2024-12-21

Mãos na parede


Uma certa elite político-mediática caiu em peso nos canais de televisão a que tem livre acesso para expressar a sua indignação pela forma como a PSP executou, no passado dia 19, uma «operação especial de prevenção criminal» na zona do Largo de Martim Moniz, em Lisboa.

Nada oponho a que o faça, claro está. Parafraseando o sobranceiro chanceler alemão ao referir-se, ontem, ao apoio manifestado por Elon Musk ao partido «Alternative fur Deutschland», direi que até aquela elite tem liberdade de expressão, que inclui a de estar errada.

Porém, qual é a razão concreta de tanta indignação?

Pelo que percebi, é uma única foto, na qual, numa rua, são visíveis 4 ou 5 dezenas de pessoas, de costas, com as mãos na parede, vigiadas por alguns polícias, com a evidente finalidade de serem revistadas. Viola o princípio da proporcionalidade, dizem. Até ouvi alguém comparar o que se vê na foto com um cenário de guerra!

Vamos por partes.

Aquilo que se vê na foto em questão constitui uma prática rotineira em operações policiais que tenham finalidade semelhante àquela que foi realizada no Martim Moniz, seja em Portugal, seja em qualquer outro Estado de Direito Democrático. Trata-se de um procedimento normalíssimo. Desagradável para quem a ele for sujeito, como é evidente, mas não mais que isso. Ninguém está livre de ser alvo dessa modalidade de emprego da força pública, ou de outras que estejam previstas na lei, desde uma «operação stop» a uma busca domiciliária. Desde que o emprego da força pública se faça em conformidade com a Constituição e a lei ordinária, quer nos pressupostos, quer na forma de execução, estará garantida a sua conformidade com os princípios do Estado de Direito Democrático.

Assim somos conduzidos à questão da proporcionalidade da realização e da forma de execução da operação da PSP. Os políticos e comentadores que vi e ouvi insistiram na ideia de desproporcionalidade, mas sem explicitarem claramente um dos termos da relação entre meios e fins, que é o que está em causa quando se avalia a proporcionalidade de determinada actuação policial. Disseram e repetiram que os meios foram excessivos, mas foram vagos na identificação dos fins da operação. Sabem que fins foram esses? Conhecem a gravidade da situação que determinou a realização da operação? Conhecem o grau do risco que a realização da operação envolvia para os agentes da PSP e a população da zona? Sobre estas questões, nada, ou quase nada.

Uma das pessoas que ouvi comparava os meios empregues com os resultados obtidos (a montanha teria parido um rato, segundo ela), para fundamentar o seu juízo de desproporcionalidade. Errado! A ponderação a fazer é entre meios e fins, não entre meios e resultados. Uma operação policial desproporcional não é o mesmo que uma operação policial fracassada.

Além de que esta operação policial nem sequer pode ser considerada um fracasso. Entre o mais, foram apreendidos produtos estupefacientes, 7 bastões e 17 envelopes com fotos tipo passe que se suspeita destinarem-se à falsificação de documentos de identificação. Quem considera que a montanha pariu um rato, esperava que a PSP encontrasse o quê? Um tanque de guerra? Um míssil? Um paiol?

Portanto, sobre a alegada desproporcionalidade, ficamos conversados.

No que toca à alegada semelhança da situação captada pela foto com um cenário de guerra, apenas demonstra um duplo desconhecimento: do que seja uma operação policial e do que seja uma guerra.

Houve alguém que até pareceu querer ser engraçado, ao evocar a semelhança da «operação especial de prevenção criminal» com a designação dada pela Federação Russa à sua «operação militar especial» na Ucrânia. Ao contrário do que essa pessoa sugeriu, não se trata de uma designação pomposa inventada pela PSP para a ocasião, mas sim de terminologia legal, que pode ser encontrada, por exemplo, logo no n.º 1 do artigo 1.º da Lei das Armas (Lei n.º 5/2006, de 23.02).

Enfim, mais uma vez, ficou comprovado o afastamento da elite político-mediática a que me venho referindo em relação ao país real, aos bairros e às ruas onde vivem os cidadãos comuns. Estes senhores nunca se tinham apercebido do que é uma «operação especial de prevenção criminal»? Nunca tinham visto pessoas de mãos nas paredes enquanto agentes de autoridade as revistam?

Se já tinham visto, por que razão só agora ficaram indignados?