2007-06-16

Liberdade de expressão - 1

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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11.05.2005 (LINK):

Sumário:

Na luta política pode considerar-se legítimo o uso de frases ou expressões que, no âmbito das relações privadas, seriam ofensivas.

Excertos:

- É próprio da vida social a ocorrência de algum grau de conflitualidade entre os membros da comunidade. Fazem parte do seu ontológico as desavenças, diferentes opiniões, choques de interesses incompatíveis que causam grandes animosidades. Estas situações, entre outros meios, expressam-se ao nível da linguagem, por vezes de forma exagerada ou descabida. Onde uns reconhecem firmeza, outros qualificam de gritaria, impropérios, má educação ou indelicadeza. Mas como se escreveu em recentes acórdãos desta Relação e Secção, “o direito não pode intervir sempre que a linguagem utilizada incomoda ou fere susceptibilidades do visado. Só o pode fazer quando é atingido o núcleo essencial de qualidades morais que devem existir para que a pessoa tenha apreço por si própria e não se sinta desprezada pelos outros. Se assim não fosse a vida em sociedade seria impossível. E o direito seria fonte de conflitos, em vez de garantir a paz social, que é a sua função” – ac. de 12.6.02, Recurso 332/02, de que foi relator o Des. Dr. Manuel Braz.

- Não cabe aos tribunais avaliar se uma afirmação é justa, razoável ou grosseira.

- Apenas há um limite: não pode ser atingida a honra do visado – um bem jurídico complexo que inclui, quer o valor pessoal de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior - Comentário Conimbricence, Tomo I, pág. 607.

- Também esta ideia do Prof. Faria Costa a ter em conta: o facto de a honra ser um bem jurídico pessoalíssimo e imaterial, a que não temos a menor dúvida em continuar a assacar a dignidade penal, mas um bem jurídico, apesar de tudo, de menor densidade axiológica do que o grosso daqueles outros que a tutela do ser impõe. Uma prova evidente de tal realidade pode encontrar-se nas molduras penais - de limites extraordinariamente baixos - que o legislador considerou adequadas para a punição das ofensas à honra. E a explicação para tal “estreitamento” da honra enquanto bem jurídico, para uma certa perda da sua importância relativa, pode justificar-se, segundo cremos, de diferentes modos e por diferentes vias. Por um lado, julgamos poder afirmar-se uma sua verdadeira erosão interna, associada à autonomização de outros bens jurídicos que até algumas décadas estavam misturados com essa pretensão a ser tratado com respeito em nome da dignidade humana que é o núcleo daquilo a que chamamos honra. Referimo-nos a valores como a privacidade, a intimidade ou a imagem, que hoje já têm expressão constitucional e específica protecção através do direito penal. Por outro lado, cremos ser também indesmentível a erosão externa, a que a honra tem sido sujeita, quer por força da banalização dos ataques que sobre ela impendem - tão potenciados pela explosão dos meios de comunicação social e pela generalização do uso da internet, quer por força da consequente consciencialização colectiva em torno do carácter inelutável de tais agressões e da eventual imprestabilidade da reacção criminal – págs. 104-105,” Direito Penal Especial”, Coimbra Editora, 2004.

- Encontramos a mesma constatação na doutrina e jurisprudência comparados: na luta política, para a consecução dos fins a que esta aspira, historicamente verificou-se uma alteração na linguagem e uma desensibilização da opinião pública sobre o significado de algumas palavras e sobre certas frases usadas por pessoas que na mesma estão envolvidas, de modo que pode considerar-se como legítimo o uso de frases e expressões que em comum, no âmbito das relações privadas, seriam ofensivas – “Diffamazione a mezzo stampa e risarcimento del danno”, Francesco Verri e Vincenzo Cardone, giuffré editore, 2003, pág. 210.

- O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem reteve como lícitas, no âmbito da luta política, uma expressão como imbecil,(1.7.1997, DDP, 1997, 10, 1209); lobbista, experiente em urbanizações selvagens, comissário de negócios sujos, são outros exemplos mencionados na ob. cit. , a fls. 213.

- Nas apontadas asserções poderá depara-se com algum tipo de censura, ao nível ético, de deselegância, de injusto possivelmente – mas no fundamental trata-se de debate político corriqueiro e do quotidiano da democracia.

- Diferente seria o caso de se tratar de expressões gratuitamente injuriosas, não correlacionadas com a ideia que se pretende exprimir ou a formulação de juízos de valor que não exprimissem uma polémica tomada de posição contra um particular modo de gerir os assuntos públicos mas apenas uma vontade de agressão gratuita e de confronto com a personagem pública.