crimes que fazem parte da vulgarmente chamada «pequena criminalidade»:
- Ofensa à integridade física simples – prisão até 3 anos ou multa entre 10 e 360 dias (art. 143.º);
- Ameaça – prisão até 1 ano ou multa até 120 dias (art. 153.º, n.º 1);
- Difamação – prisão até 6 meses ou multa até 240 dias (art. 180.º, n.º 1);
- Injúria – prisão até 3 meses ou multa até 120 dias (art. 181.º, n.º 1);
- Furto simples – prisão até 3 anos ou multa entre 10 e 360 dias (art. 203.º);
- Dano – prisão até 3 anos ou multa entre 10 e 360 dias (art. 212.º);
- Falsificação de um cheque – prisão de 6 meses a 5 anos ou multa de 60 a 600 dias (art. 256.º, n.º 3).
Como se vê, a lei pune o furto de um objecto de pequeno valor com uma pena três vezes superior, no seu limite máximo, à pena principal do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, por muito elevada que seja a taxa de álcool no sangue.
O mesmo se passa em relação ao dano – parece ser menos grave, para o legislador, conduzir um veículo (que até pode ser um camião de grandes dimensões) com uma taxa de álcool no sangue de 4 gramas/litro (estado em que a condução representa um perigo enorme para a segurança rodoviária) do que partir intencionalmente um objecto pertencente a outrem.
Os exemplos poderiam multiplicar-se.
Também por isto, quando oiço dizer que a segurança rodoviária constitui uma prioridade do Estado Português, só posso sorrir… amargamente.